Pensadores utópicos

     Este artigo tem como objetivo discorrer sobre pensadores utópicos e suas principais obras, a fim de estudarmos as opiniões que eles tinham sobre as formas de governo ideais e a discussão que faziam sobre a sua própria sociedade. Notaremos o germe da sociologia e uma aproximação com o socialismo científico. Começaremos por Platão, seguido por Thomas Morus, e depois veremos Tommaso de Campanella, e, por fim, Francis Bacon.

     A República, de Platão, um clássico da filosofia, escrito há praticamente 400 anos antes de Cristo, é uma obra que abrange várias áreas, como a própria política, a estética, e a filosófica. Platão imagina um Estado ideal, guiado pelo sábio governante, sustentado pela Justiça.
     O livro todo faz parte de um compêndio de diálogos, estes submetidos à Dialética e Retórica da filosofia grega, entre Sócrates e seus amigos. A princípio, eles definem nos primeiros capítulos o conceito de Justiça e todas as suas vantagens e valores a quem a pratica. O conceito de justiça é que vai direcionar todo o estudo sobre o governo ideal. Em seguida, eles introduzem um personagem imaginário, um homem sábio, e, com ele, uma cidade para governar. Debatem sobre como ele deve ser, o que e como ele deve ensinar ao seu povo e aos seus guardas, através de conceitos morais e artísticos, como a ginástica e a música. Aliás, foi reservado um capitulo só sobre o que ensinar e o que não ensinar aos guardas, e isso é muito interessante porque demonstra a necessidade de manipulação de informações a fim de se obter os resultados esperados. Os mitos, a literatura, os contos religiosos são modificados ou sofrem supressões para moldar o indivíduo desejado para determinada cidade. Os capítulos seguem abrangendo o papel da educação em si, das mulheres, da Matemática, e é nesta obra que temos conhecimento da famosa e rica passagem da “Alegoria da Caverna”.
     É muito sutil que, até o capítulo sete, Platão esteja dissertando sobre as formas de governo ideais, para ele, a Monarquia e a Aristocracia, significando, respectivamente, aquela, como o governo de um rei, e esta, o governo dos melhores. Quando o sábio ou os sábios não observam os conceitos da razão e das ciências, da justiça e das virtudes, o governo da cidade tende a declinar-se em formas cada vez piores. Quando um governo aristocrático se corrompe a cidade é levada à Timocracia, uma espécie de regime constitucional não tão eficaz quanto a Aristocracia, pois aí se desenvolve uma ambição às riquezas e às terras, é meio caminho para sua corrupção final, a Oligarquia, ou seja, o governo dos ricos, destacada pela forma de apropriação de terras, onde “os ricos são soberanos e os pobres não participam de nada (Platão, in A República, 2004)”. O primeiro defeito deste governo, segundo o autor, é que o governo dos mais ricos não significa necessariamente o governo dos mais capacitados, o segundo defeito é a abertura à luta de classes, e o terceiro, o pior de todos, é a dissipação dos bens da cidade, onde é mais fácil o surgimento e proliferação de mendigos e malfeitores. Com todo este descontentamento, quando a classe rejeitada toma o poder, inicia-se uma administração oposta à Oligarquia: a Democracia. Aqui, entenda-se, não significa o governo do povo, da maioria, mas sim o governo dos pobres.
     Platão alerta sobre o perigo de se achar nesta forma de governo a mais bela de se administrar, e ainda, por ser popular, garante o surgimento de variados indivíduos e aspectos de pensamento. Porém, é classificada aqui como “anárquica (...), e que reparte a sua igualdade do mesmo modo pelo que é igual e pelo que é desigual (...) distribuindo igualmente a riqueza como a pobreza entre os homens (idem)”. A maior virtude do Estado Democrático é a liberdade, porém, “é no cúmulo da liberdade que surge a mais completa e mais selvagem das escravaturas (ibidem)”. A partir de então, a Democracia se declina e gera a pior forma de governo de todas, a Tirania. Em A República, a Tirania sempre surge da Democracia.
     Tirania é a escravidão levada ao seu estágio final, mais cruel. Seu governante só é levado por suas próprias paixões e instintos primitivos, figurados em Eros, se achando maior que todos os homens e todos os deuses, levando a cidade à ruína, devido a sua extrema injustiça.
     A obra mais extensa dentre as estudadas aqui termina, por fim, com uma última parábola, a de Er, um homem justo que morre e tem o privilégio de voltar à vida e contar tudo o que viu no além: o pagamento tanto dos justos como dos injustos, a fim de praticarmos sempre a justiça. Estes são os conceitos essenciais de um bom governo, afinal: a sabedoria, a coragem, a sensatez, e a justiça.
     Comparando com seu discípulo Aristóteles, Platão dispõe uma hierarquia das formas de governo um tanto diferente. Para aquele, a Timocracia se encontra na forma, digamos, “menos boa”, de governo, mas não ruim. E a Democracia surge à frente da Oligarquia, como a forma, digamos, menos ruim, de governo. Aristóteles também trabalha com conceitos de formas puras e deturpadas. Assim, a deturpação da Monarquia é a Tirania, da Aristocracia, a Oligarquia, e da Timocracia, a Democracia.

