A Poesia do Encontro

                
Fugi, até o último momento,  da montanha de livros e periódicos instalada na entrada da escola. Entrava no elevador olhando para o teto. “É sempre assim”, pensava. Eventos de educação e livrarias são gêmeos nas intenções: nós, os professores/as precisamos nos atualizar, pensar, refletir e os livros, meus objetos de desejo, acabam sendo motivo de dor de cabeça se não tivermos o cuidado de lembrar o que o "dinheiro de plástico" significa.
            Eu, que ia juntar dois eventos e acabara de voltar de um terceiro, escondia o cartão de crédito de mim mesma. E consegui resistir bravamente ao assédio até que...
            No cafezinho da despedida, entre abraços troca de e-mails e últimas fotos, meus olhos leram um título: A Poesia do Encontro. Aproximei-me, li a contracapa deste e de mais outro na mesma linha, paguei e bati em retirada. Não podia ficar nem mais um minuto ali.
               Horas depois, instalada num vôo Salvador / Rio de Janeiro, saquei o livro da bolsa, abri ansiosa e mergulhei no encanto da prosa deliciosa dos dois poetas, Rubem Alves e Elisa Lucinda – não por acaso educadores - Ele, por ofício e sabedoria que tem encantado gerações e ela, por talento e extrema habilidade no que faz.
               Publicado pela Papirus,o livro foi idéia de Gilberto Dimenstein, jornalista, colunista da Folha de São Paulo e autor do Cidadão de Papel, obra de leitura obrigatória para professores, entre outros. Bendita e maravilhosa idéia! Aliás, deve ter surgido quando do ótimo FOMOS MAUS ALUNOS, conversa deliciosa dos dois que virou livro. Elisa e Rubem, mesmo sem se conhecerem, concordaram em falar de estratégias sobre o trabalho com poesia nas escolas.
            Atriz, cantora e poetisa, Elisa fala com muita paixão do processo de criação poética e de suas estratégias como professora de poesia falada (não declamada) em sua  Casa Lucinda de Poesia. Já faz um tempinho, mas desde que li DA UTILIDADE DA POESIA, se bem me lembro, tema de uma de suas palestras, confirmei o tanto de fantástica que ela é como ser humano e como educadora-poetisa.
            Psicanalista, professor, filósofo, teólogo (ex-pastor) e um escritor fértil com dezenas de publicações, Rubem Alves é uma personalidade encantadora. Sou suspeita para falar porque já declarei  em um dos meus textos, que seus escritos em minha vida são ponte e fonte ( Rubem Alves, o mestre, o poeta*).Os dois dispensam maiores apresentações.
             Mas o livro “A Poesia do Encontro” é, verdadeiramente, um encontro comovente. Imagine duas pessoas que nunca se viram e passam a desfrutar de uma intimidade, de um carinho explícito mediados pela força e encanto da poesia... Rubem pergunta, Elisa responde e vice-versa. Estabelece-se um clima descontraído, leve e muito envolvente. Aliás, boa parte do que Elisa aborda no livro, está no já citado “Da utilidade da Poesia” e muito do que Rubem ratifica na conversa, está posto ao longo de sua extensa obra com autor e articulista. Lembrei de muitos dos artigos da Folhaonline/sinapse, que tanto utilizo junto aos meus grupos de formação.
             Minha emoção durante a leitura foi total. Vez ou outra flagrava olhares furtivos, curiosos em minha direção porque as lágrimas foram inevitáveis. Reconheci-me naquele encontro, pois algumas das minhas relações mais caras são e estão mediadas pela poesia da vida, pelo encontro de almas que se reconhecem, constroem trajetórias de vida e afirmam afetos sólidos e verdadeiros.
          Dizer mais o quê? Que os capítulos se estruturam em títulos (A arte em forma de ouro, Tire o vinco da Poesia, Emergência poética, Poesia: uma experiência de libertação- são alguns) e o clima é de pura magia. Os dois falam e vivem a poesia do encontro e leitoras como eu choram (no mundo ainda há lugar pra gente besta assim?), emocionadas. Dizer que há o DVD "Poesia à vista” que acompanha o livro e que a experiência de vê-lo aproximadamente um mês após ter lido o livro foi emocionante também. Poder “ver” o que eu havia imaginado foi incrível! E dessa vez não havia parceiro de poltrona curioso com meu choro. Fiquei muito à vontade!
             Finalmente, quando o avião pousou no Tom Jobim, eu havia devorado as 157 páginas, inclusive com glossário. Dureza é que era madrugada e não dava para usar óculos escuros. Posto aqui um dos poemas de Elisa Lucinda que mais me emocionam, pois descreve exatinho a minha relação e o meu encontro com a poesia.


Credo

Elisa Lucinda in "A Fúria da Beleza"

De tal modo é,
que eu jamais negá-lo poderia:
sou agarrada na saia da poesia!
Para dar um passeio que seja,
uma viagem de carro avião ou trem,
à montanha, à praia, ao campo,
uma ida a um consultório
com qualquer possibilidade, ínfima que seja, de espera,
passo logo a mão nela pra sair.
É um Quintana, uma Adélia, uma Cecília, um Pessoa
ou qualquer outro a quem eu ame me unir.
Porque sou humano e creio no divino da palavra,
pra mim é um oráculo a poesia!
É meu tarô, meu baralho, meu tricot,
meu i ching, meu dicionário, meu cristal clarividente, meus búzios,
meu copo d'água, meu conselho, meu colo de avô,
a explicação ambulante para tudo o que pulsa e arde.
A poesia é síntese filosófica, fonte de sabedoria, e bíblia dos que,
como eu, crêem na eternidade do verbo,
na ressurreição da tarde
e na vida bela.
Amém!



Meu texto sobre Rubem Alves:

http://www.recantodasletras.com.br/homenagens/925078