O Apocalipse ornitológico

 

O APOCALIPSE ORNITOLÓGICO

Miguel Carqueija

 

Há exatos 50 anos — ou seja, em 1963 — o genial Alfred Hitchcock — cineasta inglês radicado nos EUA a partir de 1939 — surpreendeu o mundo com “The birds” (“Os pássaros”), obra que permanece caso único no cinema, a despeito dos muitos exemplos anteriores e posteriores de “terror animal”.

A produção se baseia num conto da célebre Daphne Du Maurier, e contou com o roteiro do conhecido escritor Evan Hunter e o lendário Ub Iwerks participando dos efeitos especiais (Iwerks foi um dos principais colaboradores de Walt Disney).

A história em si combina terror com ficção cientifica, podendo também ser classificada como cinema-catástrofe. No lugarejo litorâneo de Bodega Bay (sic) mora — quando não está em São Francisco — o advogado Mitch Brenner (Rod Taylor), com a mãe Lydia (Jessica Tandy) e a irmã de onze anos, Kate (Angela Cartwright, que posteriormente atuou na série “Perdidos no espaço”, de Irwin Allen, fazendo a Penny). Tendo em vista o aspecto já maduro de Mitch, parece meio inverossímil a existência dessa irmãzinha. Mas façamos vista grossa a esse detalhe.

É fato que os verdadeiros astros de “The birds” são os personagens do título. A película é perpassada por uma atmosfera de mistério sobrenatural que vai se adensando. A Senhora Bundy, ornitologista (Ethel Griffies) sustenta que aves não possuem inteligência para organizarem ataques contra a raça humana — ou mesmo, espécies diferentes voarem juntas. No entanto, é o que ocorre. Gaivotas, corvos, pardais, todos se unem contra a espécie humana, de forma deliberada e inteligente. Primeiro vão se agrupando, depois atacam, depois se dispersam. Os personagens principais — a sirigaita Melanie Daniels (“Tippi” Hedren), a professora Annie Hayworth (Suzanne Pleshette), a esquisita viúva Lydia Brenner e seu filho, o advogado Mitch, não tentam sequer encontrar uma explicação para o fenômeno. Mas ele aí está, apavorante. A explosão da gasolina, o cerco a Melanie na cabina telefônica (com as gaivotas chegando a rachar o vidro), o raide contra a escola e a fuga das crianças pela estrada — são alguns dos exemplos do terror crescente do filme, após um começo à base de frivolidades.

De fato, o jeito com que Melanie vai atrás, como uma doidivanas, do homem com quem discutira no aviário, não é muito animador. A atriz “Tippi” Hedren, aliás, pelo que foi comentado na época, veio substituir Grace Kelly como a “loura fria” dos filmes de Hitchcock. Mas não esperem grandes interpretações humanas. Quem dá o show são os pássaros, mesmo.

O final de “Os pássaros”, mesmo que inesperado e surpreendente (e para muitos espectadores, decepcionante) é não somente original e genial, mas necessário. Quando se compreende o aspecto místico de tudo aquilo — um flagelo de Deus, um castigo que desce sobre a humanidade — compreende-se também que o final teria de ser aquele. Pode-se afirmar que Hitchcock realizou o filme perfeito, com encerramento perfeito.

Quanto à mania do diretor de aparecer em cena, no caso de “The birds” Hitchcock surge logo no início, saindo de uma loja com um cãozinho na coleira.

 

Rio de Janeiro, 8 a 16 de abril de 2013.