     Dois mil anos depois, o inglês Thomas Morus escreve A Utopia, nome dado posteriormente à obra que originalmente não recebera este título, assim como aconteceu com O Príncipe, de N. Maquiavel, obra que lhe é contemporânea.
     Morus também cria um governo imaginário onde se rege a forma de governo ideal, certamente inspirado no próprio Platão. Dado curioso é o fato da ilha de Utopia, que retrata a Inglaterra, ter sido inspirada na ilha de Fernando de Noronha, Brasil (v. edição da Editora Universidade de Brasília, por Arinos de Melo Franco, 1980).
     Thomas Morus, que ainda não distingue a América das Índias, inicia sua obra com a chegada de Rafael, um vivo viajante português, disposto a contar o que viu na maravilhosa ilha de Utopia, cuja capital chama-se Amaurota, e cujo rei chama-se Ademos. Esses nomes de origem grega significam, respectivamente: “lugar irreal”, “cidade inexistente”, e “rei sem povo”.
     Rafael inicia um debate com os presentes (dentre os quais se encontra o próprio Morus) sobre a sociedade. Nota-se ao mesmo tempo tanto um apelo religioso moral quanto um paralelo à criação de ovelhas tirando empregos na Inglaterra, o que os leva a reflexões sobre justiça, crimes e penas. Morus recorre à máxima de Platão quanto ao bom governo, onde “os povos do futuro não serão felizes senão quando os filósofos se tornarem reis, e os reis, filósofos (A República, 2004)“. E antes de iniciar os relatos de Utopia, o Livro I é repleto de ensaios e reflexões sobre diferentes nações e suas formas de governo, e das formas de governo em si.
     O autor cita a todo o momento A República, de Platão, onde, repito, certamente se inspirou para inventar também, assim como naquela obra, um governo, nação, e indivíduo ideais, a “maior das repúblicas”. Naquela época já foi possível que concluísse: “O único meio de salvar um povo é a igualdade de condições; não creio que se possa jamais alcançá-la enquanto existir a propriedade privada. (...) Por isso, estou convencido que o único meio de repartir os bens, eqüitativamente, é assegurar o bem-estar da sociedade, é a abolição da propriedade (A Utopia, 1980)”.
     Rafael inicia, pois, uma descrição de todos os aspectos de Utopia, desde a história de sua fundação, passando por sua geografia, arquitetura, até chegar aos magistrados, seus ofícios, e como vivem os utopienses, quais são suas leis, etc. O interessante é que notamos realmente que estamos lendo um pensamento utópico, onde se admite a escravidão, porém como uma espécie de medida sócio-educativa de nossos tempos. Admite-se a pena de morte, inclusive por reincidência em adultério. Morus se preocupa com sua religião, a qual consiste em um culto à Natureza e seu criador. Rafael, como todo bom colonizador português, fez questão de levar aos utopienses a religião romana e de até batizá-los.
     A todo o momento vemos que os relatos do viajante parecem mais uma antropologia de Malinowsky do que uma hipótese científica, ou, para a época, filosófica. Contudo, nesse modo de sociedade, também é notável a falta de liberdade individual de cada nativo da ilha, sacrificando-a em nome do bem comum.
     No fim, pareceu-me mais interessante os momentos em que Morus anuncia as vantagens da República ideal, frente às demais as quais ele compara, do que os relatos sobre a própria vida dos utopienses em si. Assim lemos, por exemplo, essa passagem por demais curiosa, elaborada já naquela época, revelando uma consciência que acompanha o advento dos tempos modernos: “Cada dia os ricos diminuem os salários dos pobres, não somente por combinações fraudulentas, mas também publicando leis para este efeito. Recompensar tão mal aqueles que mais merecem da sociedade parecia, até então, uma evidente injustiça; desta monstruosidade faz-se uma ‘justiça’, sancionando-a por uma lei (idem)”.

