"O pé de feijão: duas posturas diferentes diante da vida"
"O pé de feijão: duas posturas diferentes diante da vida"
ADRIANO DA SILVA RIBEIRO
Graduado em Letras e suas Literaturas - PUC Betim
Já pelo título, a obra "Magali e o pé de feijão" nos remete a uma outra narrativa: "João e o pé de feijão", aproveitando vários de seus elementos.
Inicialmente, observa-se que a mudança ocorrida é para atender ao pedido feito por uma criança, a personagem Dudu, que pretende ouvir o conto antes de dormir, sugerindo, então, que Magali fizesse o papel de um adulto, ou melhor, a mãe da criança.
Se observarmos, por outro lado, a alteração que ocorre do texto original, é exposta pela personagem, no início da história, a frase "Era uma vez no mundo da magia, na terra da fantasia...", indicando a mudança na ideologia do conto tradicional.
Na apresentação inicial da história, o aspecto que consta na narrativa é o de que: "- uma família pobre e miserável... e não tinha dinheiro para nada!", enfocando a situação sócio-econômica baixa. Parece que o objetivo é alertar para as dificuldades financeiras de diversas famílias brasileiras, constituídas de Pai, Mãe e um filho. Na ilustração da página número quatro da revista em quadrinhos, vemos a família com os bolsos das roupas para fora, indicando que estão vazios. Veja texto correspondente: "Sim! A coisa tava tão feia, mas tão feia, que eles quase já não tinham o que comer em casa..."
Essa informação não consta no conto tradicional, consta somente que a mãe e o filho vendiam o leite da vaca para comprar o pão.
Em outro momento da narrativa ocorre o relato por parte da personagem Magali, que caracteriza o contexto vivido pela família: região pobre, seca, sem condições de plantio.
A solução do problema é definida numa página dupla em que aparece a vaquinha, que poderia servir como sustento da família. A atitude da personagem Magali apontava para solucionar a probreza, que foi narrada por ela através da sua fala: "eu tive uma grande idéia e...". Sua idéia era levar a vaca para a cidade.
"Vaca! Vaca! Volta aqui! Eu tive uma grande idéia e..."
"Eu sei! Por que você acha que estou fugindo"
Nesse trecho, aparece a primeira alusão à história de "João e o pé de feijão", pois surge a vaca que, na verdade, irá levá-la à cidade e não vendê-la no mercado. A partir daí, sua idéia foi transformada em solução para a dificuldade existente, mas com outros objetivos, quais sejam: primeiro, não cair no papo de vendedor; segundo, outro plano para vaca. Assim, o primeiro objetivo demonstra que, mesmo sendo criança, a personagem tem conhecimento daquilo que acontece com os adultos. O segundo, sugere que a personagem é criativa o bastante e tem intenções melhores.
Observa-se aí a esperteza da personagem Magali, conforme trecho: o feirante diz: "Ei, menina! Quer trocar essa mísera vaca por três belos grãos de feijão?" E Magali responde: "Mas é claro que não! Tá achando que eu sou boba, é?".
Fruto da esperteza, Magali altera a narrativa tradicional. Observa-se que os artifícios usados pela personagem para ganhar dinheiro foram criativos, uma vez que ela utilizou a música para chamar a atenção das outras pessoas e, ainda, a publicidade. A idéia rendeu-lhe dinheiro, só que ela demonstrou a maior de suas intenções que era comprar muita comida com aquele valor. Essa atitude é natural em qualquer criança, mas distoa do conto tradicional.
Vê-se a intervenção de Dudu, personagem que estava ouvindo a história, no sentido de alertá-la de que o dinheiro é para comprar o feijão. Assim, na tentativa de agradar Dudu, Magali "deu um jeito" e comprou feijão fiado:
"Me venda três grãos de feijão fiado para eu poder continuar minha história e..."
Para ela a história havia acabado quando ela conseguiu comprar com dinheiro aquela comida.
Constata-se que a narrativa foi modifica, pois no conto tradicional João trocou a vaca por feijões, mas Magali pediu fiado os feijões somente para agradar Dudu, uma vez que fora construída em função dele, tendo ele cobrado a versão tradicional.
A narrativa prossegue com Magali plantando os feijões e o pé crescendo até o céu e fazendo, uma vez mais, alusão à história de João. A ilustração correspondente a esse trecho apresenta Magali assistindo, com grande felicidade, o pé de feijão crescendo até às nuvens, que se contrapõe à tradicional onde João dormia e o pé crescia e seu objetivo era, curiosamente, saber o que tinha lá em cima.
Observa-se que Magali, mais uma vez, acrescenta nova informação, agora falando "que as nuvens são de algodão-doce", ficando clara a intenção, novamente, de comer. Aparece na ilustração da página onze a dúvida de Dudu, no sentido de realmente haver "vendedor de algodão-doce lá em cima". O exagero fez confusão na cabeça de Dudu.
O descontentamento de Dudu é expressamente demonstrado a seguir, após fala de Magali:"...as nuvens não são de algodão doce?" Dudu responde: "Larga mão de ser boba! É claro que não!". Nesse momento, ocorre na narrativa um revolta por parte do personagem, pois Magali alterou a história que "todo mundo conta", ou seja, ele queria ouvir a tradicional, mas ela, observa-se, tem a intenção de banalizar o conto.
