O Apanhador no campo de centeio – J. D. Salinger, Editora do Autor, 16ª edição, Rio de Janeiro. Tradução de Álvaro Alencar, Antônio Rocha e Jório Dauster.

        Creio ser impossível apresentar este livro ao futuro leitor sem tirar-lhe as características que a edição quis manter. Explico melhor. O livro é uma incógnita. Não há uma crítica sequer na contracapa. Nenhuma apresentação na orelha e um índice no final, como é comum nos livros antigos, de capítulos numerados. Iniciei a leitura às cegas. Não fui ao Google sondar. Embrenhei-me no campo de centeio caminhando numa penumbra de associações.
        É a história de Holden Caulfield. Um adolescente de 14, 15 anos. Não guardei a informação exata, mas é irrelevante. Holden relata um acontecimento transcorrido nos dias que antecederam o Natal, no findar de um determinado semestre escolar. Seu jeito de falar pode, num primeiro momento, nos fazer pensar em um adolescente rebelde apenas. Se insistirmos, e eu insisti numa leitura esperançosa – devo confessar que não me deixei intimidar pela patologia do personagem – descobriremos um garoto inteligente, culto e educado.
        O que acontece com Holden Caulfield? Se você ler este livro nunca mais esquecerá este nome.
        Na penumbra de associações que citei acompanhou-me algumas perguntas. A primeira já introduzida pelo título: quem é o apanhador no campo de centeio, o personagem, o leitor, ambos? A segunda apresentada pelo personagem: para onde vão os patos que vivem no laguinho que fica pro lado sul do Central Park quando fica tudo congelado? Aparentemente ingênuas estas perguntas funcionaram como um fio condutor a minha leitura.
        Quando falo em patologia não estou antecipando nenhuma informação que o leitor demoraria a obter, pois logo na primeira página o personagem revela que está num local se recuperando de um esgotamento nervoso.
        Holden não consegue ”se ligar” aos seus aspectos bons e, conseqüentemente, não consegue “se ligar” aos aspectos bons dos outros. Eu disse “se ligar” porque ele consegue reconhecer sim, como é o caso do motorista de táxi que fica irritadíssimo diante da pergunta sobre os patos – era um sujeito do tipo impaciente pra burro, mas não era má pessoa. Sem dúvida existe uma boa pessoa em Caulfield, apesar da impaciência e intolerância. E como neste caso, Holden estabelece diálogos interessantes com outros personagens sem ficar ligado a nenhum deles, sem se deixar ajudar por professores bem intencionados, só alimentando lembranças de amigas importantes, de uma irmã querida e de um irmão morto. Só no final do livro é que entendemos porque Holden defende-se tanto e que seu medo maior é se iludir que o outro é bom. Holden não pode confiar, embora essa razão não seja explicação suficiente para o seu funcionamento mental.   
        Um diálogo com a querida irmã caçula, Phoebe, oferece uma pista para a primeira pergunta. Ela lhe pergunta sobre “uma coisa” que ele quer ser. Depois de algumas associações, Caulfield fala de uma cantiga, na verdade um poema, a irmã corrige, de Robert Burns, que diz “se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio”. A irmã o corrige novamente dizendo que o verso é “se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio”. É um ato falho revelador. O rapaz explica à irmã que ficava imaginando uma porção de garotinhos brincando num enorme campo de centeio e ninguém, só ele, “de gente grande”, por perto. E Holden ficava na beira de um “precipício maluco” tendo que agarrar os menininhos ameaçados de cair.
        A imagem de cair de algum lugar aparece outras vezes. Numa delas um colega de escola, após ser abusado por outros colegas, comete suicídio se atirando pela janela. Seu corpo é “apanhado” por um professor que Caulfield confia, o professor Antolini.
       Este professor também usa a imagem de queda para definir para Caulfield o quê está acontecendo com ele: “... um tipo especial de queda, um tipo horrível. O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir ou sentir o baque do seu corpo no fundo”.
        Em um outro trecho, quando está andando pela Quinta Avenida ao atravessar as ruas experimenta uma sensação de cair e sumir sem que ninguém perceba. Agarra-se à figura do irmão morto que, representando uma parte boa e protetora, encontra-se muito vivo dentro dele. 
        Existem aspectos internos representados por crianças indefesas que estão despencando de um precipício maluco e há um Caulfield que quer (se) ajudar - O Apanhador no campo de centeio. A angústia que acompanha o leitor do começo ao fim refere-se à dúvida se ele poderá se legar a alguém que o ajude, se apanhar e ser apanhado.
        A pergunta que não quer calar dentro de Holden é uma tentativa de encontrar esperança para si próprio. O garoto quer saber para onde vão ou o quê acontece com os patos quando o lago congela. A vida pode ser preservada apesar do congelamento (temporário) das emoções e do mundo interno? Para onde vai a vida quando tudo parece perdido? 
       O Apanhador é o tipo de livro difícil de encerrar. Caulfield diz: É engraçado. A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo. Pois eu vou sentir muita saudade de Holden Caulfield. Fora de brincadeira.