A BANALIDADE DO MAL em Zona de Interesse
Zona de Interesse” é um longa-metragem britânico dirigido por Jonathan Glazer, que também dirigiu o estranho filme “Sob a Pele”, estrelado por Scarlett Johansson na pele de uma alienígena, o que gerou polêmica por mostrar a atriz nua. É um filme experimental e foi uma das sessões de cinema em que observei o público saindo da sala devido ao desconforto causado, especialmente nos homens. Outra sessão em que vi isso foi na exibição de “A Fita Branca”, do excelente Michael Haneke, que aborda a ascensão do mal pré-Primeira Guerra Mundial na Alemanha, em uma vila rural aparentemente idílica. Os espectadores saíram da sessão se questionando se tinham acabado de assistir a um filme de terror.
“Zona de Interesse”, o filme mais recente de Glazer, me lembrou desses dois filmes. A história mostra o comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, e a vida bucólica e pacata que ele conseguiu criar para si, apesar de viver ao lado do pior campo de concentração da história. Höss vive uma vida tranquila com sua família, sendo um pai e marido exemplar, além de cumprir suas tarefas como comandante com maestria. Ele se preocupa com a natureza, a preservação dos lírios do campo e a educação de seus filhos, proporcionando o máximo de conforto para sua família. Seu lema poderia ser facilmente “Deus, pátria e família”.
Jonathan Glazer usa essa imagem de uma família aparentemente normal e tranquila para discutir a banalidade do mal, como mostrado no livro de Hannah Arendt. “A Banalidade do Mal” é um livro escrito pela filósofa Hannah Arendt, publicado em 1963. Ele trata do julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial. Arendt cunhou o termo “banalidade do mal” para descrever sua percepção de que o mal cometido por Eichmann e outros perpetradores do Holocausto não era resultado de uma maldade extrema ou patológica, mas sim de uma falta de pensamento crítico e responsabilidade moral.
Arendt aborda que a maioria dos perpetradores do maior genocídio cometido contra judeus eram membros da SS zelosos de sua função, que transformaram o objetivo de exterminar judeus em uma questão técnica, logística, burocrática e administrativa, tornando-se alienados com o mal que estavam praticando. Assim, matar judeus se tornou simplesmente uma questão de eficiência. Tudo isso é personificado na vida idílica e alienada que a família de Höss leva, totalmente alheia ao mal que estavam cometendo ao lado de sua casa.
No entanto, tudo muda quando Höss recebe uma notificação de que será transferido para outro local de trabalho, mudando a vida de sua família. Ele comunica essa decisão à sua esposa, que não deseja abrir mão de seu conforto e diz a ele que não é obrigada a acompanhá-lo, expressando sua vontade de permanecer ali. Höss então se muda sozinho, sem a família.
Höss era um funcionário zeloso de suas tarefas de exterminar judeus, e mesmo em uma festa, sua mente estava focada em como poderia matar todos os presentes com gás, para aplicar em seu trabalho
No livro ‘Se Isto é um Homem’, do sobrevivente do Holocausto Primo Levi, ele relata que os oficiais nazistas limpavam as cinzas dos judeus mortos de suas frutas para poderem comer depois, o que mostra como eles eram indiferentes a tudo o que estava ocorrendo.
Zona de Interesse ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e embora eu ache que ficou um pouco atrás de “Anatomia de uma Queda”, foi justo ter ganhado essa celebração. Jonathan Glazer se propôs a contar essa história de maneira sóbria, com planos mais estáticos e prolongados, além de uma bela fotografia que mostra a paisagem do local onde Höss morava com sua família. A decisão de Glazer de não mostrar nenhuma cena de judeus sendo mortos também foi acertada, pois reforça a sensação de banalidade do mal e total alheamento da família em relação ao que estava acontecendo diante de seus olhos.
Glazer também conseguiu reproduzir muito bem a ambientação da Alemanha na década de 30, e o filme nos faz refletir sobre a hipocrisia de quem tenta se vender como bom moço, transportando para nossa realidade atual, onde alguns governos enaltecem o lema “Deus, pátria e família”, mas na prática cotidiana exercem o mal, ou até desejam a restauração de uma época de mortes, como a ditadura.