Submundo do sexo no Iluminismo: A moderna prostituição e o conceito de gênero em Fanny Hill

ROSSEAU, G. S, POTER, Roy (organizadores). Submundo do sexo no Iluminismo: A moderna prostituição e o conceito de gênero em Fanny Hill: Fantasia libertina e doméstica. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. (p. 94-110)

(p. 94) “O livro de Cleland é uma das mais claras demonstrações da nova associação entre erotismo e casamento. O erotismo romântico de Cleland, ao contrário do da maioria dos seus companheiros romancistas, não estava ligado a uma moralidade cristã tradicional. (...) mostrando a distinção entre o mundo da prostituição na fantasia do romance e nos fatos das fontes legais”.

(p. 95) “Em Fanny Hill, Cleland faz da prostituição um assunto bastante privado. (...)”

(p. 97) “Cleland, pela primeira vez no seu romance, olha para um prostíbulo comum inglês e o chama de “esse pequeno harém””.

“Só uma vez Fanny foge desse mundo particular (...)”.

(p. 98) “(...) a fantasia de Cleland se excita com o sexo seguro, confortável e acompanhado de amor. (...) Cleland é possivelmente uma demonstração de que, no século XVIII, erotismo e casamento se conjugam, com as mulheres tornando-se amantes de seus maridos. Fanny, por sua vez, é primeiro amante e só depois esposa, de forma que a fantasia de Cleland não pode ser tão nitidamente doméstica.

“Mas a vida de Fanny também não parece muito com a vida da maioria das mais de 3.000 prostitutas que Saunders Welch estimava ativas na Londres de meados do século. (...)Cleland no seu relato (...) fez uma descrição da vida dessas mulheres na cidade tão severa quanto as fontes legais.”

““ O século “descobriu a rapariga com um coração de ouro” e decidiu salva-la. Mas é muito mais uma questão de ver que esse novo papel surgiu de uma reorganização dos papéis de gênero masculino e feminino”.

(p. 99) “O novo papel das mulheres pode ser descrito dizendo-se que elas começavam a deixar de ser consideradas prostitutas em potencial (...) e que algumas poucas moças solteiras, devido às peculiaridades do ambiente em que viviam, iam para as ruas trabalhar como prostitutas”.

(p. 100) “As prostitutas de Londres também coexistiam com os sodomitas da cidade, que produziam as mais notória das novas subculturas (...). A sociedade para a reforma dos bons costumes gabavam-se em 1710 e que, por seu “intermédio, nossas ruas têm estado bem mais livres dos noctívagos obscenos e dos detestáveis sodomitas”.

“A maioria dos homens do século XVIII, portanto, construía a sua masculinidade evitando o papel do sodomita, perseguindo intensamente as mulheres e, é claro, as prostitutas”.

“Cleland, entretanto, põe uma cena entre dois sodomitas no centro da segunda metade de sua história da prostituta (...) É a cena que a crítica moderna diz ter causado o processo contra o livro no século XVIII e que é considerada a estruturalmente central da obra”.

(p. 101) ”é possível compreender a necessidade de sua cena sodomínica e o fato de ele mesmo a ter condenado, pois se sabe que a prostituta e o sodomita eram papéis de gênero novos e interrelacionados. (...) Era um modelo que ainda não se aplicava às mulheres. (...) Cleland estava ansioso por saber que as relações entre mulheres não seriam tão criminosas como as que se davam entre homens. (...) ele se indagou se o comportamento homossexual entre as mulheres seria resultado de “algum engano da natureza, de algum distúrbio ou de alguma perversão da imaginação”. (...) ele sabia que a sociedade ainda não tinha inventado um papel lésbico, (...) o seu objetivo era informar que o comportamento existia”.

“(...) Cleland não tinha a atenção de fazer o mundo cristão aceitar o sexo. Ele louvava a sexualidade afetuosa e doméstica, mas ela deveria ser gozada em um paraíso terrestre: (...) a intenção de Cleland era propor uma ética sexual baseada na bondade do corpo e na liberdade de escolha, em vez de nos tradicionais fundamentos cristãos do propósito criativo e numa hierarquia de atos proibidos”.

(p. 102) “A principal queixa contra a prostituta em todo o século XVIII era que ela não fazia o seu comércio na privacidade. Cleland se esforçava muito pra livrar Fanny dessa acusação. (...) O mundo ficcional de Cleland, entretanto, tem conexão com o mundo real, além dos pressupostos ideológicos que já foram discutidos. (...) Uma comparação dos detalhes dos romances com os das fontes legais ajudará a estabelecer a extensão da fantasia de Cleland”.

(p. 106) “O mundo de Fanny é muito real, no qual, porém, a dor ficou de fora. (...) É um mundo em que a criada seduzida (...) não engravidam. É também um mundo onde não se contraem doenças venéreas (...)”.

(p. 107) “Mas o mundo de Fanny é muito diferente do mundo da prostituição do século XVIII, em cinco aspectos: não tem bebedeiras, não está associado a crimes, é dirigido totalmente por mulheres, tudo acontece em ambientes seguros, dentro de casa, e é um vício das camadas médias ou superiores da sociedade”.

(p. 108) “A prostituição era um negócio entre pessoas da mesma classe; os cavalheiros não eram aqui em maior número do que os sedutores de criadas”.

“(...) A única coisa certa é que a maioria das moças abandonava a vida de prostituição depois dos 25 anos de idade; essa era aproximadamente a idade tradicional para se casar”.

(p. 110) “(...) Algumas claramente voltaram para o mundo familiar e de trabalho, mas é difícil dizer se as prostitutas realmente se alternavam entre esses dois mundos, como se sugeriu que fizessem no século XIX. (...) A esposa tradicional sempre foi suspeita porque podia trair o marido e esconder a sua condição de prostituta no casamento. É menos provável que a prostituta jovem e solteira pudesse alegar respeitabilidade protegida pelos laços do matrimônio. (...) A fantasia de Cleland é, nesse sentido remoto, feminista, mesmo que o seu efeito seja o de reforçar os limites do poder masculino.

KAIKUXI
Enviado por KAIKUXI em 26/07/2008
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