Preparem os agogôs
PREPAREM OS AGOGÔS DE GIZELDA MORAIS.
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Gizelda Morais em seu livro intitulado Preparem os agogôs, escrito em 1996 pela editora Edições Bagaço, retrata, de maneira objetiva, uma história sergipana caracterizada por fatos históricos que determinam as relações humanas num contexto familiar e institucional, com temática baseada no tráfico de escravos africanos e da miscigenação predominante em Sergipe.
Ambientado nos séculos XIX e XX, a narrativa dá ênfase aos aspectos políticos, econômicos, religiosos e trágicos que marcaram, de forma rudimentar, as vidas dos personagens, que se entrelaçam no decorrer da história, para construírem uma epopéia mesclada entre realidade e ficção. O foco narrativo é na primeira pessoa passando a diferentes vozes que ganham destaque através de cartas e escritos produzidas por diferentes personagens, que também fazem parte da narrativa. O narrador-protagonista, Tomás, deixa-se levar pela história atemporal para descobrir suas raízes e inquietações. A síntese é, portanto, a busca incansável de um homem que procura por sua verdadeira identidade através de relatos e personagens, que aparecem no decorrer da busca, tecendo como uma colcha de retalhos, toda a sua genealogia.
Destacam-se aqui personagens de grande valor para compreensão da história, tais como: Adélia, Elvira, Lazita, Theodora, Agogô e Marcela, entre outros, que contribuem direta ou indiretamente para o desfecho inesperado do romance. Outro fato de interesse e importância na obra é em relação aos diferentes lugares citados na narrativa. A começar pelos países como Brasil, Nigéria e Bolívia, depois as cidades, Aracaju, Capela, Estância, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. A estrutura do romance destaca-se pelos títulos atribuídos a cada capítulo. Ao todo, são quinze capítulos, distribuídos da seguinte forma: os capítulos que possuem nomes de instrumentos musicais são na verdade, atribuídos a vozes fúnebres que se misturam aos instrumentos e todos eles são referentes à atualidade, ao instante já. São as viagens do narrador-protagonista, assim como sua vida particular num tempo presente. Vejamos: Cap. 1 – guizos, Cap. 3 – cuícas, Cap. 5 – atabaques, Cap. 6 – tambores, Cap. 8 – pífaros, Cap. 9 – sinos, Cap. 11 – guitarras, Cap. 12- bateria, Cap. 13 – pandeiro e Cap. 14 – trio elétrico. Os outros capítulos estão relacionados à memória e a relatos através de cartas e anotações. São eles: Cap. 2 – denominado as falas de Elvira, Cap. 4 – primeiro caderno de Elvira, Cap. 7 - segundo caderno de Elvira. O capítulo 10 é denominado Caixa de Pandora e o 15 de cheguei, são referentes a fatos atuais e a finalização do romance.
A narrativa inicia-se quando o protagonista, Tomás, toma consciência de suas raízes ao lembrar-se de sua tia avó paterna Adélia. A partir daí, sai em busca de parentes distantes e de documentos para tentar reconstruir parte de sua ancestralidade. Seu primeiro contato é com sua tia Elvira, irmã de Adélia, através de uma carta. Elvira expõe para ele os seus cadernos, que são relatos históricos relacionados à família e a sua origem. Após sua morte, Tomás mantém contato com Lazita, filha de Elvira. Outra personagem de grande importância é Agogô. Escrava africana que vem para Sergipe ainda menina, onde passa a viver, é violentada, tem dois filhos, Roque e Jorge, e passa a vida à espera de ser alforriada, sendo humilhada devido a sua condição. O fator tempo é determinante para Agogô, já que não possui mais nenhuma expectativa em relação a sua liberdade.
Frei Lázaro, personagem fundamental para o desfecho, é primo de Tomás. É ele quem o entrega os manuscritos denominados de Caixa de Pandora. Estes manuscritos são divididos em três partes: A primeira parte, denominada de Sons de Roque, relata a história do filho de Agogô. A segunda, denominada de Lamentos de Solano e Nazinha, é a versão escrita de Elvira sobre a tragédia de amor e morte da qual resultou Lázaro. E a terceira é denominada de Cartas roubadas, são cartas escritas por Marcela e outras por nomes estranhos, como P.F. Estas cartas estão subdivididas em: a) cartas de Marcela para o irmão, b) cartas de P.F para o Barão e c) vozes de Lazita, que são blocos de anotações. A tragicidade acompanha a vida dos personagens durante toda a trajetória da narrativa. Perdas de ente queridos, desilusão com a vida, a morte, injustiças e sofrimentos, marcam suas vidas como cicatrizes, que o tempo não apaga, contextualizado num Brasil escravocrata e explorador dos direitos humanos.
No último capitulo, intitulado de Cheguei, também é a última tentativa de busca de Tomás. Esse episódio ocorre em uma capela, cujas chaves passaram pelas mãos de Luzia, Theodora e Adélia, agora estão nas de Tomás, onde recebe a revelação sobre a existência de duas mulheres com o mesmo nome: Maria Pia, uma mãe, outra filha, sendo uma delas a mãe de Lázaro, em um retrato em cima de uma pedra funerária. O desfecho então é consolidado com o retorno de Tomás ao Rio de Janeiro, marcado por sua dor intima pela perda de sua esposa Marli e a do seu filho Alvino. Perdas que jamais serão esquecidas.