O Mago – Fernando Morais

Todos temos fatos sombrios na vida, daqueles que só se revela sob tortura. Paulo Coelho não precisou de estímulo para abrir seu baú de sombras ( 170 cadernos grossos e mais de 100 fitas ) a Fernando Morais. E a coisa lá dentro era preta... palavra de quem terminou de ler O Mago há poucas horas.

O mineiro Fernando Morais, autor de Olga e Chatô, parece ter tomado gosto por biografias. Para contar a história de Coelho, levou a sério a verve investigativa. Além dos conteúdos do baú, foram quase quatro anos de pesquisas, mais de 450 horas de entrevistas com o biografado, seus afetos e desafetos. Fuçou bibliotecas e hospitais. Morais e Coelho, mesma idade, ficaram amigos. Mui amigos: o biógrafo conseguiu que o escritor se comprometesse a só ler o livro depois de editado. Assim, esta não é uma biografia oficial, mas consentida.

O resultado é um texto bem escrito, em linguagem jornalística, que prende a atenção do leitor, lançado simultaneamente no Brasil e Espanha, onde Coelho vive hoje. O mago tira o manto e revela-se complexo: tantas facetas tornam o livro pesado. Varei duas madrugadas lendo. Em outras partes interrompi a leitura, com náuseas. Terminei o livro emocionalmente exausta.

Justiça seja feita: a vida de Coelho, uma avalanche de tragédias e êxitos, tem ingredientes muito mais interessantes que sua obra literária. Estão lá pais rigorosíssimos que internaram-no em manicômio na adolescência; vida sexual mal resolvida; fase maluco-beleza; prisão durante a ditadura; busca espiritual e perseguição neurótica de dinheiro, glória e poder. Fernando Morais não busca razões literárias para a consagração do mago: o enfoque é a obstinação em se fazer um escritor mundialmente famoso, sonho que Paulo Coelho diz ter desde os dez anos de idade.

O homem que afirmou saber ventar tem conceitos morais e éticos bastante flexíveis. Depois de ler suas histórias escabrosas, como o plágio a um texto de Carlos Cony; falsificação de assinatura do pai; atropelamento de um garoto seguido de fuga sem prestar socorro; invenção de fatos e depoimentos para uma reportagem de O Globo; contratação de ghost writer para escrever um livro, sem dar crédito ao autor; tentativa de indução da namorada ao suicídio; fica difícil acreditar nas faculdades paranormais que Coelho alega ter.

Das experiências espirituais nem Fernando Morais, marxista, duvida. Foram três fases: conversão ao cristianismo na infância; pacto satânico, no início da idade adulta ( tanto invoca, que o diabo lhe aparece sob forma de demônio na Urca e sob forma do DOI-Codi, nos porões da tortura). Finalmente em 1982, após uma visão, Paulo Coelho voltou ao cristianismo. Depois desse evento - surto psicótico? epifania? -, ele abandonou as drogas, o satanismo e ficou famoso. Segundo o livro, Coelho hoje vive como um franciscano diante da fortuna que tem, e freqüenta a missa toda semana.

Os choques são seqüenciais. Por trás da solidão profunda, crises de angústia e pensamentos suicidas, há um homem controverso, amoral, dado a práticas sexuais pouco ortodoxas. Paradoxalmente, Paulo Coelho também se mostra generoso, afetivo e simples – um sobrevivente da loucura, das drogas, e da crítica literária no Brasil.

No fim, chega-se à conclusão que o que aconteceu com ele, acontece à maioria de nós: a luta para transformar o sonho em realidade. O Mago tem todos os ingredientes para “bombar” nos mercados editorial e cinematográfico Não é leitura imperdível, nem recomendada para adolescentes e adultos instáveis. Devem lê-lo os curiosos das dimensões da natureza humana.

A revista Veja disse que a biografia é (mais) uma excelente mostra da inteligência publicitária de Paulo Coelho. Sei não: eu não gostaria de ver minha vida pessoal escancarada e julgada por pessoas que não conheço... Mas eu não tenho um baú com 40 anos de diários... E nem sou Paulo Coelho.

Livro: O Mago

Autor: Fernando Morais

Editora: Planeta

2008, 632 páginas

Preço: R$ 46,20

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 10/06/2008
Reeditado em 27/06/2008
Código do texto: T1028394
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