Cartas da mãe do Henfil

Tive o primeiro ( e único) confronto com meu pai aos 14 anos. Insatisfeita com a escola onde estudava desde os 4, eu queria fazer o 2o grau em um colégio universitário. Ele desaprovava a idéia não por elitismo, mas por zelo: eram os anos de chumbo, muito mais plúmbeos num campus. Felizmente, a ditadura não atingiu a sua mente e ele cedeu. Não arrependi da resistência: na nova escola, desenvolvi o senso crítico político, a percepção para as artes e amizades definitivas. Por causa daquela discussão, escrevo esta resenha.

O filme é “Cartas da Mãe”, premiada crônica do país dos últimos 30 anos. Entre o fim dos anos 70 e início dos 80, o jornalista Henfil escreveu crônicas em jornais e revistas, usando o tom intimista de um filho que fala à mãe. O título era invariavelmente “Cartas à mãe”. Ferrenho defensor da democracia, ali criticava, protestava, cobrava posições. No filme, a voz em off lê alguns desses textos com críticas inteligentes sobre política, fé, medo. Ao mesmo tempo, imagens atuais do país fazem ponte entre o passado recente e a contemporaneidade.

Gênio do traço, Henfil também marcou história pelo uso da linguagem dos quadrinhos para crítica e comprometimento social. No documentário, personagens criados por ele, como o cruel Fradim ( inventor do top top), a ave Graúna, o “social” Zeferino e o bode Orellana são os mestres de cerimônia. Luís Fernando Veríssimo, Angeli, Laerte, Zuenir Ventura e Lula descrevem o crítico mordaz do comportamento político como amigo, solidário, meigo. Ali surgem inconfidências. Ali fica patente a esperança que o cronista nutria de um futuro iluminado para o país e para si próprio.

Para Henfil, o futuro acabou cedo, aos 43 anos, por complicações da AIDS, justamente quando a democracia, pela qual sempre lutou, era restabelecida no país. Quanto ao futuro do país, permanece duvidoso: Lula, em discurso na semana passada, reproduziu um velho jargão político do regime militar: “ Ninguém segura este país”. Em outras ocasiões, ele já havia elogiado o planejamento econômico dos governos Geisel e Médici. ( Fui eu ou Lula quem perdeu algum capítulo desta História?)

O filme é imperdível para quem gosta de crônicas, para quem gosta de refletir, para quem gosta de pensar o Brasil. Aprecie sem moderação.

Filme: Cartas da Mãe

Gênero: Documentário/ 2003

Duração: 28 minutos

Diretores: Fernando Kinas e Marina Welles

Você assiste gratuitamente no site www.portascurtas.com.br

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 12/05/2008
Reeditado em 13/05/2008
Código do texto: T986885
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