Vórtex - Um filme sobre a Velhice

Gaspar Noé é um diretor de renome que ficou mundialmente conhecido por sua filmografia polêmica, cujos filmes abordavam temas voltados para a exploração do sexo, drogas e violência.

 

Eu admiro Noé por sua coragem, a abordagem filosófica em seus filmes e a técnica apuradíssima em suas filmagens.

 

Em "Vortex", ele deixa suas predileções de lado para tratar de um assunto mais orientado para relações humanas. A história gira em torno de um casal de idosos, Lui, interpretado por ninguém menos que Dario Argento, e Elle: ela é psiquiatra aposentada, e ele um escritor que está escrevendo um livro sobre cinema e sonhos.

 

O interessante é que Noé dá voz aos protagonistas idosos, que têm muito pouco espaço nas produções cinematográficas. Para falar a verdade, até a imagem decrépita dos atores envelhecidos causa certo desconforto para quem assiste. Mas, ao assisti-lo, deu-me uma saudade imensa da minha saudosa vozinha.

 

Logo no começo do filme, há um interessante monólogo no rádio sobre os rituais funerários e suas funções litúrgicas para a sociedade e a importância do processo de luto, enquanto os idosos começam o novo dia em sua casa. Despertam, tomam café e começam suas tarefas diárias. A casa deles é apertada, e podemos observar diversos livros.

 

A tela é dividida em dois, onde uma mostra Lui e outra Elle. Notamos que Lui ainda é meio anacrônico, usando um celular velho e uma máquina de escrever. Por outro lado, Elle já usa um computador moderno. Elle sai para fazer compras, e Lui continua trabalhando no seu livro, até o momento que sente falta da mulher, liga para ela, que não atende, e resolve ele mesmo sair à rua para procurá-la. Nesse momento, é impossível não notar a figura encurvada de Dario Argento envelhecido, o que me faz questionar como alguém tão frágil conseguiu idealizar um filme tão pungente como 'Suspiria'? A resposta está que naquela época ele era jovem, agora velho. A idade chegará para todos... e eu tomo partido dos idosos, nesse sentido, me identifico com eles, pois eu mesmo já sou um jovem com hábitos de velho, até mesmo no modo de se vestir.

 

Voltando para nossa história, Lui finalmente acha a mulher, diz a ela que procurou por ela em toda parte, e faz todo um sermão para ela por ter “desaparecido” sem avisar. Quando voltam para casa, à noite, Lui tem uma conversa com seu editor sobre cinema, onde compara o universo cinematográfico com o mundo dos sonhos. O espectador, segundo ele, é como se estivesse num sonho.

 

No outro dia, o filho deles, Stéphane, aparece para visitar. Faz recomendações sobre os remédios que seus pais deveriam tomar e, principalmente, cobra da mãe que vá ao neurologista fazer exames. Ela reluta, mas aceita, afinal, ela é psiquiatra, como lembra seu filho. Logo após, Elle tem um ataque e repete insistentemente que quer voltar para casa, ao que o filho tenta acalmá-la, dizendo que já estão em casa. Depois ela questiona quem é esse homem (Lui) que vive a seguindo por toda parte. Stéphane a acalenta, fazendo-a lembrar que ele era o papai. Ela se acalma um pouco, e então ele faz alguns exercícios de memória com ela para tentar fazê-la lembrar. A partir desse momento, passamos a entender a preocupação de Lui com o sumiço temporário de sua mulher no começo do filme.

 

No dia seguinte, na hora do café, ela tem uma nova crise de choro, supostamente ocasionada pelo modo de Kiki brincar, filho de Stéphane. Depois somos informados que a mulher de Stéphane, a mãe de Kiki, também é acometida de uma grave doença psicológica que a faz ficar violenta. Aqui Lui reflete que as doenças não têm um porquê, que é culpa do destino inexorável das coisas. Também descobrimos que Lui tinha um amor de 20 anos com Claire, mas ela não responde mais às mensagens dele. Na manhã posterior, Elle melhora um pouco, se lembra mais das coisas, e diz que seu marido é louco, porque esparrama papéis por todo lado, que ela tenta arrumar, mas não consegue. Seu filho volta a acalmá-la. Depois que o filho deles vai embora, Elle mistura um monte de remédios, mas não sabemos se ela os toma ou não. No dia seguinte, ele liga as bocas do fogão e deixa o gás vazando. Felizmente, Lui sente o cheiro e as desliga antes de acontecer alguma tragédia. O vórtex se refere a uma situação ou condição em que as coisas parecem estar fora de controle e girando intensamente… Elle acaba jogando os papéis de Lui com suas anotações sobre seu filme na privada, alegando que estava fazendo uma limpeza.

 

Quando o filho deles retorna, sugere que eles se mudem para uma casa de repouso, e Lui reluta porque não quer se desfazer das coisas, suas memórias, seus objetos. É quando passamos a saber que no passado, Stéphane também foi internado numa clínica para dependência química. No dia seguinte, descobrimos que Stéphane fornece seringas e equipamentos para usuários de drogas, e uma usuária vai até o apartamento dele para se drogar. Ele repele inicialmente, mas depois aceita. Na madrugada, Lui sofre um ataque do coração e dorme caído na sala. Pela manhã, Elle o acorda e chama seu filho, que pede uma ambulância. No hospital, Lui acaba falecendo, e Stéphane é responsável por dar a triste notícia para sua mãe, mas ele não consegue. No outro dia, Elle se percebe sozinha em casa e dá por falta do marido e começa a procurá-lo.

 

Agora devo lembrá-los que estamos diante de um filme de Gaspar Noé. Na próxima cena, Elle toca a campainha do vizinho que se irrita com ela e diz que o marido dela se foi para sempre, que é melhor voltar para casa. Ela retorna e então resolve jogar seus medicamentos no vaso, que está numa situação fétida. Ele entope, e ela tenta desentupi-lo, primeiro com o desentupidor e depois com as próprias mãos. Paralelo a isso, Stéphane colocou seu filho para dormir e foi usar drogas, mas ele desperta e surpreende o pai.

 

Mas Stéphane não deixou a mãe totalmente desamparada, arrumou alguém para lhe fazer companhia, cozinhar para ela e limpar a casa e, depois de uns dias, finalmente arrumou um lugar para ela ficar. Mas depois de uns dias, ela falece, assim como seu marido. No funeral, há um momento bonito onde passam as fotos de toda vida de Elle ao som da música de 'O Desprezo', de Godard. Nas cenas finais, passam diversas fotografias da casa, agora, totalmente inabitada.

 

Assim como 'Amour' do Haneke, 'Vortex' é um filme indigesto que reforça os percalços, desafios e dificuldades enfrentadas na velhice de uma vida conjugal longeva de maneira pungente.

Dave Le Dave II
Enviado por Dave Le Dave II em 18/01/2024
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