MATRIX: UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA

Siga o “Coelho Branco” e descubra as referências à teologia cristã que estão por trás da obra cinematográfica dos irmãos Wachowski

Por Deivinson Bignon

“E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se diante dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus” (Marcos 3.11).

Quando assisti ao filme Matrix pela primeira vez, não percebi de imediato todas as implicações filosóficas e religiosas ali presentes. Apenas julguei ser um filme bem feito com ótimas cenas de ação e suspense. Era, portanto, só mais um enlatado americano diante de tantos outros que já havia me acostumado a ver.

Ao estudar, porém, a disciplina "Filosofia Estética e Poética", no Curso de Letras da Universidade Estácio de Sá, deparei-me com uma abordagem filosófica das questões implícitas no filme. Essa abordagem despertou-me para as diversas referências teológicas feitas pelos irmãos Wachowski, e pude ver que a obra cinematográfica tem tudo para ser um dos filmes mais inteligentes dos que tive oportunidade de assistir até o presente momento. Não apenas pela técnica inovadora de tratamento das cenas - o que por si só já revolucionou a maneira de se fazer cinema - como especialmente pelo ótimo texto da película.

Sendo assim, passarei a comentar as referências à teologia cristã presentes no filme. Numa das cenas, a nave Nabucodonosor - nome bastante sugestivo, conforme veremos adiante - apresenta uma placa com os dizeres: "Mark III No. 11/Nebuchadnezzar/Made in USA/Year 2069". Seria esse texto da placa uma referência ao texto bíblico de Marcos 3.11 - "E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se diante dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus."? Quando acompanhamos a trajetória de Neo - principal personagem do filme - percebemos que talvez haja mesmo essa intertextualidade, pois desde o começo a personagem é apresentada como uma espécie de Messias, o Escolhido, para libertar os humanos do jugo imposto pelas máquinas.

Também é digno de nota o fato de Matrix ter sido lançado no fim de semana da páscoa de 1999, pois há numerosas referências cristãs no filme, sendo algumas bastante óbvias, e outras muito sutis.

Em Lucas 7.19, por exemplo, você poderá ler acerca da expectativa messiânica nos tempos bíblicos: "E João, chamando dois dos seus discípulos, enviou-os a Jesus, dizendo: És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?". Está bastante claro no filme que Neo é apresentado como o Escolhido, uma espécie de redentor cuja vinda havia sido profetizada pelo oráculo (uma referência mais clara ao "Oráculo de Delfos", presente, sobretudo, nos textos clássicos da filosofia grega; e também uma possível referência aos oráculos proféticos do Antigo Testamento, mui especialmente às profecias de Isaías acerca da vinda do Mashiach, o Ungido de Deus - cf. Isaías, capítulo 53).

O termo grego "neo" significa "novo", indicando a nova vida que o Escolhido traria aos humanos quando se completasse a libertação do domínio das máquinas. Trata-se, também, de uma referência ao ofício do Messias bíblico - "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (João 8.36).

Cristo também é apresentado nas Escrituras como o detentor da nova vida, oferecida à humanidade - "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (II Coríntios 5.17).

O nome de Neo, quando ainda dentro da Matrix, era Thomas Anderson. Ambos também possuem implicações cristãs. O primeiro nome lembra um discípulo de Cristo, chamado Tomé; muito conhecido por seu ceticismo quando ouviu falar da ressurreição de Cristo (João 20.24-29). Neo também é assolado constantemente por dúvidas acerca de suas escolhas e da possível condição imposta pelo oráculo, de ser o Escolhido. Já o sobrenome Anderson, um termo sueco que significa "filho de André", é derivado da raiz grega andr-, que significa "homem". Etimologicamente, portanto, Anderson significa "filho do homem", um epíteto assumido por Jesus - "E, tomando consigo os doze, disse-lhes: Eis que subimos a Jerusalém, e se cumprirá no Filho do homem tudo o que pelos profetas foi escrito" (Lucas 18.31).

Outra referência direta no filme se dá na cena em que Neo é comparado com Jesus, quando Choi, após receber o software ilegal, diz: "Aleluia. Você é o meu salvador, cara. Meu Jesus Cristo pessoal". Lembremos ainda que Jesus foi batizado no Rio Jordão por João Batista - "Então veio Jesus da Galiléia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado por ele" (Mateus 3.13) -, e Neo é "batizado" no tanque de refugo de bateria humana por Morpheus e pela tripulação de Nabucodonosor. Assim como Jesus foi tentado pelo Diabo no deserto da Judéia (Lucas 4.1-13), no filme Neo é tentado pelos agentes da Matrix para trair Morpheus. O evangelho afirma que o Filho do Homem veio "dar a sua vida em resgate de muitos" (Marcos 10.45); Neo sacrifica a própria vida para salvar Morpheus e é ressuscitado, na sala 303, por Trinity (em inglês, Trindade) - que representa a divindade triunitária que, na Bíblia, ressuscitou Jesus (Atos 2.23,24,32; 3.15; 4.10; 5.30; 10.40,41; Romanos 8.11; 10.9). Após a ressurreição, Cristo apresentou um corpo glorificado, não mais sujeito às limitações humanas (Lucas 24.31. João 20.19,26). Do mesmo modo, depois de voltar à vida com o beijo de Trinity, Neo assume também um novo corpo dentro da Matrix, com extraordinários poderes.

