FICÇÃO AMERICANA - Como os BRANCOS veem os NEGROS
Esse filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, e o roteiro de fato é original e poderia ser até melhor se não se valesse de tantos clichês.
A história apresenta Monk, um escritor negro que vem passando por um bloqueio de escrita. Ele costumava escrever livros de ficção mais complexos, mas em determinado momento fica farto da proliferação de literatura negra barata e estereotipada que faz sucesso com os brancos, e decide seguir o mesmo rumo editorial, fazendo uma crítica a toda a indústria de livros.
A ironia é que o diretor do filme quis fazer uma crítica aos estereótipos, mas recorre a esse mesmo artifício em sua obra.
Por exemplo, ao matar a irmã do protagonista de forma repentina e clichê no começo da trama, de ataque cardíaco, uma mulher de apenas 51 anos.
E também pelo personagen que faz o irmão de Monk, um negro que é gay e cocainômano, revelar sua homossexualidade já na vida adulta. Tudo muito caricato. E o diretor parece compartilhar dessa atração por homens, já que a todo momento fazer questão de mostrar o bom porte físico do negro sem camisa.
Além disso, o filme não é muito verossímil e só poderia se passar nos Estados Unidos, pois todos os negros apresentados são bem-sucedidos. A família de Monk é composta por médicos bem-sucedidos, o próprio protagonista tem uma boa vida com a renda de escritor, e a namorada que ele arruma é também advogada. Uma condição muito diferente da maioria dos afrodescendentes americanos. E imagine se transportássemos para o Brasil.
Finalmente, eu escrevo sobre um filme com lugar de fala. Eu não sou um negro retilíneo, raiz, mas sou pardo, moreno, que é inclusive a maioria da cor do Brasil. Então, por que ao olharmos em ambientes mais abastados, como as faculdades mais privilegiadas do Brasil e cursos caros como medicina e direito, a coisa mais rara é encontrar um negro? O mesmo vale para as regiões mais centrais da cidade e restaurantes chiques. A maioria dos negros vive na periferia, afastados dos brancos socialmente, numa espécie de eugenia, um apartheid social. Eu mesmo nunca sofri racismo real, pelo menos eu nunca senti na pele. Mas sofro diariamente o racismo estrutural, que normaliza essa situação de privilégio dos brancos e a falta de oportunidades. Ser negro no Brasil e fazer para si uma vida confortável é jogar o jogo da vida no hard, no nível mais difícil. Nos EUA, onde se passa o filme, a realidade não é muito diferente, mas eles estão muito mais avançados nessa questão racial do que o Brasil. Até já elegeram um presidente negro, e lá não é raro negros ocuparem cargos elevados, mas essa ainda é a cor da pobreza.
E ainda há quem critique as políticas de reparação histórica com os negros, como cotas e tudo mais.
O negro se sente inferior, porque de fato ele é inferior pelas condições materiais de miséria que ele vive, os parcos recursos que ele tem para se educar e competir para ocupar os mesmos espaços privilegiados dos brancos.
E o filme acerta ao mostrar o sentimento dos brancos que se sentem culpados por uma dívida histórica com os negros, por isso que passam a consumir literatura barata negra como se fosse o suprassumo da arte. E a ironia de tudo é que a maior parte do filme se passa em Boston, cidade reconhecidamente racista e branca, não é por acaso.
O filme também acerta ao mostrar a hipocrisia das premiações atuais, como o Oscar, que mais parecem uma convenção da ONU preocupada com o politicamente correto. Por isso convidam artistas negros para serem jurados do prêmio literário, que premiaria o autor da obra negra, sob o título "Fuck", com um pseudônimo que Monk se utiliza de um estereótipo negro que passou 12 anos de sua carreira.
Mas uma bola fora da Amazon, ao traduzir a palavra Nigger, que seria melhor traduzida como Criolo, simplesmente por “Mano”.
Sinceramente, se não fossem todos esses clichês que eu citei, o filme poderia ser muito melhor, pois ele joga luz sobre um problema real: como alguns brancos veem os negros e agem em relação a eles de forma hipócrita querendo ensiná-los a como ser negro.