     Obra complementar ao pensamento utópico é A Cidade do Sol, de Tommaso de Campanella, fruto do Renascentismo e de uma Itália que acaba de chegar ao Século XVI mantendo sua religiosidade ao mesmo tempo em que começa a desenvolver seus pensamentos científicos. O frade calabrês também se inspira em Platão para escrever sua cidade perfeita, mas recorre a muitos outros pensadores para elaborar seu pensamento, como Santo Agostinho, Galileu e Maquiavel, e Aristóteles, o qual critica e nega.
     A história começa com um diálogo entre um grão-mestre e um almirante, que sacia a curiosidade daquele a respeito de uma cidade que conhecera, chamada Cidade do Sol, edificada matematicamente em uma ilha próxima ao que hoje é o Ceilão, cujos habitantes são descendentes dos indianos e se chamam solares. Foi ali que o almirante encontrou a forma de governo perfeita.
     Enquanto em Utopia o que rege a cidade é mais uma forma de governo moralista e provinciana, em Cidade do Sol temos uma forma de governo voltada para um cientificismo enciclopédico mesclado com uma espiritualidade transcendental, esotérica. Em ambas as obras, são mais sociologicamente interessantes as leituras que dizem respeito às repúblicas do que lendo o cotidiano delas. Para Campanella em especial, são interessantíssimas suas considerações finais, criticando Aristóteles e sua disposição de república, detendo-se em uma filosofia teológica católica, indutiva, cartesiana, metafísica de frade que era.
     Os solares conhecem praticamente todos os personagens históricos de todas as nações, retratam uma quantidade enorme de espécies de todos os reinos da natureza. São praticantes hábeis da matemática e da astronomia, sem falar que praticam igualmente a astrologia, que curiosamente faz parte de sua religião e de todo o seu raciocínio.
     A cidade é governada por um sacerdote, que tem poderes absolutos e inquestionáveis, chamado Hoh ou Metafísico, o que lhe cai bem, pois a ciência dos solares não se desvencilha da mistificação e da religiosidade. O cargo é vitalício e cada Hoh é escolhido entre o melhor dos magistrados, que, assim como na obra de Morus, geralmente é um sacerdote. Entre os solares, os postos de administração, como os magistrados, são obtidos por mérito, experiência e conhecimento de todas as artes e ciências. Por isso, o Hoh é o mais preparado, o melhor dos solares, um aristocrata platônico.
     O Metafísico é assistido por três chefes que regem respectivamente a Potência, a Sapiência, e o Amor da nação. Cada cidadão, saudável na alimentação e nos exercícios, podendo chegar a viver até duzentos anos, deve ser hábil em todas as suas capacidades humanas: na arte da ginástica e da guerra, na matemática, nas ciências da natureza, e na espiritualidade, aprendendo várias profissões, a fim de servir o bem comum em qualquer ocasião. Eles vivem em um regime comunal, onde essa comunidade “coloca os homens numa condição ao mesmo tempo rica e pobre: são ricos porque gozam de todo o necessário, e são pobres porque não possuem nada. (...) Sua doutrina é que se deve primeiro prover à vida do todo e, depois, àquela das respectivas partes (A Cidade do Sol, 1982)”.
     Campanella também se sobrepõe a Morus quando coloca o papel dos indivíduos dotados de necessidades especiais sempre servindo à comunidade e nunca à ociosidade e mendicância, “assim, o coxo serve de vigia, empregando os olhos sãos; o cego, com as mãos, desfia a lã e prepara plumas para encher leitos e travesseiros; quem é privado de olhos e de mãos serve a república empregando os ouvidos e a voz; finalmente, o que possui um só membro emprega-o do melhor modo possível (idem)”. Servindo de exemplo a ser seguido principalmente nos dias de hoje.
     Quanto às leis, rege o código de Talião, existindo também a pena de morte, da qual somente o Metafísico tem o poder de absolver, como a todo pecado. Aliás, esse Metafísico assemelha-se a um Grande Irmão, que tudo sabe e tudo vê, graças a um sistema de confissão interligado por todos os magistrados e sacerdotes. Assim, a liberdade é restrita individualmente para que se garanta o bem coletivo e a permanência do status quo.
     A Cidade do Sol parece uma evolução da cidade de Utopia, onde o conhecimento é poder (Bacon). Os solares, por exemplo, criaram um meio de se trabalhar quatro horas diárias, frente às sete dos utopienses. Ambos não fazem uso do dinheiro, pois consideram a raiz de todos os males, ambos têm uma religião espiritual voltada à natureza - mas que no fundo é um catolicismo aperfeiçoado -, ambos são uma Monarquia misturada com uma Aristocracia platônicas, porém, os solares são mais científicos enquanto os utopienses são mais acéticos, em contrapartida, estes se detêm mais em administrar o seu meio e aqueles, mais em controlá-lo.
     Após o breve diálogo entre o almirante e o grão-mestre, Campanella desmistifica sua própria utopia e começa a analisar as impossibilidades de existir uma cidade sob um governo perfeito, seja em Platão, em Aristóteles, no próprio Jesus Cristo, em Morus, em Tomás de Aquino, e seja nele mesmo. Ele coloca as forças externas, o crescimento da cidade e o tempo como fatores determinantes para a deterioração da forma de governo perfeita, ou seja, de certa forma, como Platão, faz uma crítica de si mesmo e de sua cidade utópica. Como exemplo, questiona o sucesso de uma sociedade comunal em muitos pontos, como este: “A comunidade destrói a liberdade e a faculdade de praticar a hospitalidade, de socorrer os pobres, porque quem nada possui de seu de nada pode dispor (ibidem)”, e passa por um raciocínio filosófico, desenvolvendo que “é certo que, por direito natural, todas as coisas são comuns. (...) Portanto, se a comunidade era de direito, só a injustiça poderia ter introduzido a divisão (ibidem)”, até concluir que “com justiça (...), (se) prega a propriedade de administração e (se) concede a comunidade do uso (ibidem)”. Trazendo para os dias de hoje, o governo ideal para um socialista também é onde o Estado detém a propriedade das coisas, mas para administrá-las, concedendo à comunidade o uso comum.

