ALBERT CAMUS - A LIBERTINAGEM DO SOL (Horacio Gonzáles)

Parte integrante da coleção Encanto Radical, o livro "Albert Camus - A Libertinagem do Sol" é um devaneio poético de Horacio Gonzáles sobre o que terá pensado e vivido o escritor e ensaísta Albert Camus durante a hora que antecedeu a sua trágica morte, num acidente em 04 de janeiro de 1960, nos arredores de Paris.

Com 47 anos, Camus tornara-se três anos antes no mais jovem ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, e tornara-se o mais proeminente escritor francês do pós-guerra.

Horacio Gonzáles faz com este livro um alentado percurso(quase lírico, não fosse trágico), sobre as obras de Albert Camus, suas influências, as áreas onde atuou(sobretudo o jornalismo e o teatro), e coteja com a interpretação do múltiplo do Homem em sua atuação no cotidiano.

A riqueza textual que o resenhista traciona é uma luz cambiante mas perfeitamente coerente com as inquietações de Camus. Gonzáles traz à tona o pressuposto da mediterraneidade, e a importância do sol "físico e metafórico" que permeia toda a obra camusiana. E mais, permite entender que nas lutas do cidadão(e foram muitas), também estavam analogicamente contextualizadas suas observações teóricas e dos seus personagens.

Com respeito a isso, percebe-se que esse "humano em demasia" apresentou falhas, lapsos e erros históricos, o que é perfeitamente natural, afinal estamos falando de alguém que experimentou a síntese do humano que excedia em si, e transfigurava tanto no criador quanto naqueles que ele criava. A estes apontamentos, veio a fustigada dos desencontros intelectuais, primeiro com Merleau-Ponty, depois com Sartre.

Mas o autor recorda com clareza que também estava de certa forma previsto, dada a exigüidade do campo de atuação daqueles que são muito sinceros. Que o diga o sr. Meursault, personagem principal de seu livro mais famoso, "O Estrangeiro", de 1942. Na obra, ele é condenado à morte não porque tenha cometido o crime, mas justamente por ser sincero demais, e responder às perguntas com uma inocência quase infantil.

Aqui cabe também um aparte: Camus nunca foi um existencialista. Chegou mesmo a afirmar "Sartre e eu sempre ficamos espantados ao ver nossos nomes associados... Sartre é existencialista, e o único livro de idéias que publiquei, 'O Mito de Sísifo', foi contra os filósofos chamados existencialistas."

Para cada avanço ou mudança de percurso de Camus, Gonzáles dá traços de vigorosa interpretação. Questiona, propõe, responde, duvida, inquire, devolve; mas permanece irredutível em seu afã de perscrutar todo o pensamento e atos do escritor. Traz à luz mais soluções, e outras perguntas sobre o absurdo do homem, em seu confronto com a sociedade e a história. Vê-se diante do desconforto gerado a partir da constatação de que o tônus social - a democracia e a moderna tecnologia, entre outras coisas - não trouxeram mais felicidade às pessoas. Só a revolta constante contra a vida absurda é que poderia contrapor o niilismo a que estamos destinados. Mas a revolta(e esse é o absurdo), não pode ser exercitada por meio de violência, mentira ou prospecção de enganos. A nova vida só virá(se vier) com uma nova atitude diante do tabuleiro do jogo existencial.

Nomeado "Promotor da República dos Inocentes", num assinte galhofeiro assinado por Sartre, Camus viu-se relegado na roda da história. Os fatos novos que foram surgindo, década por década, provaram, porém, que na maioria de suas interpretações Camus estava certo. A vida segue fluida e desconexa, e só aqueles que se revoltam contra isso a alcançam em sua plenitude.

Para quem ainda não conhece esse prosador denso e pensador astuto, este "Albert Camus - A Libertinagem do Sol", de Horacio Gonzáles, é excelente introdução.

*(Ed. Brasiliense, 122 p. , 2ª ed. 2002, ISBN 85-11-03007-7)