FÁBULAS, de Esopo
Esopo: milênios de idade e ainda original, educativo e maravilhoso
Tudo que se sabe sobre Esopo (620-560 a.C.) poderia ser considerado mais como lenda que história propriamente dita. A maior parte do que se conta sobre a sua vida é baseada em relatos de outros escritores antigos. Das versões sobre a vida de Esopo, uma delas conta que ele era um escravo grego liberto pelo último dono, Xanto, porque este ficou encantado com as fábulas que contava. Apesar de corcunda e gago, Esopo teria um grande dom para contar histórias. Talvez tenha adquirido tal dom depois de viajar pelo Egito, Babilônia e Oriente. Assim como Sócrates, não escreveu livro algum, mas as suas fábulas passaram a fazer parte da cultura oral grega. Em 325 a.C. foram reunidas por escrito por Demétrio de Falera, para a famosa Biblioteca de Alexandria.
Fábulas são pequenas histórias que geralmente trazem animais, deuses ou homens em alguns conflitos em que podem se mostrar sábios ou tolos, bons ou maus e que trazem um ensinamento moralista ao final. Pode-se dizer que a famosa “moral da história” tem em Esopo um dos seus usos mais antigos.
As fábulas de Esopo foram citadas por Heródoto, Aristófanes, Platão, Apolônio de Tiana, Liev Tostói entre outros. Alguns escritores até mesmo adquiriram fama por pesquisar e reescrever as suas histórias, como Fedro e La Fontaine. Algumas fábulas se tornaram mundialmente conhecidas e fazem parte da educação infantil em vários países há vários anos. Algumas que, no Brasil, são conhecidas e reinterpretadas geração após geração, são:
A TARTARUGA E A LEBRE
Uma tartaruga e uma lebre discutiam para saber quem era a mais veloz. Por isso, combinaram uma data para uma corrida e um local aonde deveriam chegar. No dia certo, partiram. A lebre, que contava com sua rapidez natural, não se preocupou com a corrida. Caiu à beira de uma estrada e adormeceu. Já a tartaruga, que se sabia quão lenta era, não perdeu tempo e, deixando a lebre dorminhoca para trás, venceu a aposta.
O talentoso com preguiça perde para quem enfrenta a liça.
A FORMIGA E O ESCARAVELHO
Era verão. Uma formiga percorria o campo fazendo sua provisão de trigo e cevada para o inverno. Um escaravelho admirou-se por vê-la tão agitada; enquanto ela estava assim atarefada, os outros animais se divertiam. A formiga não disse nada. Mais tarde, porém, quando veio o inverno e a chuva destruiu os estercos, o escaravelho foi até ela e pediu um pouco do que ela tinha guardado. A formiga respondeu-lhe:
- Amigo escaravelho, se tivesses trabalhado no tempo em que meus esforços não suscitavam senão teus sarcasmos, agora terias alimento.
Quem foi irresponsável em tempo de abundância chorará em tempo de penúria.
A CIGARRA E A FORMIGA
Era inverno e as formigas botaram para secar os grãos que a chuva molhara. Uma cigarra faminta lhes pediu o que comer. Mas as formigas lhe disseram:
- Por que tu também não armazenaste tua provisão durante o verão?
- Não tive tempo – respondeu a cigarra –, no verão eu cantava.
As formigas completaram:
- Então agora dance.
E caíram na risada.
O CAVALO, O BOI, O CÃO E O HOMEM
Quando o homem saiu das mãos de Zeus, estava destinado a uma vida breve. Usando sua inteligência, quando veio o inverno, ele construiu uma casa e a habitou. Nesse ínterim, o frio foi tão intenso, e Zeus fez chover tão forte, que o cavalo, sem forças, foi procurar abrigo na casa do homem. Este disse que só o receberia se ele lhe desse uma parte dos anos que tinha para viver. O cavalo os cedeu com prazer. Pouco depois apareceu um boi, acossado também pelo mau tempo. O homem lhe disse a mesma coisa: só o receberia se em troca ele lhe cedesse alguns anos de sua vida. Concluído o negócio, o boi entrou. Finalmente chegou o cão, morrendo de frio. Teve de ceder ao homem alguns anos de sua vida. Por isso que os homens vivem puros e bons durante o tempo que Zeus lhes deu. Quando chegam aos anos cedidos pelo cavalo, eles fanfarronam, cheios de altivez; quando chegam os anos do boi, ficam autoritários. Enfim, quando terminam a vida com os anos do cão, rosnam raivosamente por um sim ou por um não.
Isto é para ti, velho rabugento.
