The Hunt - A Caçada

"The Hunt" (A Caçada, no Brasil), é um filme de 2020 que, à primeira vista, é mais uma produção cinematográfica americana típica, na qual a violência vista em praticamente todo o longa-metragem é meramente gratuita. Porém, neste texto faremos uma análise em relação à influência que o livro “A revolução dos Bichos”, de George Orwell teve na construção do roteiro, uma vez que a obra do escritor britânico, autor de outros clássicos da literatura mundial, como ”1984”, continua extremamente atual, tendo em vista a crítica social e política nela contida, retratando o cenário atual da crise governamental mundial que assola os quatro cantos do planeta.

Assim como o livro de Orwell, o filme utiliza a sátira para criticar sistemas políticos corruptos e totalitários. Na obra literária, os animais de uma fazenda se unem e expulsam o fazendeiro, dando início a um novo modo de vida entre os bichos. Sob a liderança dos porcos, considerados os mais inteligentes, os animais estabelecem sete mandamentos básicos que guiarão a nova sociedade. No entanto, a utopia inicial logo se mostra frágil. Gradualmente, os porcos, liderados por Napoleão, começam a se destacar e a acumular poder, manipulando os outros animais e alterando os mandamentos para beneficiar a si mesmos. A fazenda, que antes era um lugar de igualdade e liberdade, transforma-se em um regime autoritário e opressor, onde os porcos vivem no luxo enquanto os outros animais continuam a trabalhar arduamente.

George Orwell, ao escrever "A Revolução dos Bichos", tinha como principal objetivo denunciar os perigos do regime ditatorial e tirânico de Stálin no comando da União Soviética. A obra funciona como uma alegoria, onde os animais representam figuras e classes sociais da Revolução Russa, sendo os porcos retratados como os intelectuais e líderes políticos, em uma alusão ao próprio Stálin, bem como a Lênin; já os cavalos representam a classe trabalhadora, explorada e leal aos seus novos opressores; e os outros animais, como as ovelhas e galinhas, simbolizam a massa ignorante e facilmente manipulada.

Já a obra cinematográfica contém uma crítica mordaz ao cenário político e social contemporâneo, especialmente nos Estados Unidos, onde as tendências de uma política de viés conservador estão em completa evidência. Não por mera coincidência, o filme foi adiado, mais de uma vez, devido às críticas feitas por Donald Trump, uma vez que a divisão entre classes, a desumanização do outro e a manipulação de informações vistas na trama pode ser muito facilmente associados às pautas e mecanismos que regem a visão que direciona as ideias da direita americana e que orientam o cenário político-econômico mundial.

O filme, logo na primeira cena, já nos apresenta um cenário perturbador: um grupo de pessoas desperta amordaçadas em um campo aberto, sem qualquer lembrança de como chegaram ali. A primeira pista de que algo está terrivelmente errado é a aparição de uma caixa de onde emerge um porco vestido, sendo esta a primeira menção, entre muitas, à obra de Orwell. A partir desse momento, a trama se desenrola como um jogo macabro de caça humana, onde os participantes, provenientes de diferentes regiões dos Estados Unidos, são perseguidos por um grupo elitista e rico. Os caçadores, com suas ideologias distorcidas e desejo de poder, veem suas presas como nada mais que peças de um jogo, justificando a violência com argumentos políticos e sociais que contradizem todas ideias de humanitarismo necessário ao convívio social.

As cenas de ação, repletas de muita violência, bem como os diálogos (principalmente entre heroína e vilã, em umas das últimas tomadas do filme, na qual a obra de Orwell é explicitamente citada, em meio a uma ótima luta entre ambas), são muito bem construídos e desenvolvidos, além de uma ótima atuação da protagonista, a atriz Betty Gilpin.

Para não dar spoiler, tanto do livro como do filme, só posso dizer que ambos os desfechos são uma espera muito aguardada no decorrer das cenas ou das páginas dessas duas obras artísticas (principalmenteo o do livro, que é um dos melhores encerramentos da literatura, digno da genialidade de Orwell), feitas de formas diferentes, de artes distintas e que me deram um grande prazer estético ao contemplá-las e que, com toda a certeza, também darão à maioria dos espectadores e leitores.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 26/11/2024
Reeditado em 26/11/2024
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