     E em 1627, é publicada Nova Atlântida. Francis Bacon, que morrera sem terminar sua última obra, é considerado o último dos antigos e o primeiro dos modernos, segundo muitos pensadores.
     Parece que Bacon não está muito preocupado em transparecer qual a forma de governo dos habitantes de Nova Atlântida, chamada pelos nativos de Bensalém, que significa, “filha da salvação”. Embora, por seguirem uma espécie de constituição e pela forma de que se dispõem os representantes da ilha, parece-me que o governo se aproxima de uma timocracia platônica. Mas a princípio, o autor nos quer mostrar principalmente os benefícios de se viver em bem-estar, proporcionado pelos avanços da ciência.
     Localizada em alguma ilha do Pacífico Sul, a organização de Bensalém pouco se parece com as demais cidades imaginadas pelos socialistas utópicos anteriores, ou pelo menos não temos como sabê-lo, já que o autor dessa obra não pôde continuá-la, deixando apenas o que seria uma introdução ao conto.
     Notamos que ainda persistem os ideais de uma sociedade mais igualitária baseados na vida e ensinamentos de Jesus, e são esses ideais espirituais que transcendem o individualismo de cada habitante para um sacrifício em bem do que é comum. Na obra de Bacon, o que mais se vê de diferente das demais obras é o avanço científico que essa civilização desenvolveu. A própria Casa de Salomão (centro onde se reúnem os sábios sacerdotes governantes de Bensalém) tem como fim o conhecimento das forças naturais de todas as coisas, e como usá-las para o bem de todos. Aqui se torna realidade a máxima de Bacon: conhecimento é poder. Assim, o que o autor quis mostrar com essa obra foi que o controle científico das coisas traz uma conseqüente facilitação do modo de viver das pessoas. Enquanto o poder da Cidade do Sol se encontra no Metafísico, aqui, se encontra na própria Ciência mesmo.
     Bacon não se preocupa em centralizar sua obra nas organizações econômicas, políticas e sociais para justamente mostrar que o principal é uma sociedade preocupada em desenvolver o bem-estar a todos através de resultados eficientes, conquistados através do empenho de todos. Esta obra completa nosso estudo sobre o socialismo utópico. Platão oferece um governo ideal liderado por filósofos; Morus pensa numa liderança moralista; Campanella evolui para um governo metafísico; e Bacon fecha o quarteto defendendo um governo científico.
     Um último ponto importante a ser discutido é o da ausência do Estado. Não seria mesmo de se esperar que em A República ou em Utopia houvesse alguma referência ou apologia ao Estado, mas nas demais obras o conceito de Estado-Nação já podia ser pensado, ainda mais em Nova Atlântida. No entanto, esse pensamento não ocorreu. Na verdade, o Estado nunca chegou sequer a existir na história das sociedades utópicas. Também não é provável que um dia chegasse a existir. Porém, essa ausência de Estado não significa uma compreensão Anarquista, até porque não havia condições materialistas e históricas suficientes para que se teorizasse a respeito da ascensão, queda e extinção do Estado – e lembremos que sempre há uma autoridade governando todo o resto, nos socialismos utópicos. O único utopismo que se destacaria pelo afastamento do poder de governar, de ser autoridade, de fazer uso legítimo da força, seria ainda Nova Atlântida, onde a Casa de Salomão parece mais um local de deliberação administrativa de intelectuais do que algo autoritário, aproximando-se de uma sociedade, digamos, anarquista utópica.
     Assim, se na época dos socialistas científicos foi possível a elaboração marcante de um socialismo que faz uso do Estado para se chegar a um comunismo sem Estado e também foi possível que se teorizasse sobre um anarquismo que repudia qualquer uso do Estado, pregando sua total destruição, para se chegar também a um comunismo sem Estado, foi porque o Estado e seu conceito já estavam completamente desenvolvidos nas sociedades. Por isso, as sociedades utópicas não defendem um Estado nem uma destruição deste, simplesmente porque nelas ele nunca existiu historicamente nem virá a existir. Para Campanella e Bacon, o Estado também não promovia o bem, mas, no entanto, ao invés de filosofarem sobre sua superação ou destruição, optaram por se remeterem ao passado e ao bucolismo e idealizar uma sociedade que sequer o experimentou, retornando-a à alegria nostálgica e transcendental do comunismo dos primeiros cristãos.

