ESCRITURA E NOMADISMO - ENTREVISTAS E ENSAIOS (Paul Zumthor)

O livro "Escritura e Nomadismo", de (e com) Paul Zumthor, apresenta em suas páginas finais um posfácio de Jerusa Pires Ferreira, também ela uma das tradutoras dessa obra para o português, juntamente com Sônia Queiroz. Este posfácio, curto, sintético e completo, poderia tanto ficar onde ficou, como ser a orelha, a apresentação, ou o prefácio de uma obra peculiar para a compreensão do mundo e do pensar (ambos muito dinâmicos), de Paul Zumthor.

Pois se essas duas páginas e meia conseguem nos persuadir a adentrar o mundo de Zumthor com viva vontade, acabam também por lançarmo-nos pela luz de um pensamento amplo, plural, recurvo e profundamente humano, tudo isso amalgamado nesse pesquisador, poeta e ficcionista reconhecido não só pela sua grandeza humana, como pela sua riquíssima obra poética, seus afortunados estudos sobre o período medieval e a arte contemporânea, suas disputadas aulas em países díspares como Holanda e Canadá, ou mesmo suas pesquisas sobre a poética da voz e da performance midiática.

"Escritura e Nomadismo" é composto de algumas entrevistas feitas com Paul Zumthor em momentos diversos de sua vida, ensaios diversos, o Posfácio já comentado, e uma saborosa bibliografia, para quem se interessar pelos escritos do autor e quiser conhecer melhor seus trabalhos. As entrevistas fazem um apanhado de sua vida, onde ele faz um deslumbrante passeio pela memória. Afetuoso, chega a predizer que “a morte é uma amiga que virá”, um belo devaneio da maturidade. Ainda assim, finca os pés na realidade quando, na mesma enquete, rememora os amigos que está perdendo ao longo do tempo e poetiza de maneira muito solar que essas perdas todas... “tal é a medida do tempo”.

Assim, de pergunta em pergunta, vai exemplificando os motes de suas pesquisas: a poesia oral, a voz, o paradigma da oralidade (“a audição é o tônus do meio”), a vocalidade (“o ´corpo´ da voz traz camadas infinitas de percepções, formas, prazeres e conhecimentos”), além de apurados estudos do que seria uma performance, uma realização poética plena; dados esses observados após exaustivas audições de cantores, grupos, intérpretes e poetas, em idiomas, gêneros e tempos diferentes.

O 1º ensaio do livro é 'A Poesia e o Corpo', um estudo detalhado da idéia de performance, aqui pormenorizado a partir de analogias, transubstanciações, diagramações, paralelismos, transmutações e bifurcações entre linguagem e poesia. O próximo, 'Uma Poesia no Espaço', versa sobre poesia oral. Daí deriva para uma pesquisa sucinta sobre poesia sonora. Paul Zumthor investiga tudo, Beckett, Joyce, Dante, Proust, o dadaísmo, o futurismno russo e italiano; avança para praticantes mais contemporâneos, como os grupos Inter, do Canadá; o Medio Space, da Austrália; e o Áudio Art, da Nova Zelândia. Levando em conta que “as tradições ocidentais consideram a poesia como a arte da linguagem”, o autor fecha o ensaio vinculando a poesia sonora à poesia visual, informação cara ao leitor brasileiro, já que nessas terras a prática de uma poesia de aspecto visual sempre suscitou muitos criadores e seguidores, e escolas reconhecidas mundialmente. Para ilustrar, fiquemos com algumas das mais lembradas, como o Concretismo, a Poesia-Práxis e o Poema-Processo.

Em 'Oralidades do Quebéc', o 3º ensaio, Paul Zumthor faz uma incursão erudita (e talvez por isso um pouco enfadonha para alguns), sobre a formação dessa sociedade francófona em território canadense. Retira dos dados históricos uma teorização caudalosa a respeito da relação dos quebequenses com a voz, e, a despeito da sufocação consumista americanizante e achincalhamento europeu (fancês, principalmente), pela imposição da escrita como forma de expressão, os quebequenses hoje exemplificam o que poderíamos definir como “expressão corporal dinamizadas pela voz”. 'Propósito de Imigrante', o último ensaio, é uma resposta a uma enquete lançada a Zumthor, onde ele faz uma profunda digressão a respeito do “ser estrangeiro”, condição vivida por ele desde sempre, que, nascido na Suíça, sempre viveu fora de seu país natal. Reportando-se, contudo, principalmente à sua condição de imigrante em solo canadense, fala de integração, assimilação e recepção com desenvoltura. Fecha seu ciclo de idéias, porém, fazendo uma pergunta (a si mesmo e a outros) quase no infinitivo: “quando se apagará a consciência de estar em outra parte?” Sinal de que sua consciência de nômade era pragmática e visceral.

E a ela rendemos gratidão pela possibilidade de alargar nossos horizontes, apenas porque tivemos chance de experimentar (e aprender de) Paul Zumthor de alguma maneira, em algum momento da vida.

Tradução: Jerusa Pires Ferreira e Sônia Queiroz,

Ateliê Editorial, 1ª ed. 2005, ISBN 85-480-192-5

Edição Original 1990, Canadá