Triângulo da Tristeza: Uma Obra de Arte Sueca.
O diretor sueco Ruben Östlund já havia conquistado a Palma de Ouro em 2017 por "The Square: A Arte da Discórdia" e voltou a ganhar em 2022 por esse filme, "Triângulo da Tristeza".
Essa brilhante produção pode ser considerada uma comédia-trágica, se é que isso é possível. Se você é daqueles que desconfiam que os suecos são meio socialistas, esse filme vai ressaltar essa ideia. Ele é uma crítica exacerbada aos podres de ricos, que lucram em cima dos menos afortunados, mas também é o contrário, enfatizando as contradições do socialismo. Na verdade, a obra parece dizer que nós, como humanos, estamos à mercê da nossa própria sorte e desamparados, por isso inventamos sistemas de organização da sociedade para justificar nossas existências.
O filme é subdividido em atos, ou capítulos. No primeiro ato, mostra a história de Carl e Yaha, dois modelos tentando sucesso na carreira. Logo aqui há uma inversão de valores, porque na trajetória de modelo as mulheres ganham mais do que os homens. E quando os dois vão almoçar num restaurante chique, mesmo assim, Yaha manipula a situação para que Carl acabe pagando a conta. Os dois têm uma discussão acerca de dinheiro. Carl defende que quer relações iguais no relacionamento, que eles sejam como amigos. Yaha, por outro lado, deseja um homem que seja seu provedor para quando não trabalhar mais como modelo, possa garantir o seu sustento, por isso faz questão de ser “bancada”. Carl afirma que quer que sua mulher seja sua melhor amiga, ao que Yaha responde que não pretende dormir com seu melhor amigo. Depois os dois discutem a relação e acabam se acertando.
A parte dois mostra ambos num iate luxuoso só com super-ricos. Yaha ganhou esse benefício de graça pelo seu trabalho como influenciadora. Eles tiram a maior onda no cruzeiro, tiram fotos e tudo mais. E aqui é a parte do filme onde mostra a diferença social entre os superricos, passageiros do navio, e a tripulação, meros serviais, sujeitos a todas as vontades dos mais ricos, almejando ganhar gorjeta. Essa situação fica evidenciada quando uma russa grã fina obriga todos os tripulantes a entrar na água, só para seu bel prazer e entretenimento, e todos obedecem.
Mas a situação muda vertiginosamente quando há uma turbulência no navio, devido a uma forte tempestade. E os grã finos começam a vomitar em todo o salão principal, mostrando que eles são humanos como qualquer outra pessoa. Nesse momento, o diretor mostra os ricos em posição degradante, usando o toalete que transborda dejetos. Nessa parte, é curioso notar como os endinheirados são tão frágeis numa situação extrema, como qualquer um de nós.
Mas não é só ao capitalismo que Östlund ataca. Nesse momento do filme, o capitão do navio e um dos passageiros começam a citar diversas frases icônicas de comunistas e capitalistas. O passageiro cita dos capitalistas; o tripulante, dos comunistas. A mensagem parece ser a de que não há mocinhos nessa história.
Depois da turbulência, o navio é atacado por bandidos e atraca numa ilha. E essa é a terceira parte do filme. Nessa hora, ele se torna uma espécie de “Senhor das Moscas” e mostra os “sobreviventes” ao acidente tentando sobreviver.
Östlund dá uma aula de direção; ele consegue conferir muita finesse em sua obra, ao retratar os momentos cômicos dos ricos, junto com sobreviventes das camadas mais baixas, tentando lidar com a natureza. Um momento engraçado é quando uma das funcionárias mais baixas que acaba pescando o polvo para todos comerem, e como ninguém dos ricos sabe fazer nada, ela mesma acaba fazendo a fogueira e cozinhando. Na hora de repartir, ela fica com a metade de tudo e dá os restos para os ricos, assim como os ricos faziam com ela quando estavam no navio. E ela diz que eles não deveriam ser preguiçosos. O que mostra como os ricos exploram os pobres para conseguir suas riquezas, lucrando com a mais -valia proporcionada por eles. E a pobre camareira que antes era simples empregada, converte-se em comandante deles todos. E eles aceitam em troca de comida e proteção. E ela resume a situação: no navio, faxineira, aqui (na ilha), comandante. E o mais intrigante é que o rico, antes que exaltava o capitalismo, agora quer se organizar em sociedade onde cada um tenha o necessário para suas necessidades. Mas apesar disso, ele tenta suborná-la com seu Patek Philippe ou Rolex, mas que nada valem no local onde se encontram.
No geral, o filme é muito sagaz em retratar a desigualdade e a dinâmica de exploração entre as pessoas. E também ao inverter os papéis da figura masculina e feminina. Porque enquanto estavam na ilha todos eram comandados por uma simples mulher camareira, subvertendo os papéis preconcebidos pela sociedade. Mas também mostra como a beleza pode ser um imperativo, porque Carl vale-se da sua boa aparência para angariar benesses da camareira em troca de favores sexuais. Mas sabe o que é mais curioso? Esse casal improvável assume um relacionamento. Isso suscita a seguinte questão: Será que para ser bem-sucedido realmente é necessário ter beleza, ser rico ou simplesmente comandar os meios de produção? O filme é tão bom que até o final em aberto não tira o mérito da obra.