D. QUIXOTE DE LA MANCHA (Miguel de Cervantes)
Levei bem 3 meses para dar cabo da leitura das mais de 600 pg. do livro “O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes.
Considerado por muitos como o mais importante romance ocidental de todos os tempos, essa novela de cavalaria conta a história do fidalgo que, seduzido pela leitura dos mais diversos livros de... cavalaria(!) andante, é tomado pela idéia de ser tornar ele também um cavaleiro. Nutrido por sua loucura ascendente, nosso (anti)herói romanesco sai a pelejar pela Espanha afora, determinado a ser o protetor dos desfortunados. Proclamando-se “O Cavaleiro da Triste Figura”, recruta um escudeiro para fazer-lhe companhia, o desbocado Sancho Pança. Como todos os cavaleiros anteriormente retratados tinham um donzela a quem devotavam graças, Dom Quixote elege com musa uma lavradora de quem estava enamorado, a jovem Aldonça Lourenço, a quem ele toma por Dulcinéia Del Toboso, senhora dos seus pensamentos. Com esse intuito, parte em viagem para desempenhar seu papel em favor de pobres desguarnecidos, prisioneiros agrilhoados, donzelas desprotegidas, reinos em perigo.
A figura austera e risível, rígida sobre seu cavalo Rocinante, combatendo em pequenas vendas como se fossem castelos, moinhos de vento confundidos com gigantes, soltando presos por engano, lutando contra feras enjauladas, e outros feitos maiores e mais atípicos, ganharam logo notoriedade em todo o reino, permitindo-lhe a amizade, companhia e portas abertas de nobres e camponeses, todos curiosos em vê-lo contando e praticando os atos mais esdrúxulos e inconsequentes, divertindo-se com sua rica parolagem, sua cortesia esmerada e as confusões em que se metia. O glutão Sancho Pança participava vivamente das confusões armadas por seu amo, pois tinha o vício de proferir aforismos abundantes(e desconcertantes), às vezes certeiros, outras tantas vezes não; para toda situação que vivenciavam.
Paralelamente a esses desconcertos, D. Quixote discorria com profundo conhecimento dissertações sobre o exercício da Política, as complexas erudições do Amor, a efemeridade salutar das Armas, a eternidade calada das Letras, deixando a todos confusos com sua figura singular, em diversas situações um louco tergiverso, e em outras um artesão perfeito de palavras e pensamentos.
Um recurso usado no livro com muita propriedade e ineditismo é o delocamento do discurso do narrador(em 3a. pessoa), onisciente, mas que cede o lugar para um segundo 'contador' da história, como no trecho que segue:
"Conta o sábio Cide Hamete Benengeli...",
à pg. 84, Cap. XV, 1a. parte. Ou então,
"Bendito seja o poderoso Alá! diz Hamete Benengeli no princípio deste 8o. cap.; bendito seja Alá! repete três vezes, e diz que dá estas bênçãos por ver já em campanha Dom Quixote e Sancho, e os leitores desta agradável história podem contar deste ponto em diante... e assim prossegue dizendo:",
à pg. 341, Cap. VIII, 2a. parte; o que torna o exercício metalinguístico profundamente sutil em suas sobreposições, com camadas dispostas de forma a sempre facilitar o entendimento linear do enredo.
Lendo D. Quixote, surpreendi-me pensado em esquadrões da morte, capangas, coiteiros, leões-de-chácara, matadores de aluguel, capatazes, legionários, missionários, ditadores, justiceiros, aduladores, trogloditas, alcoviteiros e conselheiros; essa gentalha enfim que, sempre “imbuída das melhores intenções”, resolve praticar em nome de seu pensamento unilateral(palavra em moda, nos dias de hoje), a justiça que julga sã; a equidade, a separação do joio do trigo, a reparação do dano,a fortuna, a paz, a esperança, a bonança. Pois a história do “Cavaleiro da Triste Figura” nos diz que ele estava sempre pronto a lutar pelos fracos, atocaiados e oprimidos. E por causa dessa “vista embaçada”, embriagada pelo excesso de sonho de justiça a qualquer preço, acabou por soltar ladrões, lutar contra amigos, acreditar em magia quando a situação era de realidade impávida, e sonhar com uma donzela irreal. Nessa empreitada móvel apenas pelo seu destempero racional, ele confrontou todos os pilares estabelecidos – família, igreja, polícia e estado – sem nunca saber se o seu combate era a favor de um próximo(individual ou coletivamente), ou agindo contra. E disso precisamos fugir, sempre!
Tradução Viscondes de Castilho e Azevedo
Notas José María Castro Calvo, traduzidas por Fernando Nuno Rodrigues
Capa Cecilk Rowlands Filho
1a. Edição – 1a. Parte 1605
1a. Edição – 2a. Parte 1615
610 pg.
Abril Cultural
“El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha”