ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS TEXTOS “OVER A CUP OF COFFEE” E “A REALLY SPLENDID EVENING”

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS TEXTOS “OVER A CUP OF COFFEE” E “A REALLY SPLENDID EVENING”

Helio Rodrigues Rocha

Nas últimas décadas, podemos dizer, desde a publicação de Orientalismo (1978), livro de Edward Said, são comuns nos meios acadêmicos, discussões sobre o que passou a ser chamado Estudos Pós-Coloniais. Este é um estudo teórico que faz releituras das produções literárias sobre regiões outrora coloniais e, também, como não poderia deixar de ser, sobre a produção literária de autores que pertencem a regiões outrora colonizadas. Assim, conscientes dos danos do colonialismo na mente dos colonizados, escrevem numa perspectiva pós-colonialista, ou seja, usam a literatura como ferramenta de libertação de certos paradigmas culturais impostos pelo colonialismo a seu povo durante o processo de colonização. Escritores como Derek Walcott, Toni Morrison, J. M. Coetezee e o autor indiano R. K. Narayan que escreveu Over a Cup of Coffee e Lesley Rowlands, autora australiana que produziu A Really Splendid Evening, objetos de minha análise neste texto, produziram e produzem uma literatura de combate. Assim, primeiro resumirei as narrativas e em seguida investigarei os dois textos - objetos de minha análise comparativa – utilizando-me das idéias do Pós-Colonialismo.

Em Over a Cup of Coffee, tem-se um narrador em primeira pessoa que ao pedir um café em Nova Iorque sente-se envolto por outra cultura, contudo a utiliza como reflexão da sua própria cultura: a indiana. Nesta narrativa, o narrador posiciona-se em favor da cultura do sul da índia, local em que, segundo suas lembranças, há todo um ritual para o preparo e consumo do café, enquanto em Nova Iorque, o ato parece banal.

Em Misore, cidade indiana de onde veio o narrador, durante o café, há calma, movimentos lentos e a valorização dos bons momentos da vida, mesmos que sejam atos repetitivos, como é o do café. Por conseguinte, assusta-se ao ser interpelado pelo atendente da cafeteria: “What do you want?”, já que poderia ter ouvido “Can I help you?”. A primeira sentença do texto nos informa que o narrador já tomou consciência de que toda cultura é diferente. Assim, ele dialoga consigo mesmo e adverte ao leitor ao afirmar: “Yesterday, at the self-service cafeteria, I made the mistake of waiting for someone to ask what I wanted. Today I know better”.

Penso que essa sentença é significativa, porque abre o espaço para o diálogo comparativo entre duas culturas, a indiana e a nova-iorquina. Porém, é o ponto de vista de um colonizado sobre a sua própria cultura que se eleva no final da cena descrita. Significa, portanto, que o narrador é consciente do passado colonial em meio ao seu povo, mas orgulha-se hoje de sua cultura e a exalta, pois há um respeito salutar pelos atos que, em outra cultura são desvalorizados, mas na sua são ritualizados. Na Broadway, o protagonista se sente deslocado: “Coming from a civilization used to this pace of life, I felt unequal to the speed of a Broadway Cafeteria”. Entretanto, lembra ao leitor a importância do preparo de um bom café em certas culturas, por exemplo, na indiana. Desse modo, o protagonista estabelece uma relação não de desvalorização da cultura do outro, porém prefere a sua, isto é, o que pertence ao outro se deve respeitar, porém, nunca desvalorizar sua forma de estar no mundo, apagando-se totalmente em louvor ao “Primeiro Mundo”.

Ao sentar-se em um canto para tomar seu café, o narrador-protagonista tem a oportunidade de conversar com um senhor desconhecido que sentou ao seu lado. É o momento de orgulhar-se de sua cultura dizendo a seu ouvinte como sua mãe prepara o bom café indiano. Segundo ele:

Coffee making is a task of precision at every stage. I could not help mentioning my mother who has maintained our house-reputation for coffee undimmed for half a century. She selects the right quality of seeds almost subjecting every bean to a severe scrutiny, roasts them slowly over charcoal fire, and knows by the texture and fragrance of the golden smoke emanating from the chinks in the roaster whether the seeds within have turned the right shade and then grinds them into perfect grains…

Assim, podemos perceber que o indiano valoriza desde o preparo do café até o momento de deliciá-lo. É preciso possuir um certo conhecimento sobre a arte de preparar um delicioso café, algo que o indiano valoriza muito em meio a sua gente. E até fica imaginando a reação de sua mãe ao lhe perguntarem se ela preferia o café “branco ou preto”. Certamente ficaria enfurecida pela terminologia, porque café branco, na opinião dela, é somente para doentes, conforme nos conta o narrador.

