APRENDENDO A VIVER, de Sêneca

O estoicismo surgiu no século III a. C., com Zenão de Cítio, e sofreu uma grande influência dos ensinamentos socráticos, epicuristas e cínicos. Dos filósofos que divulgaram a doutrina estóica, os principais foram Epíteto, Marco Aurélio e Sêneca. Basicamente, pregavam que “todo o mal provém não do que te acontece, mas de tua indignação e de tuas reclamações” (pg. 97) e “nem tudo o que nos golpeia nos causa danos, mas o hábito ao prazer induz à ira; aquilo que não é como desejamos provoca a nossa cólera” (pg. 43). E a chave para a felicidade seria não dar importância às coisas que não estão sob a nossa capacidade de mudar – como a doença, a velhice, a riqueza e a morte – mas melhorarmos as que dependem de nós, como as virtudes e o conhecimento.

Sêneca escreveu, entre 63 e 65 d. C., várias epístolas (cartas) ao seu amigo Lucílio, que alguns julgam ser um destinatário fictício criado pelo filósofo apenas para expor os ensinamentos, críticas e reflexões. Foram compiladas 29 das 124 epístolas escritas a Lucílio, no livro Aprendendo a Viver (L&PM Pocket, 2008) e giram em torno dos temas tempo, desejo, pobreza, luto e morte.

Viver é ser soldado

A vida deve ser como uma pedra preciosa, medida não pela sua duração, mas pelo seu peso, pela sua atividade real e não por seu tempo. Sob este ponto de vista, muitos ao invés de morrerem tarde, passam muito tempo morrendo em vida. A qualidade é mais importante que a quantidade e “um número reduzido de linhas pode formar um livro, apreciável e útil” (pg. 93). Além disso, não se deve ficar preso ao passado e ao futuro, mas viver “cada dia como se fosse uma vida inteira” (pg. 116). A atitude frente aos outros ditará se alguém será feliz ou não. Nos tratos com outros, a amplamente conhecida Regra de Ouro, vista sob uma ótica senhor-escravo, adquire hoje um novo significado patrão-empregado nas palavras “age com o teu inferior como gostarias que o teu superior agisse contigo” (pg. 40). Sêneca compara o escravo ao cidadão e o lar a um pequeno Estado.

Há os que reclamam de todos os lugares que conhecem, como se nenhum fosse bom o suficiente, mas Sêneca, citando Sócrates, satiriza: “Por que te admiras de que em nada as viagens te beneficiem quando te levas contigo? Vai atrás de ti a mesma causa que te faz fugir [você]” (pg. 29). Melhorar a si mesmo é melhorar o ambiente que o cerca. E vice-versa. “Teu mal jamais te abandonará se continuares freqüentando os ambientes nocivos, e a amizade com os adúlteros aumentará o fogo da licenciosidade que há em ti” (pg. 128).

Quem mais tem mais quer ter

Viver com qualidade e felicidade nem sempre significa ser rico, pois “o pobre ri com mais freqüência e de forma mais espontânea” (pg. 78) e “mais poderosa que a fortuna é a nossa alma [...] ela é a responsável pela nossa felicidade ou miséria” (pg. 99) e “aquele que possui o suficiente obteve o que o rico jamais poderá atingir, ou seja, o fim de seus desejos” (pg. 134). Encarar os bens como estando conosco, não como nossos, pois eles (os bens) são tão passageiros e mortais como nós, que ao morrer “até o que trouxeste para a vida ao nascer aqui deverá ser deixado” (pg. 120). Só a sabedoria e as virtudes são imortais.

A morte me segue, a vida foge

O tempo e a morte são como um soldado inimigo que nos persegue desde o nascimento, e que, inevitavelmente, nos alcançará um dia. A solução? “Cada dia deve ser organizado como se fosse o último e concluísse a nossa vida” (pg. 22) e “pensa na qualidade da vida e não na sua duração” (pg. 64). Ao contrário da crença moderna de prolongar a vida a qualquer custo, mesmo que seja uma vida desprezível e sofrível, o filósofo recomenda que “o sábio viverá o quanto for necessário e não o quanto puder” (pg. 64), por isso, o suicídio é aceito e recomendado como uma forma nobre de deixar a vida, uma liberdade pessoal, assim como escolher um transporte ou uma residência. É o caso dos escravos que preferiram suicidarem-se a viver cativos. Sêneca ensina que a morte é o nascimento para a eternidade e compara a vida a uma lanterna acesa, que depois de apagada voltará a ser como era antes de ser acesa. “A morte é a não-existência. O que quer que isso seja, depois de mim, será o mesmo que foi antes” (pg. 48). Os enlutados devem estar cientes de “que todas as coisas são mortais e, enquanto mortais, têm leis incertas” e “se há um lugar que nos recebe, aquele que pensamos que morreu simplesmente nos precedeu” (pg. 58). Devemos ficar felizes porque os tivemos como amigos, e não porque os perdemos. O tempo que passaram conosco nos pertence. Não se deve provocar lágrimas de luto por ostentação ou em excesso, mas procurar receber com temperança o inevitável.

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Assim como nos livros Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca, Carta sobre a Felicidade, de Epicuro e A Arte de Viver, de Epícteto, Sêneca em Aprendendo a Viver fornece fórmulas para uma vida boa e feliz enfrentando os principais problemas comuns da humanidade: desejos, pobreza, doença, velhice e morte. Ele incentiva viver com moralidade um dia de cada vez, ser equilibrado, voluntário, evitar as más companhias e buscar a sabedoria. Talvez se hoje cada um aplicasse apenas um de seus conselhos, descobririam o caminho para aprender a viver.

(publicado originalmente em 24/12/2008 em www.jefferson.blog.br)