     Concluindo, Platão desenvolve, através de um raciocínio filosófico, o que seria para a época uma sociedade ideal, retratando a era de ouro da Grécia antiga. Sua obra inspirou vários pensadores utópicos, como os aqui citados, que uniram também os ensinamentos do Novo Testamento, para elaborar uma alternativa e uma explicação frente às mudanças bruscas que o capitalismo nascente vinha trazendo ao longo da história. Enquanto Morus traz latentes todas as transformações sociais que a Inglaterra estava sofrendo, Campanella, quase na mesma época, reflete uma Itália renascentista e atrasada em sua constituição sócio-econômica e política. Bacon já faz parte de uma Inglaterra científica, voltada para o empirismo, mas não se distancia ainda de uma religiosidade católica perene.
     É nos pensadores utópicos que encontramos o germe da sociologia, da preocupação das relações sociais das pessoas, e da busca de uma forma de governo ideal para proporcionar as melhores condições de vida para a maioria, ou mesmo para todos. Se por um lado eles têm como maior referência o socialismo cristão é porque eles são os primeiros a discutirem o assunto na ordem social e política. Antes, o único socialismo pensado era o teológico, como vemos em Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, e até mesmo no padre Antônio Vieira. A originalidade dos pensadores utópicos foi em oferecer uma segunda visão além da teológica, graças à influência do advento da ciência e de novos meios de produção, deixando para os pensadores futuros essa inspiração e fabuloso retrato de um estudo pré-sociológico da época. Somente séculos mais tarde é que teremos um socialismo científico, baseado no método científico, em teorias e experiências, que colocará o socialismo cristão no esquecimento.

Bibliografia:

Platão. “A República”. Editora Martin Claret, 2004. São Paulo.

Morus, Thomas. “Utopia”. Editora Universidade de Brasília, 1980. Brasília.

Campanella, Tommaso de. “A Cidade do Sol”. Editora Tecnoprint Ltda, 1982. São Paulo.

Bacon, Francis. “Nova Atlântida”. In Os Pensadores: Francis Bacon. Editora Nova Cultural, 1988. São Paulo.





 
Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 22/04/2006
Reeditado em 30/11/2020
Código do texto: T143305
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