CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes. 6ª.ed.São Paulo: Ática,2001.p.82.

Embasada pelas lentes de Louis Hjelmslev e Lucien Tesnière, Flávia de Barros Carone faz um olhar ao objeto língua portuguesa com planos bastante teóricos e complementares. Citando Hjelmslev, adverte que: “para estudar um conjunto de objetos, é conveniente escolher um traço comum a todos, procurar captar todas as informações que ele possa fornecer, e interpretar os outros a partir deste ponto”.

Partindo deste pressuposto que Carone desenvolve o trabalho registrado nos cinco capítulos do livro de oitenta e duas páginas de reflexão sobre a língua portuguesa.

Em seu primeiro capítulo Flávia reproduz um interessante diálogo travado entre Humpty-Dumpty e Alice, personagens do livro Através do espelho e o que Alice encontrou lá, de Lewis Carroll:

– Por que o senhor está sentado aí tão sozinho? – indagou Alice, sem querer iniciar uma discussão.

– Ora essa, porque não tem ninguém aqui comigo! – gritou Humpty-Dumpty. – Pensou que eu não saberia responder essa, hein? Pergunte outra.

Tal passagem revela a situação limite entre coordenação e subordinação em que as orações explicativas e causais apresentam. Essas orações dependem diretamente do contexto que as contém e constituem uma seqüência lógica (não apenas gramatical).

A resposta de Humpty-Dumpty tornou-se redundante porque não esclareceu a dúvida de Alice, que era saber a causa, a razão, o motivo de ele "estar sentado aí tão sozinho", o qual se limitou a definir o que é "estar sozinho". Essa confusão gerada "é tão-somente de ordem sintática", visto que ele respondeu à indagação da menina com uma oração coordenada explicativa, em vez de utilizar uma subordinada adverbial causal.

Já no segundo capítulo “Um pouco de teoria”, a autora trás alguns conceitos e relações sobre função e functivo, catálise e homogeneidade. No que diz respeitos à função e functivos ela concebe como função uma dependência definida pela análise do objeto em questão e functivos aos dois elementos que contraem entre si uma função. A partir disto, apresenta os tipos de função com três possibilidades: solidariedade (predicação), seleção (subordinação) e combinação (coordenação), também chamadas de funções hjelmslevianas.

Porém acaba questionando este pilar da abordagem do período composto por coordenação ao pôr em dúvida a independência de suas orações. Estabelecendo características que chama provisórias para a coordenação, destaca dentre outras, a equivalência de função sintática entre os elementos coordenados e o fato de pertencerem a um mesmo paradigma.

Nos que se refere à catálise, percebe a necessidade de “catalisar” o “functivo” que falta na análise no registro de funções, chama atenção para que não se confunda a catálise com a introdução de subentendidos ou elementos elípticos, implicando o risco de interpolações arbitrárias. Afirma ainda que opera-se catálise, quando o correm uma grandeza e uma pressuposição – functivo- função.

Quando se refere, ainda em seu segundo capítulo sobre homogeneidade afirma que é preciso que seja lembrado o que a análise visa a descrever num objeto definido e da hierarquia que este processo analítico constitui, onde o fator homogeneidade caracteriza a relação de dependência entre a totalidade e os derivados.

O seu terceiro capítulo sobre subordinação e coordenação Carone refere-se à Nomenclatura Gramatical Brasileira, onde as palavras coordenação e subordinação aparecem somente a partir do item relativo ao período composto, podendo induzir à conclusão de que estes mecanismos sintáticos não operam em nível inferior ao período composto, não ocorrendo dentro da oração. Afirma ainda que boa parte das gramáticas e demais livros teóricos de língua portuguesa que abordam o estudo do período composto estabelece a diferença entre os processos de coordenação e subordinação no nível sintático. Sendo assim, classificam as orações subordinadas como orações sintaticamente dependentes e orações coordenadas como orações sintaticamente independentes.

Ainda neste capítulo a autora tece algumas reflexões sobre os mecanismos da estruturação sintática, pondo-os em confronto na tentativa de ver em que eles diferem e em que podem apresentar, eventualmente, alguma semelhança.

Com base nas classificações de Tesnière, reconhece o português como uma língua predominantemente centrífuga, onde os numerosos complementos e adjuntos do verbo e do nome normalmente à direita destes. Fazendo uma rápida revisão da estrutura do sintagma e da colocação usual de seus componentes, não esquece o traço fundamental que o caracteriza: o binarismo, questionando sua existência apenas na subordinação.