O PASTOR BRINCALHÃO
Um pastor que levou suas ovelhas para pastar em uma aldeia distante gostava de fazer a seguinte brincadeira: gritava “os lobos estão atacando!” E clamava pelo socorro dos habitantes locais. Duas, três vezes, os moradores ficaram com medo e fugiram da cidade, para depois voltarem rindo. Mas os lobos terminaram atacando de verdade. Como estavam devorando os carneiros, o pastor gritou por socorro. Os moradores pensaram que fosse mais uma brincadeira e não lhe deram nenhuma atenção. Foi assim que o pastor perdeu seu rebanho.
Ninguém acredita no mentiroso mesmo quando diz a verdade.
AS ÁRVORES E A OLIVEIRA
Um dia, as árvores acharam-se no dever de escolher uma rainha e elegeram a oliveira:
- Sê nossa rainha.
Mas a oliveira respondeu:
- Vou ter de renunciar ao azeite que homens e deuses celebram em mim para ir chefiar as árvores?
As árvores foram então à figueira, mas esta respondeu:
- Vou ter que renunciar à minha doçura, ao meu fruto suculento, para ir chefiar as árvores?
As árvores foram então ao pé de carrapicho e ele respondeu:
- Se vocês me sagraram rei, ponham-se sob a minha tutela. Se não for assim, que de mim saia uma espécie de fogo capaz de devorar os cedros do Líbano.
O GAROTO LADRÃO E SUA MÃE
Um dia, na escola, um menino roubou a lousa de um colega e a levou para a mãe. Esta, em vez de ralhar com o filho, lhe deu os parabéns, de modo que da próxima vez ele trouxe uma peça de roupa; por esse novo roubo ele recebeu cumprimentos ainda maiores. Ao longo dos anos, já rapaz, passou a roubar mais e mais. Um dia, porém, foi pego em flagrante: amarraram-lhe as mãos e o conduziram ao carrasco. Ao ver que a mãe o acompanhava, ele disse que queria confiar-lhe um segredo. Quando ela se aproximou, ele agarrou-lhe a orelha e a rasgou com os dentes.
Ímpio – disse-lhe ela –, já não bastaram os malfeitos que cometeste e ainda ultrajas tua mãe!
O filho respondeu:
- Se a senhora tivesse me dado uma surra no dia em que lhe levei a lousa roubada, eu não teria chegado ao ponto a que cheguei: não estaria a caminho da morte.
O ASNO E A CARGA DE SAL
Um asno carregado de sal atravessava um rio. Um passo em falso e ei-lo dentro da água. O sal então derreteu e o asno se levantou mais leve. Ficou todo feliz. Um pouco depois, estando carregado de esponja às margens do mesmo rio, pensou que se caísse de novo ficaria mais leve e caiu de propósito nas águas. O que aconteceu? As esponjas ficaram encharcadas e, impossibilitado de se erguer, o asno morreu afogado.
Algumas pessoas são vítimas de suas próprias artimanhas.
O CAMPONÊS E OS FILHOS
Um camponês tinha chegado ao fim de sua vida. Como queria que os filhos soubessem o que era cuidar da terra, chamou-os e lhes disse:
- Meus filhos, chegou a minha hora. Quanto a vocês, nada lhes faltará se procurarem o que escondi nas minhas vinhas.
Os filhos pensaram que ele estivesse falando de algum tesouro. Uma vez o pai morto, eles cavaram todo terreno, mas em vão. Nada de tesouro, mas a vinha bem lavrada deu-lhes uva em abundância.
O tesouro é o trabalho.
Outras fábulas serviram de inspiração para histórias infantis criadas posteriormente, como o cisne que bota ovos de outro em “João e o pé de feijão”, ou o asno disfarçado com uma pele de leão em “A última batalha”, ou do rato que tira um espinho da pata do leão e granjeia a sua proteção, só para citar algumas. Ao todo, o livro Fábulas de Esopo (L&PM, 2007) traz 352 fábulas atribuídas a Esopo, traduzidas por Antonio Carlos Vianna. Um livro que vale a pena ler para recordar das histórias que você ouvia quando criança, para saciar sua curiosidade sobre o surgimento de algumas fábulas contemporâneas ou até para retirar os seus filhos um pouco da frente da tevê, videogueime e pc. E cada fábula traz uma lição de moral que fala diretamente à alma, provocando a reflexão profunda no leitor, que somos obrigados a concordar com a afirmação de La Fontaine: “Acho que deveríamos colocar Esopo entre os grandes sábios de que a Grécia se orgulha, ele que ensinava a verdadeira sabedoria, e que a ensinava com muito mais arte que os que usam regras e definições.”