A Última Gargalhada [1924, Friedrich W. Murnau]
Era um homem orgulhoso de seu emprego. Executava cada tarefa com o prazer e a desenvoltura de um mestre em sua função. Sentia-se imponente em seu uniforme, com o qual voltava vestido para casa. Andava altivo, era admirado pelos vizinhos. Sentia-se a melhor pessoa do mundo.
Sentia vergonha de seu emprego. Voltava para casa escondido, ninguém podia vê-lo daquele jeito, aquela roupa vulgar que vestia. Não conseguiu se esconder, foi humilhado, ridicularizado. Odiava sua vida. Sentia-se a pessoa mais desprezível do mundo.
Apesar de não parecer, os dois parágrafos acima contam a história da mesma pessoa e de como ela convive com o repentino destroçar de seus sonhos e a impossível manutenção das aparências. Agonia e alivio, fartura e miséria, inferno e paraíso. São os contrapontos da vida que dão as “cores” em “A Última Gargalhada” (The Last Laugh, 1924) ou ainda “Der Letzte Mann” (“O Ultimo Homem”), mas este título original foi alterado a pedido do estúdio que o achava pouco comercial. Filme dirigido por Friedrich W. Murnau, que também dirigiu Nosferatu em 1922.
A Ultima Gargalhada é um filme mudo e em branco e preto, mas com uma carga emocional tão grande que estes detalhes apenas realçam um trabalho genial de direção, atuação e produção desta película ícone do Expressionismo Alemão.
A Escola Expressionista Alemã foi um movimento artístico de vanguarda, um fenômeno cultural que no final do século XIX e início do século XX, foi catalizado por todas as formas de arte da Alemanha. Sua estética era baseada mais na emoção do que na razão, suas características mais marcantes eram os ângulos acentuados; cores contrastantes como verde, vermelho, amarelo e negro (quando havia cores); maquiagem pesada que muitas vezes descaracterizava os traços humanos dos personagens, outras vezes os enfatizava. No cinema abusava-se dos contornos sombrios e dos contrastes marcantes entre o negro e o branco. Os autores expressavam uma visualidade subjetiva, mórbida e dramática, o concreto, o fato em si, não era representado e sim o sentimento do artista em relação a esse fato. O Expressionismo era o contra-ponto ao Impressionismo, este acadêmico, calcado na racionalidade tão na moda naquele tempo, inspirado na nova coqueluche da humanidade: o método científico.
Percebe-se que esta película promove a realidade como um artifício e a civilização como aparência. A falsa posição social adquirida pelo personagem principal através do uniforme – seja na portaria do hotel Atlantic ou no banheiro, Emil Jannings (em mais uma brilhante atuação) jamais deixa de ser proletário. E esta farsa social desmorona frente à descoberta da verdade pelos vizinhos hipócritas, talvez mais miseráveis ainda.
Algo a se notar neste filme é que, apesar de mudo, nele não se usam aqueles cartões com os diálogos escritos - e nem se nota falta deles (!). O história é inteiramente contada através das brilhantes atuações dos atores somados com a bela fotografia expressionista, que escancaram o psicológico dos personagens. Bem, para não dizer que não há cartões, eles aparecem apenas duas vezes: uma é a carta que rebaixa o porteiro de posição, a outra é para anunciar o epílogo.
Mais dois fatos curiosos para deixar essa película muito mais interessante: O final original e trágico idealizado pelo diretor e pelo roteirista, foi alterado a pedido dos Executivos do estúdio, que preferiam um final feliz, portanto não culpem os gênios expressionistas pelo final bobinho. Outro fato curioso é que este filme foi o primeiro a utilizar uma câmera portátil. Logo na primeira cena do filme o cinegrafista amarra a câmera no peito e faz a tomada andando de bicicleta pelo lobby do hotel.
Digo que “A Ultima Gargalhada” não é simplesmente uma boa história provocadora de reflexões sociais ou algumas lágrimas, é muito mais, é um grande exemplar do cinema arte, contestador e inventivo, que nos traz muito mais do que o prazer de um ótimo filme. VALE!
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