Tudo bem não alcançar a cama no primeiro salto. E outras lições de vida que aprendi com os cães.
John O’Hurley. 

Ediouro, 2007. Tradução: Carlos David Szlak.
 
            Pois é, eu li este livro. Li Marley e eu também. Aliás, gostei mais de Marley. Quando vi a capa do Tudo bem não só fiquei encantada com o filhote de labrador amarelo deitado e olhando diretamente para a câmera, mas o título propriamente dito foi ao encontro de uma experiência minha, criadora que sou. Minhas cadelinhas também não se intimidam quando não atingem a cama ou a poltrona no primeiro salto. Elas também não desistem. A Carol, mais velha e mais gorda e não mais tão lépida como a Shine – sua filha e amiga inseparável, muitas vezes choraminga, mas prefere tentar outras vezes antes de aceitar ser ajudada.
            Bem, estou dizendo tudo isso para justificar que não percebi de imediato no título que era um livro de auto-ajuda e eu, por princípio, não leio livros de auto-ajuda.
Eu estou certa que podemos aprender muito com os animais e principalmente com os cães e a convivência com eles é realmente uma delícia. Mas o tom do livro, por vezes melado demais, é aquele de quem faz um pacote de regrinhas para levar para a vida como a tê-las na manga, preparado para tudo pré-conceitualmente.
Lendo adiante pensei que havia me enganado. Há momentos legais sim, mas muito fugazes. Há também reflexões complexas sobre o tempo. Como nós, humanos, o vivenciamos e como os cães o fazem. Para dar profundidade às elucubrações o autor cita um poema de T. S. Eliot, Quatro quartetos. Ele acredita que sua cadela Betty, uma mestiça de dachshund com labrador retriever preto, Fica tranqüila, e espera sem esperança. Pois a esperança seria esperar pelo equívoco como diz Eliot. A minha experiência com a Shine é bem diferente. Ela tem uma confiança tão grande em mim, ela ‘sabe’ que cumpro as minhas promessas de passeios e biscoitos e absolutamente não prometo o quê não pretendo cumprir. Creio que o quê explicaria esta diferença é que a Shine nunca leu T. S. Eliot.
Dentre os momentos gostosos, tem o do latido de Scoshi, um maltês macho alfa, num quarto de hotel onde eram proibidos animais de estimação; um programa de televisão em que ele, o autor do livro, fez com Nana, a Cadela mais Feia do Mundo e, o momento inesquecível é, sem dúvida, e ainda bem que li o livro até o fim, o penúltimo capítulo em que narra o seu encontro com Clayton, um labrador preto com 10 anos de idade e que trabalha num hospital levando alegria e carinho para pacientes adultos e crianças.
O capítulo citado trata de uma visita em que O’Hurley acompanhou Clayton à unidade de oncologia infantil. Não preciso de mais nada para dizer que é um capítulo cheio de emoção. Nenhuma surpresa para quem sabe o quê um cão proporciona, o quê não exclui de maneira alguma a emoção.
Eu disse que foi bom eu ter lido o livro até o fim porque por alguns instantes pensei em não fazê-lo. Têm páginas e páginas onde o autor fica alisando o próprio ego. Li o livro em duas tardes muito frias com a Carol e a Shine dormindo, cada qual de um lado meu, filando as extremidades de uma manta atravessada em meu colo. Há um momento em que o autor diz que estava escrevendo o livro com Betty cochilando em seus pés. Naquele exato momento eu tinha uma delas se comprimindo contra o meu corpo para fugir do frio. E é assim que estamos agora. A Shine em meu colo, numa interrupção de seu cochilo canino e Carol se ajeitando do meu outro lado. Eu acho que é por isso que li este livro.