Estômago: Um Banquete de Poder, Ambição e Sobrevivência no Cinema Brasileiro.
Estômago (2007), dirigido por Marcos Jorge, é um daqueles filmes que nos surpreendem pela maneira como conseguem ser diretos e, ao mesmo tempo, profundamente simbólicos. A história de Raimundo Nonato (vivido por João Miguel) é, acima de tudo, uma reflexão sobre poder, sobrevivência e ambição.
A trama é contada de forma não linear, alternando entre duas realidades: de um lado, Raimundo é um cozinheiro talentoso que descobre na gastronomia uma maneira de mudar de vida. Ele começa em um boteco humilde, onde seus salgados fazem sucesso, e logo conquista uma oportunidade em um restaurante italiano sofisticado. De outro lado, vemos o mesmo Raimundo em uma cela de prisão, usando suas habilidades na cozinha para sobreviver e ganhar respeito entre os detentos.
Esse contraste entre a sofisticação e a brutalidade é o coração do filme. A comida aqui vai muito além do simples ato de alimentar. Ela simboliza controle, status e até dominação. Raimundo, inicialmente ingênuo, vai aprendendo as regras do jogo, seja no restaurante ou na cadeia e, com isso, revela uma natureza adaptável e instintiva, algo quase animal.
João Miguel brilha no papel principal. Ele traz para Raimundo uma mistura de simplicidade e astúcia que nos faz torcer por ele, mesmo quando começamos a perceber que há algo mais sombrio em sua trajetória. Babu Santana, como o líder da cela, também entrega uma performance marcante, enquanto Fabíula Nascimento (Íria) encarna uma sensualidade crua que adiciona um tom mais leve e cômico à narrativa.
A direção de Marcos Jorge é elegante e precisa. Ele conduz a história de maneira envolvente, criando tensão e mantendo o mistério até o último minuto. A fotografia, com tons distintos, ressalta os dois mundos de Raimundo: o restaurante é iluminado, sofisticado, quase sedutor; já a prisão é escura, claustrofóbica e ameaçadora. Essa oposição visual ajuda a reforçar a crítica social do filme: em qualquer cenário, o jogo de poder é brutal e universal.
No entanto, nem tudo é perfeito. Em alguns momentos, a metáfora da comida, embora inteligente, acaba sendo repetida à exaustão. Além disso, personagens como Íria poderiam ter mais profundidade, já que em certos pontos acabam funcionando apenas como estereótipos.
Mesmo assim, Estômago é um filme inovador e provocante que nos faz refletir sobre as relações humanas, especialmente em uma sociedade onde quem domina e quem é dominado estão sempre disputando espaço. O final, surpreendente e simbólico, encerra a narrativa de forma impactante, deixando o espectador com aquela sensação de "isso fez sentido".
No fim das contas, Estômago é um prato cheio para quem busca um filme inteligente, crítico e que ainda encontra espaço para o humor ácido. Uma obra que reafirma a força do cinema brasileiro.