Numa explicação simples, mas não muito clara sobre o problema da coordenação, lembra que Martinet explicita em termos mais aproximadamente gramaticais, a idéia de “desdobramento” exposta por Tesnière quando falam da identidade funcional dos termos coordenados. Afirma ainda que esta identidade é um ponto pacífico, não havendo discordâncias a respeito, o que não é o mesmo quando se faz tal asserção sobre o procedimento sintático da coordenação, onde não é ela que está sendo observada, mas “a outra”: a subordinação.

Questionando que categorias podem coordenar-se, lembra que imbricado no preceito da identidade funcional está o pressuposto da identidade categórica dos termos coordenados, e que se o elemento acrescentado pode substituir-se ao preexistente, então ambos pertencem ao mesmo paradigma.

Considerando um traço definidor da natureza da coordenação a formação de seqüências abertas, ressalta a idéia de Tesniére na diferenciação entre junção e translação, considerando a primeira um fenômeno quantitativo, e a segunda, um fenômeno qualitativo. Ressalvando que tal generalização costuma deter-se nas conjunções aditivas e alternativas.

No questionamento no que diz a respeito de tratar-se de termos ou de orações, Carone usa alguns exemplos de Matthews, alternando-os em alguns pontos quando necessário para adequá-los ao português, mas reproduzindo ao mesmo tipo de problema que ele analisa. Repassa assim, alguns problemas por ele na língua inglesa, indagando se eles persistem em português, propondo outros casos que possam suscitar perplexidades e, eventualmente sugestões de solução.

Ao partir da coordenação de termos a autora procura fazer o trajeto de volta ao ponto de partida, percorrendo os diversos níveis de contradição, até chegar às orações que teriam dado origem a forma contraída final, observando se a evolução da coordenação de orações à coordenação de termos é sinteticamente possível sem que se altere o sentido inicial da frase. Assim, a autora distribui então os problemas em grupos de acordo com o traço que neles predomina, como: dualidade, reciprocidade, ambigüidade, alteração de sentido e retificação.

De acordo com Bilac, Carone afirma que outros malabarismos podem ser executados pela coordenação, mas que por vezes é difícil encontrar-lhes solução.

No seu quarto capítulo denominado “Articulação de orações: problema gramatical ou lógico?”, inicia afirmando que para quem deseja compreender como se relacionam as orações é mais prudente se fizer o percurso da subordinação para a coordenação, visto que a subordinação é, dos sois procedimentos, o mais coerente, constituindo-se também em etapa necessária para a compreensão do outro, além do que, “parece-nos ser essa a ordem natural das coisas”.

Desta forma a autora explora a subordinação de orações explicando os mecanismos que permitem a articulação de orações como as conjunções subordinativas, orações adjetivas e adverbiais, organização de pares de functivos formados por um termo e uma oração inteira.

Ao se referir à coordenação de orações Carone difere gramaticalmente o que faz a coordenação e a subordinação de orações lembrando-se do “sintagma coordenativo de Matthews”. Ela discorre sobre as conjunções coordenativas e a quem elas pertencem, bem como a independência da oração coordenada.

Assim, afirma que as relações estabelecidas entre orações podem apresentar características de realização que as distinguem do usual, e que isto tem levado alguns gramáticos verem nisso outros tantos procedimentos sintáticos: correlação e justaposição.

Fazendo algumas conclusões de seu trabalho, Flávia de Barros Carone no quinto capítulo, faz uma retomada de aspectos importantes trabalhados na obra como a compreensão da diferença fundamental entre coordenação e subordinação considerando a oração como um todo, functivos, fatos podendo expilcarem-se por si mesmos e correspondências entre coordenação e subordinação.

E para concluir, é importante afirmar a valia desta obra para todos os professores e acadêmicos da área da Língua Portuguesa que buscam uma compreensão maior do sistema lingüístico e dos diferentes arranjos sintáticos para a expressão de relações semânticas, lógicas e argumentativas. Como a autora mesma diz, “as combinações são tantas, que os poetas podem queixar-se apenas da dificuldade para encontrar a expressão perfeita – jamais, porém, de que faltem ao sistema de sua língua recursos para socorrê-los.”

NAna Oliveira
Enviado por NAna Oliveira em 19/12/2008
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