Resenha sobre: Nas tuas mãos, de Inês Pedrosa
“Creio que existi sempre fora da sucessão das estações e dos anos, para escapar ao desamparo, ao desperdício espesso que envolve a vida”.( p.85)
A escritora Inês Pedrosa é portuguesa, relativamente jovem, nasceu em 1962. É jornalista, trabalhou nos principais jornais e revistas do seu país. Estreou na Literatura em 1992, com a obra Ilustração dos Amantes e, ganhou o prêmio Máxima com obra: Nas tuas mãos. É autora ainda de Fotobiografia de José Cardoso Pires, de coletânea de perfis biográficos 20 mulheres para o século XX, de Fica comigo esta noite (contos), de anos luz- trinta conversas para celebrar 25 de abril (entrevistas) e do romance Fazes-me falta. Possui uma escrita suave, particular, individual, buliçosa, ás vezes, bastante picante para aquele leitor desavisado que adentre em seus livros sem um aviso prévio: olha é a Inês Pedrosa, aquela que foge a várias regras que tu estudaste a vida inteira. Usa a primeiras e segundas pessoas como se fossem diálogos entre as personagens.
Nas tuas mãos se organiza numa narrativa que envolve três vidas, três gerações de solidão e as idades do amor eterno. São três narradores que aparecem no decorrer da história, três mulheres, a Jenny, a avó, Camila, a mãe, Natália, a filha. As narrativas decorrem linearmente, mesmo na primeira narrativa que é a de Jenny, feita através de diários, ela nos cite as histórias de Camila e Natália, porém as suas vozes não são presentes. Portanto, os narradores não se cruzam na narrativa, a autora dá a voz a cada uma delas. Especifica uma configuração na contação de suas histórias, dando-lhes uma linguagem, uma visão de mundo, uma maneira singular de cada uma olhar o amor. Criando assim um jeito impar para cada personagem que vai confrontando suas histórias com os desenvolvimentos históricos sociais de Portugal. Entre o diário da primeira, o álbum de fotografias da segunda e as cartas da terceira, desvendam contínuas expressões da paixão numa sociedade em mutação.
A autora de Fazes-me falta escrito em 1997, leva-nos a imaginar o Portugal das últimas décadas medido e analisado pelas variáveis emoções das suas protagonistas. Na primeira parte do livro é o diário da Jenny construído em dez partes. Ela nos conta do seu casamento com Antonio José Castro Morais, ou simplesmente Tó Zè num verão de 1935. Jenny se apaixonou pelo fascínio etéreo e distante dele, que segundo a autora: ”Dizem que o amor se faz de uma comunidade de interesses subterrâneos, restos de vozes, hábitos que nos ficam da infância como uma melodia sem letra, paixões pisadas na massa funda do tempo..” ( p.78) Este distanciamento carnal antes do casamento era normal para década de trinta, entretanto, aos poucos nota-se a entrada de uma terceira pessoa nesse amor atípico para qualquer tempo. A personagem Jenny descreve em suas cartas dois amores insanos: o dela por to Zé e o de to Zé por Pedro.
Existia entre eles um acordo tácito de cumplicidades, viviam na mesma casa em quartos separados. Mas, a aceitação nem sempre era verdadeira, Jenny tentava seduzir to Zé, e ele não era imune a beleza de dela, porém optava pela fidelidade ao seu amor. Mesmo quando o infiel Pedro se afastava, Jenny também fez uma escolha de fidelidade ao seu amor, ao ponto de criar a filha do amante ( Camila) do marido. A personagem Jenny dizia que viverá toda uma vida só do sabor de uns lábios. Também amava o amor que via nos olhos do marido pelo amante. Dóia-lhe intensamente ver a paixão desmedida dos dois, um continuava o que o outro iniciava, eram como um piano e sua partitura. A história dos três somente foi descoberta quando a Natalia (filha de Camila) leu o diário de Jenny e entendeu, pois para a família e a sociedade, eles eram um tanto devassos.