Além dos paralelos levantados entre Neo e Jesus Cristo, o filme ainda apresenta outros paralelos com personagens e situações bíblicas. Cypher, por exemplo, é o traidor dos rebeldes e pode ser uma referência a Judas Iscariotes, o traidor de Jesus, ou ao próprio Lúcifer - já que o nome Cypher parece ser uma forma reduzida de Lúcifer. Trinity, como já vimos, representa a Trindade e assume um papel importantíssimo no desdobramento da trama. Zion, no filme, é a última cidade humana, onde reside a última esperança dos rebeldes.

No Antigo Testamento, Sião é um nome poético para a cidade de Jerusalém, a Cidade da Paz. Numa leitura cristã, Sião representa o céu, um estado de bem-aventurança eterna, preparado para os filhos de Deus.

Morpheus, na mitologia grega, é o Deus dos sonhos. No filme, ele representa a esperança e a fé, o sonho de dias melhores. A aeronave dos rebeldes é chamada de Nabucodonosor, uma clara referência ao rei babilônico que teve um sonho no qual não se lembrava, e que buscava incessantemente o seu significado (Daniel 2.1-49). Durante todo o filme, Neo vive em busca de respostas para suas dúvidas e questionamentos.

Antes de terminar este artigo, será interessante abordar os conceitos de liberdade propagados pelo filme. Existem, basicamente, dois conceitos: o assumido por Cypher (de que a verdadeira liberdade é viver na ilusão) e o assumido pelo restante dos tripulantes de Nabucodonosor - dentre eles Neo, Morpheu e Trinity - (de que a liberdade verdadeira só pode ser vivida quando se tem a exata noção da realidade e se aprende a conviver com ela). Esta segunda visão da liberdade encontra mais respaldo bíblico, uma vez que Cristo não oferece uma liberdade utópica, mas uma realidade concreta no coração e na mente dos fiéis - "Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (II Coríntios 3.17).

Todas as referências intertextuais à teologia cristã assinaladas neste artigo não são as únicas leituras possíveis. Haverá, ainda, diversas leituras cristãs dos detalhes metaforizados no filme. Essa multiplicidade de leituras - sem mencionar os aspectos filosóficos, literários e dogmáticos de outras religiões, também presentes no filme - leva-nos a uma constatação cada vez mais patente: trata-se, sem sombra de dúvida, de um filme inteligente e conceitualmente bem acabado. Penso que, apesar de possuir um pressuposto religioso frágil - a notória opção pelo pluralismo religioso -, o filme trata de vários temas complexos de forma magistralmente bela. Fazendo valer, portanto, o ingresso.

Para saber mais:

BOCAYUVA, Isabela. Matrix: Uma Interpretação. Apostila que aborda os aspectos filosóficos do filme.

IRWIN, William (org.). Matrix: Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003.

<www.thematrix.com> - Site oficial do filme (em inglês).

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Cultura

MATRIX (“The Matrix”)

Cores – 136 min.

Warner Bros.

Sinopse

Dirigido por Larry e Andy Wachowski, com Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Laurence Fishburne e grande elenco, o filme contempla temas filosóficos e religiosos com grande maestria.

O grande assunto que o filme aborda é a questão: O que vemos em nosso dia a dia é verdadeiro? O que é real? O mundo é apresentado como uma farsa, construído por uma das mais poderosas máquinas com inteligência artificial para nos controlar.

Proezas de tirar o fôlego. Efeitos visuais alucinantes. Cenas de arrebentar. Keanu Reeves e Laurence Fishburne lutam pela liberdade da humanidade. Um suspense cibernético - com fundo filosófico - para se ver e rever muitas vezes. Escrito e dirigido pelos irmãos Wachowski (Ligados pelo Desejo), Matrix traz uma surpreendente história, com efeitos especiais arrasadores, marcando uma nova era no cinema.

Paz e bênção!

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Integrante do Comitê Estadual (RJ) de Referência e Apoio ao Ano da Bíblia no Brasil, Deivinson Gomes Bignon é mestre em Ciências da Religião com especialização em Bíblia e é formado em Letras (Português e Literaturas); exercendo as seguintes atividades: pastor auxiliar da Igreja Evangélica Congregacional de Vila Paraíso, professor, conferencista, escritor e cartunista. Autor dos livros “Voltando para a Bíblia” (2002) e “Recados do céu: a ética profética de Deus para as grandes questões da nossa época” (2007).

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