Vidas Duplas" e a Contemporaneidade com o "Recanto das Letras".
De Olivier Assayas, eu havia assistido o lindo "Acima das Nuvens", com um elenco estrelado por Kristen Stewart, Chloë Moretz e Juliette Binoche, que volta a atuar com o mesmo diretor agora em "Vidas Duplas".
Neste filme de 2019, Assayas utiliza a história de um escritor, Leonard Spigel (que parece o Gregorio Duvivier, talvez com menos cabelo), que teve seu manuscrito recusado por uma editora cujo proprietário é Alain Danielson, para discutir o papel da escrita nos tempos contemporâneos.
Alain Danielson é um editor de sucesso que percebe uma mudança no mercado editorial, da predominância dos livros impressos para o formato digital. Ele é casado com Selena, interpretada pela lendária Juliette Binoche, que na história também é atriz. Como editor, ele já havia publicado alguns livros de Leonard, mas quando este apresentou um novo manuscrito, optou por recusá-lo, alegando ser muito parecido com o anterior.
O filme utiliza esses personagens como plano de fundo para debater a mudança no mercado editorial contemporâneo, a importância da escrita nesse contexto e a substituição dos livros impressos por dispositivos digitais. Nas discussões, é mencionado que nunca se escreveu tanto como atualmente, devido às frases de efeito constantemente postadas nas redes sociais. Sob essa perspectiva, analiso a importância do Recanto das Letras para quem deseja publicar seus escritos, mesmo que amadores.
Não sei qual o papel do Recanto das Letras nesse ponto de vista, mas essa ferramenta serve quase como uma rede social, onde muitos escritores amadores publicam diariamente textos em formato digital e até mesmo e-books completos. No filme, também é mencionada a ideia de Daniel de acabar com os encargos inerentes à produção dos livros convencionais, como logística e impressão, ao torná-los digitais, no qual um site seria responsável por organizar todos esses textos. É mais ou menos o que se propõe o Recanto das Letras; se ele fosse mais conhecido, poderia ter essa mesma funcionalidade. O filme também debate a importância da internet na disseminação e democratização da literatura, já que diversos livros encontram-se gratuitamente online. Antigamente, enormes bibliotecas armazenavam todo o conhecimento do mundo, e hoje essa informação está disponível em nossas mãos através de um mero smartphone.
Mas, voltando para a história, o personagem Leonard, por ser meio anacrônico, desconhece as discussões que seu livro também suscitou na internet. Ou seja, a internet, além de ser o local onde se comercializam os livros, é também onde podemos lê-los gratuitamente e gerar discussões sobre eles. A obra também explora que o digital serve para que nós nos reinventemos. É impossível não analisar a mudança social que a tecnologia vem provocando. Praticamente toda a população hoje sabe mexer em um computador ou smartphone, mesmo as pessoas mais antigas se adaptaram ao mundo moderno e hoje já estão habituadas. No Recanto das Letras, por exemplo, percebo que há pessoas de todas as idades, com apenas uma coisa em comum: todos usam a tecnologia para acessá-lo, pois trata-se de uma ferramenta digital.
Assayas, nessa produção, faz um filme-tese. Ele usa a história como base para discutir suas ideias sobre a cultura na modernidade; ele ainda discute a perda de importância do crítico para os algoritmos que, de acordo com suas buscas, indicam os títulos para você consumir.
Voltando para a trama, no decorrer do filme, é explicado o verdadeiro motivo de Alain não querer publicar o livro de Leonard: é pela maneira crua que ele trata as mulheres, como objeto. A mulher de Alain, Selena, diz que talvez a mulher que ele fala no livro dele goste de ser tratada dessa maneira. Contudo, ela só não revela para ele que essa mulher é ela mesma. E é esse o verdadeiro motivo pelo qual ele não quer publicar; Alain desconfiava desde o princípio desse adultério de sua mulher. No final, o filme me deu um insight do porquê a pessoa que eu amo não me responde mais: desgaste, Selena fala para Leonard. Porque já estão juntos há 6 anos. E eu conheço a pessoa que me inspira há 8.