Shukuchi é um homem justo e paciente, infelizmente uma barreira entre as gerações impedirá o diálogo com Akiko. O resultado será trágico.

 

Crepúsculo em Tóquio: uma obra-prima do cinema japonês

 

CREPÚSCULO EM TÓQUIO: UMA OBRA-PRIMA DO CINEMA JAPONÊS

Miguel Carqueija

 

Resenha do filme “Crepúsculo em Tóquio” (Tõkiô boshoku). Shochiku, Japão, 1957, 140 minutos, preto-e-branco. Direção: Yazujiro Ozu. Roteiro: Kogô Noda e Yazujiro Ozu. Produção: Shizuo Yamauchi. Fotografia: Yuharu Atsuta e Akira Aomatsu. Direção de arte: Tatsuo Hamada. Música: Takanobu Saito.

Elenco:

Akiko Sugiyama.................................Ineko Arima

Takako Numata.................................Setsuko Hara

Shukuchi Sugiyama............................Chushu Ryu

Kikuko Soma......................................Isuzu Yamada

Kenji Kimura......................................Masami Taura

Sakae Soma.......................................Nobuo Nakamura

Yasuo Numata...................................Kinzo Shin

Shigeko Takeuchi...............................Haruko Sugimura

 

Mesmo Takako, mais madura que Akiko, resiste em se abrir com o pai, que só quer o bem das filhas. 

 

Shukuchi tenta esclarecer a briga do casal com o genro Numata. 

 

“Ela poderia conversar com a mãe como não falaria comigo.”

(Shukuchi Sugiyana para a filha Takako Numata, referindo-se à outra filha, Akiko Sugiyama)

 

Shigeko, irmã de Shukuchi, conta a este o pedido de empréstimo de Akiko.

 

Akiko e Takako. Diferente da irmã, Akiko não sorri, esmagada por seu drama pessoal.

 

Que filme maravilhoso, ao mesmo tempo que trágico e sombrio, este do mestre Yazujiro Ozu! Já faz parte de sua reta final: data de 1957 e Ozu faleceu em 1963, com apenas 60 anos.

“Crepúsculo em Tóquio” é tão bom como “Era uma vez em Tóquio” (53) ou “Também fomos felizes” (51), porém aborda tema mais pesado: o aborto.

É uma história dolorosa em torno de uma menina muito jovem, ainda estudante, Akiko Sugiyama (magistralmente vivida por Ineko Arima), que mora com seu pai Shukuchi (Chushu Ryu, também excelente), homem sério, bondoso e respeitável, e no momento também moram na mesma casa a irmã Takako (Setsuko Hara, ótima atriz) e a pequena filha desta, Michiko, ainda bebê. Takako, irmã mais velha, é casada com certo Yazuo Numata, mas desentendeu-se com o marido e veio para a casa paterna, onde a mãe (Kikuko) está ausente pois há muito tempo abandonou a família e contraiu outro casamento, com certo Sakae Soma.

Os motivos desse abandono ficam obscuros , mas quando Shigeko, a tia empresária das garotas, localiza a cunhada Kikuko num salão de mahjong (jogo chinês de mesa), isso acaba sendo sabido por Takako e por fim por Akiko — fato que irá causar perturbação em família.

O grande problema, porém, é que Akiko engravidou de um namorado oculto, Kenji Kimura, um rapaz verdadeiramente irresponsável, que finge estar preocupado mas evita ao máximo encontrar a garota. Sem apoio, sem coragem de contar em casa o que está acontecendo, Akiko procura arranjar dinheiro emprestado e afinal recorre a uma clínica de aborto. O crime é executado mas a desorientada moça não encontra nisso a paz e chega a chorar vendo a sua sobrinha bebê. É impactante a cena em que ela esbofeteia violentamente o canalha Kenji, quando ele, sem saber do aborto, a encontra num restaurante e vem com uma conversa mole e hipócrita.

Akiko é uma vítima (como tantas da vida real) da safadeza de um namorado amoral. E com ela é vítima a criança, sua filha. Akiko, em vez de matar a criança, deveria ter explicado a situação ao seu pai, Shukuchi, que estava longe de ser um bicho-papão. Pelo caráter que ele demonstra, aceitaria ser avô do bebê de Akiko. 

O próprio título “Crepúsculo em Tóquio” chama a atenção para o caráter pungente desta obra-prima do cinema, com muitas cenas (em preto-e-branco, por sinal) passadas à noite ou ao crepúsculo, mostrando uma Tóquio sombria, até sinistra, onde se escondem muitos dramas sociais e de consciência.

 

Rio de Janeiro, 1º de junho de 2024.

 

Na beira da praia, Akiko tenta em vão uma explicação com Kenji. O rapaz tem o topete de dizer que nem sabe se a criança é dele.

Akiko cerca Kenji no restaurante. Pai do bebê nascituro, Kenji não assume a responsabilidade. A canalhice do personagem serve de alerta às garotas da vida real. O homem que abandona à própria sorte a mulher a quem ele engravidou é um covarde.