A segunda parte do livro é composta de dez capítulos onde se dá o início do álbum de Camila, a filha de Pedro e Danielle. Camila não conheceu mãe, foi criada por Pedro, e principalmente, por Jenny. Camila fora criada livre, solta e sem preconceitos, era fotografa de um jornal, possuía uma grande amiga Gloria, uma jornalista egocêntrica. A fuga de Camila eram as fotos, ela traduzia a vida através da sua máquina fotográfica, registrava momentos, afagos e sensações. Era politizada, lutava pelas esquerdas, minorias, mas se desiludiu após ser presa e torturada aos dezoitos anos. Conheceu o amor com dois personagens: Eduardo, o amor adolescente que morreu partido por um raio e Xavier, o amor adulto que conheceu e morreu na África, também pai da Natália.
Afixação de Camila por fotos causava estranheza em Xavier: “Pra que serve esta máquina, senhora? Os teus olhos são desmemoriados, estão doentes”.( p.109) Ela respondia: Não, as fotografias são a única prova que existo.” Xavier na sua negritude africana não entendia, pertencia a outra cultura, não acreditava em fotos, palavras escritas, somente o contato direto lhe interessava, ele lutava pela África, pela sua libertação. Dizia Xavier:”Eu encontro-te.Escrever? Para quê? As palavras não põem meu corpo no teu. Eu chego e pronto.” (p.110) Desta história de amor dispares nasce Natália.
Na terceira parte do livro surgem as cartas que Natália escreve para Jenny são compostas de dez capítulos. A epigrafe da primeira página nós dá a dimensão do que vamos encontrar na narrativa: “Não sei fingir que amo pouco quando tudo em mim ama tudo.” ( p..148) A personagem sofria pela a falta de paz e invejava a placidez e aceitação dos fatos da Jenny. Buscava na avó postiça o que não encontrava na Camila, possuíam uma relação de cumplicidade e dividiam quase tudo. Tanto é que as cartas são todas endereçadas a Jenny. Natalia era extremamente urbana, cosmopolita, amava as cidades sofria das doenças do consumismo, imediatismo e amores descartáveis pertencia ao século vinte um.
Era arquiteta possuía problemas com aparência física( mulata e gorda),casou com o personagem Rui, mas viviam separados, pois moravam em lugares diferentes por razões profissionais. Natalia trazia à marca da família a intensidade em tudo que viviam, porém se consumia buscando a sossego, tentando recriar as pessoas no que elas tinham de melhor. Ela sonhava em aceitar as imperfeições das pessoas que viviam ao seu lado, mas não conseguia: “ Não sei “fazer de conta que vejo o que não vejo”.(p.160) É através das narrativas das cartas que vamos desvendando as histórias da personagem Jenny e a sinuosidade estranha do amor dos três personagens da primeira parte. Natalia termina as cartas relatando o mundo, africano, a terra do seu pai Xavier. Ela está em busca de respostas sobre a sua origem.
Constituí-se num livro belo, tenso e intenso com uma narrativa diluída, fluida e sem diálogos ou ações. Possui uma linguagem lírica, quase poética que nos leva a marcar o livro inteiro tentando reter as expressões de tão envolventes que são. A cada página que se lê, necessita-se da interrupção para pensar, pois nos vemos impelidas a um turbilhão de dores, sensações e sentimentos. Não é somente um livro que relata as histórias de três mulheres em tempos diferentes, é um tratado de filosofia, sociologia que nos leva aos vários questionamentos sobre o mundo e o amor. As palavras se esparramam entre nossos olhos nos desfazendo, criticando, conscientizando e, principalmente, destruindo nossas certezas pseudo- eternas.. “O abandono não é ato de vontade, mas uma conseqüência do esquecimento, meu amor”...”( p. 18) ou “ Cada ser tem o seu segredo, cada amor o seu código intransmissível.”(p.21)
Bibliografias
Pedrosa, Inês. Nas tuas mãos. São Paulo: editora Planeta, 2005.
REIS, Carlos. O Conhecimento da literatura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.