Em outro trecho da história em quadrinhos, após explicitação dos pormenores do conto tradicional (gigante, castelo) feita por Dudu, Magali adapta seu texto, rapidamente, conforme foi pedido. A ilustração da página doze mostra Magali maravilhada com o castelo nas nuvens. Mas como era noite, sua intenção primeira é a tal "galinha", que aqui não bota ovos de ouro e, sim, serve para ser comida.
"Tomara que o gigante me convide para jantar! Tomara!
Er...oi! E aí, beleza?" disse Magali.
Ai! Que legal! Que legal! Finalmente um visita!!!
Oba! Eu adoro receber visitas! Sou tão sozinho!", disse o gigante.
Na ilustração, o gigante está feliz com a presença de Magali e tem boas maneiras. Nota-se, além da omissão de trechos significativos, o acréscimo de outros, principalmente em relação ao Gigante, agora bonzinho, solitário e seguidor das receitas da mamãe. Temos, aí, a inversão dos papéis, principalmente o perfil psicológico do Gigante, agora artista escultor, com sentimento de amizade, chora.
Percebe-se agora uma nova apresentação do Gigante, em tudo contrária a do conto tradicional (gosta de comer menininhos, tinha bolsa de dinheiro e harpa dourada). Magali viveu momentos alegres, divertidos e de muita aprendizagem com o Gigante, pois ele era amigo de são pedro, não pagava aluguel e era escultor, fazia aviãozinho.
Na ilustração da página quinze, Dudu aparece assustado com tantas informações diferentes e uma grande confusão norteava sua cabeça, considerando uma "história absurda de laquê" e gritando para ela parar de contar.
Magali dialoga com o Gigante a respeito da história, deixando claro a característica fundamental do conto de fadas, que é a de que "qualquer marmelada serve". Tal afirmativa faz uma crítica severa aos contos tradicionais, uma vez que esses expressam o maravilhoso, o mágico e os clássicos não seguem sua estrutura.
O clímax da história acontece quando o Gigante sente a falta de sua amiga Magali, chorando, pois ela foi embora:
"Eu vou ficar sozinho aqui, de novo!!"
Assim, a solução do problema da seca foi descoberto, pois a nuvem em que vivia o Gigante desabava em forma de água.
Nota-se que Magali agiu heroicamente ao visitar o Gigante. E esse teve atitude egoísta ao ver sua amiga ir embora. A partir desse momento, o Gigante se torna amigo da família, pois ele provocou a chuva para as pessoas na terra.
No final da narrativa, foi expressa a moral do texto, quando do encontro dos familiares:
"É! Finalmente, saímos da pindaíba!
E quem diria, tudo graças a um pé de feijão!"
Fica, assim, explícito que o pé de feijão foi o responsável pela felicidade da família.
A palavra FIM apresentada no final da fala de Magali é um despiste: em seguida ela se empolga e inicia outra história, agora de "uma linda menina que tinha a difícil missão de levar doces para a vovozinha". Sugere uma lembrança de outro conto também tradicional.
Ao final da leitura, observam-se outros detalhes, ou melhor oposição, entre essa narrativa e a tradicional. Em "João e o pé de feijão", o menino não tinha pai, sua mãe era viúva. Castigado com a troca da vaca com feijões, perceberá que não deve acreditar em história estúpida. O Gigante tinha uma mulher, sua esposa, que cozinhava para ele e, inclusive, queria comer meninos, tendo morrido ao cair no mar.
Em "Magali e o pé de feijão", a menina tem uma família composta por Pai e Mãe. Possuía um senso criativo. Diante do problema da fome, ela levou a vaca para vender leite na cidade, sem a mediação do adulto. Esperta, não trocou a vaca por feijão e sim comprou fiado. Tinha desejo muito grande de comer, agindo, inclusive, com certo individualismo na maior parte da história, pois conseguia dinheiro e comprava comida só para ela. O Gigante era solitário, ficando feliz ao ver Magali compartilhar momentos agradáveis com ele. Por outro lado, agia de forma egoísta ao ver a personagem deixá-lo. Seguia as receitas da mãe e, inclusive, ao fim da história, juntando-se à família pobre.
São, como se vê, duas posturas diferentes diante da vida, tendo os fatos e os sentimentos dos personagens influenciado na alteração da moral da história.
A atual versão tendenciona para levar o leitor (criança) a descobrir a solução para os problemas, através do que a história tem a ensinar.
REFERÊNCIAS
CALVI, Gian. João e o pé de feijão. 4 ed. São Paulo: Autores & Agentes & Associados.
CUNHA, Maria Antonieta A. Literatura infantil: teoria e prática. São Paulo: ÁTica, 1991.
SOUSA, Maurício. Magali e o pé de feijão. São Paulo: 2000.
PERES, Ana Maria Clark. Repensando os contos de fadas. In: Ensaios de semiótica. Cadernos de Lingüística e teoria da literatura. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1978/88.