Desse modo, a narrativa Over a Cup of Coffee mostra ao leitor colonizado, em especial, o quanto deve valorizar seus costumes, sua cultura e seu povo. A partir do texto, é possível ser visualizado um colonizado consciente de pertencer a outra cultura não menos importante do que a cultura do outro, mas na sua interdependências. Ou seja, só é possível se situar no mundo a partir do Outro. Contudo, o outrora colonizado, não deve negar-se a si mesmo e a sua cultura, como confirmam as ações do narrador-protagonista deste texto.

Em A Really Splendid Evening há um narrador em terceira pessoa, isto é, um narrador observador que nos conta a história de Rao, um indiano que vai para a Austrália fazer um curso e aproveita sua estadia lá para fazer uma visita à família Greenbergs, uma vez que conhecera o Sr. Greenberg, quando este esteve na Índia e fora convidado por ele. Quando Rao chega à casa dos Greenbergs é recebido por um dos seus filhos que fala aos berros: “He’s just as ghastly as we thought he’d be”, (ele é tão detestável quanto pensávamos). E Rao fica esperando pela família durante bastante tempo, porém Rao não se incomoda e até pede desculpas por ter chegado cedo demais: “No, no, not a t all. It´s my fault, entirely”, demonstrando aos visitados um comportamento típico de colonizados completamente. Após a longa espera de Rao e depois que todos estão prontos, vão a um restaurante e é lá que Rao se demonstra mais apto para ser capacho, já que é submetido a todo tipo de sarcasmo e agressão dissimulada, principalmente pela Srª. Mary Greenbergs e continua submetendo ao seu Outro.

A senhora Grenbergs é a mais sarcástica e arrogante entre os membros da família, e até pensa que Harry, seu esposo, não poderia ter escolhido aquele restaurante central, mas um na periferia, pois assim não seria vista por seus amigos na companhia de um indiano. Dessa forma, é irônica e sarcástica o tempo todo. Seu discurso é um discurso opressor, colonizador, porque se revela um desejo de ser superior ao Outro, ao indiano Rao.

Rao não se incomoda com tudo isso e tenta ser o mais cavalheiro possível o tempo todo. Ele até faz uma piadinha ao final da narrativa: “vocês são brancos e tomam café preto e eu sou escuro e tomo café com leite”. Seu comportamento cavalheiresco e suas ações assemelham-se, na ótica do narrador, a um mero papagaio, isto é, a um imitador desengonçado. Sua falta de domínio com os garfos na hora do jantar retrata bem a cena de um colonizado tentando imitar seu “senhor”.

O que um leitor atento pode deduzir da narrativa, também, é que propositalmente, o autor optou por um narrador protagonista a fim de melhor conduzir Rao às situações desastrosas do ponto de vista “branco”, australiano, como se por lá não houvesse passado o colonizador. O foco narrativo sendo um indiano submisso serve apenas como exemplo de um colonizado ainda imerso no colonialismo, um admirador da metrópole e um negador de sua cultura. Se este texto for lido por um sujeito ainda colonizado, concordará em tudo com o narrador. Porém, se lido por um sujeito consciente dos prejuízos causados pelo colonialismo, lhe causará certo desconforto ao ver um indiano comportando-se como um ser inferior. Assim, podemos afirmar que os dois textos tratam de assuntos semelhantes, mas cada um aborda um lado: Narayan é um sujeito consciente de todo o processo colonial enquanto Rao ainda está em processo de amadurecimento em relação às colônias da Inglaterra, por exemplo, durante o período de colonização de outras regiões do planeta.

O título da narrativa – A Really Splendid Evening – é bastante irônico porque produz um efeito contrário a um leitor também submetido ao processo colonialista, como é à família Greenbergs. Rao, como é desejo do narrador, continua como um indivíduo ainda não sujeito de si mesmo, porque se humilha perante o “branco” e nega sua tradição cultural que, aos olhos do leitor, está sendo apagada paulatinamente. Uma noite realmente espetacular para seu público australiana – a família Greenbergs. Assim, para Rao tudo que vier da Inglaterra é melhor, porque pertence ao “Primeiro Mundo”. Esse comportamento é típico dos indivíduos que vêm para Rondônia e pensam ser superiores aos indivíduos locais. Daí reproduzirem todos os preconceitos e discriminações contra os indivíduos locais, criados ao longo do processo de colonização.

Há nos dois textos uma demonstração do quanto o autor pós-colonialista tem se esforçado para criar um discurso de embate ao processo. Um discurso que abra espaço para a descolonização das mentes dos indivíduos colonizados que ainda acreditam no colonizador e veneram sua cultura. E por causa disso, negam e destroem-se a si mesmos e todo o passado de seu povo.

Labrense
Enviado por Labrense em 15/01/2009
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T1386748
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