Tenho Sonhos Elétricos
Esse filme costa-riquenho me fez lembrar dos bons momentos que vivi frequentando a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Não à toa, ele foi apresentado na 46ª edição desse festival, conhecido por exibir apenas filmes de excelência de todo o mundo, abrangendo os principais lançamentos. 'Tenho Sonhos Elétricos' é uma produção que facilmente se encaixaria no cenário brasileiro, caso investíssemos em um cinema de alta qualidade.
Ele é uma história que narra a vida da classe média baixa e conta a jornada de Eva, uma jovem de 16 anos que mora com sua mãe controladora. O sonho dela é ir morar com seu pai, um boêmio mais liberal e descolado, escritor de poesia que tem amigos interessantes. No entanto, o temperamento dele é intempestivo e ele não tem lugar para morar, vivendo de favor na casa de um de seus amigos. A missão de Eva passa a ser ajudar o pai a encontrar um apartamento com um quarto extra para ela morar junto com ele.
A mãe de Eva, a controladora, vive dizendo que ela puxou o pai. Eu me identifico com essa fala. Quando minha mãe quer me atacar, ela me fala a mesma coisa, que eu puxei meu pai. Não gosto quando ela fala isso, afinal de contas, eu sou um indivíduo que tenho minhas vontades próprias, não são fatores genéticos que influenciam o meu agir, nos aspectos positivos e negativos. Da mesma forma, Eva é uma garota singular, com um estilo meio hipster, é verdade, que nunca se apaixonou na vida nem conhece o amor. Mas anseia pelo amor físico e para isso satisfaz seus desejos sozinha.
Eva passa alguns dias com seu pai, que dorme em um simples colchão no chão na casa de um amigo seu. Em determinada ocasião, ele e seu amigo fazem uma espécie de sarau de poesia onde escritores amadores recitam suas poesias. Na festa, Eva conhece melhor o amigo do seu pai, que vai ao banheiro passar um pouco de pó no nariz. No outro dia, esse amigo do seu pai acaba bebendo com Eva, e os dois estão sozinhos juntos e ela acaba perdendo a virgindade com ele, alguém muito mais velho. É só mais um exemplo do mau exemplo do seu pai. Além de fazer com que ela tenha contato com bebidas e drogas, permite a ela fumar cigarros escondidos da sua mãe.
Eva e seu pai continuam procurando um apartamento para ele morar, mas os locais costumam ser muito pequenos ou muito caros. Voltando ao relacionamento de Eva e o amigo do seu pai, quando eles se veem sozinhos à noite, tentam fazer sexo novamente. Mas dessa vez pesa na consciência do amigo do pai, que diz que isso não está certo. Eva pergunta a ele se ela fez algo de errado. Ele responde que não. Então ela pergunta a ele se não estava apaixonado? Ao que ele responde que apaixonado não é a palavra mais apropriada. A bichinha, coitada, começa a chorar com essa resposta. É quando o pai dela chega do mercado, então Eva se veste de maneira atrapalhada, mas está toda despenteada e esqueceu de abotoar sua camisa corretamente. Seu pai a vê nesse estado e logo desconfia do que aconteceu. Extremamente atordoado e desorientado com a situação, ele acaba cortando profundamente sua mão e tem que ir para o hospital dar pontos. Quem faz companhia para ela é justamente sua filha.
É bom mencionar que outros personagens dessa trama são uma amiga de Eva, que é bastante extrovertida e desenrolada sexualmente, e sua irmãzinha pequena, que sempre se urina nas situações de medo que seu pai constantemente fazem-na passar, entregando uma grande atuação da atriz mirim que a interpreta. Eva e essa amiga dela procuram "namorados" por um aplicativo tipo o Tinder. O que me faz questionar: será essa tendência das novas gerações? Eu estou meio desatualizado das dinâmicas de afeto contemporâneo, por isso que gosto de assistir filmes para verificar como andam os comportamentos das novas gerações. Mas também não sou muito velho ainda, sou um balzaquiano, que, inclusive, usou desse artifício para conhecer a pessoa que ama.
O pai de Eva e o amigo dele realizam uma nova festa. Nessa festa, Eva encontra uma gringa americana totalmente depressiva que está chorando muito. Eva diz algumas palavras amigas para consolá-la. E essa gringa diz que elas são como irmãs, que todas as mulheres são irmãs umas das outras. Posteriormente a isso, para a sua decepção, Eva encontra o amigo do seu pai, aquele com quem ela perdeu a virgindade, fungando o pescoço dessa mesma gringa meio bêbada, com o intuito claro de levá-la para a cama. Esse fato deixou Eva totalmente desconsolada, ela provavelmente já estava nutrindo algum sentimento pelo amigo do seu pai, mas certamente ele só estava interessado nela sexualmente. Além do fato, claro, dela ser menor de idade e ele muito mais velho. Mas vale ressaltar que a atriz que viveu Eva nasceu em 2002 e o filme é de 2022, portanto, ela é maior de idade, se não eu não apoiaria essa história. Mas mesmo assim, achei um mau exemplo da diretora costa-riquenha, pois na história ela tem apenas 16 anos. Eu não sei se no país dela é permitido o sexo consentido nessa idade, mas mesmo assim acho bem errado.
O final do filme mostra o pai de Eva finalmente conseguindo um apartamento, mas para a tristeza da garota, ele dispõe de apenas um quarto e ela não poderá morar com o pai como pretendia. Extremamente furiosa, ela parte para agredir o pai, que intempestivo do jeito que ele é, responde estrangulando a garota
Mas felizmente ele não chega às vias de fato de desmaiá-la, porém foi quase. Inconformada com essa atitude do pai, Eva resolve ligar para o telefone das denúncias de agressão doméstica. A polícia chega no local e leva o pai dela encarcerado. Os dois vão para a delegacia lado a lado, mas em carros diferentes. Os dois se olham pela janela e começam a dar risada de toda a situação cumplicemente. Então, o filme retrocede no dia do sarau na casa onde o pai de Eva mora de favor, no momento em que ele declama seu poema intitulado "Tenho Sonhos Elétricos". E a película chega ao fim. Gostei demasiado desse filme, ele me trouxe uma sensação boa de nostalgia quando eu assistia diversos filmes estrangeiros direto no cinema e produções simples como essa. Ele deixou meu coração aquecido, mesmo a história sendo até simples, mas a maneira de contá-la achei muito sincera. É uma pena que o cinema de terceiro mundo não tenha mais filmes acessíveis assim. Talvez só na Argentina. Até tentam, mas não têm muita qualidade. Não à toa que "Tenho Sonhos Elétricos" conta com uma boa nota na avaliação do público em sites especializados. Eu também avaliaria muito bem essa obra.