Minha resenha crítica do filme, Êxodo: DEUSES E REIS!
Ainda que sendo cristão de fé reformada e amar a Deus sobre todas as coisas e ter a bíblia como regra de fé e prática, assistir, e maratonar séries, é o que mais gosto de fazer. É meu passa tempo preferido. E, ainda que não goste de assistir a nada com viés religioso, ainda consigo ver algo que me atrai. Foi o que ocorreu quando passeava pela grade de opções da Netflix e deparei-me várias vezes olhando o filme Exudus: Gods and Kings (Exôdo: deuses e reis) do diretor Ridley Scott. Penso que de tanto fazer isso, nasceu em mim uma curiosidade em ver os thriller. E quando vi a super, produção, a fotografia e a trilha sonora, disse a mim mesmo: vou assistir. Uma perfeição magnifica de Ridley. Um produção, que custou a bagatela de U$ 140 milhões – o projeto inicial era de U$ 200 milhões – e no primeiro final de semana rendeu U$ 24 milhões em bilheterias. Desde que anunciado, o filme, vinha dando o que falar e logo depois do lançamento tornou-se debates e reações contrárias à sua produção. Isso porque o filme estaria “subvertendo a lógica bíblica e histórica”, como julgaram autoridades egípcias que proibiram a exibição do filme em seu país. A argumentação histórica e forçada em colocar os hebreus como escravos na construção das pirâmides em Píton, e contrapondo a história, porque ao tempo de Ramsés não se construía mais pirâmides e, o processo de mumificação, também, não era feito da forma como é apresentado no filme. O pior e mais graves que as incoerências históricas, foi a utilização de personagens brancos, quando já conhecemos o contexto histórico. Ouve inclusive um começo de boicote à produção, pela crítica, sugerindo racismo na decisão e escolha dos atores. Isso, levou Scott a fazer algumas declarações afirmando que sua opção em utilizar atores brancos, nada teve a ver com preconceito, mas, sim, por questões orçamentárias. Segundo o mesmo, se ele optasse por usar atores negros a produção encareceria muito e não conseguiria obter o financiamento.
No que diz respeito aos aspectos bíblicos a narrativa chocou também por contradizer alguns fatos da narrativa do livro de “Êxodo”, refernte ao personagem Moisés, as dez pragas sob o Egito, que numa tentativa desesperado de acabar com o sobre natural, explica-as de forma cientifica e sistémica; e, mais ridículo em especial, foi tornar Deus um personagem. Uma teofania, ou epifania, seriam de bom alvitre; mas, humaniza-lo? Ridículo. Mas, por outro lado, antes de qualquer coisa, eu gostaria de chamar atenção a alguns aspectos sobre o diretor e sobre cinema. O que talvez contribua para uma melhor compreensão do filme.
Em primeiro lugar, devemos entender “Êxodo” não como uma obra independente, mas dentro do contexto de produção e do histórico de produções do diretor. O que vemos nas telas de cinema, ou em nossas casas, é o olhar, o prisma, a ótica do diretor sobre um determinado evento ou fato. Não a nossa! Por isso minha preocupação em chamar atenção ao diretor. E em segundo lugar, lembrar que a sétima arte é apenas mais uma forma para nos reportar a um evento, o que não significa dizer que falar de ou sobre algo implique necessariamente em reconstituir a verdade. E se afirmar-se em reconstituir a verdade, deve-se questionar também o significado da verdade. Em outras palavras, no caso em específico “Êxodo” baseia-se em um texto homólogo para falar sobre um dos personagens mais famosos do chamado Antigo Testamento. Se os fatos expressos no texto são verídicos, e devem ser interpretados Ipsis litteres (literalmente)? Há quem diga sim; e, há quem diga não! Ou, os textos são apenas uma narrativa mítica? Entretando, de qualquer forma nada impede ou não autoriza que alguém produza um material novo a partir de uma obra literária. Concordam? As questões para as perguntas acima estão diretamente na origem da história do cinema e na dificuldade de algumas pessoas em entenderem os textos bíblicos como produções literárias, para outras.
É precisa lembrar que o cinema surge no final do século XIX, nessa mesma época começa-se a produzir filmes sobre Jesus. Diretores não ligados a instituições religiosas produziram materiais sobre personagens bíblicos – Jesus, primeiramente - e, incomodou em muito a lideranças religiosas que perceberam estarem perdendo o monopólio do falar sobre Jesus, o que provocou o criar de políticas de regulamentação sobre a forma de filmar Jesus, ou seja, políticas de censura. Essas políticas ainda hoje de forma mais silenciosas continuam ocorrendo. Um bom exemplo disso foi à proibição da exibição do filme no Egito ou mesmo as reações de lideranças religiosas que condenam as produções como profanadoras ou blasfêmias.
Essas acusações por parte de algumas lideranças religiosas derivam muitas vezes da compreensão que os textos bíblicos ou canônicos são sagrados e que relatam a verdade tal como está escrito. Ao invés de compreenderem como produções literárias escritas em um contexto político-social, econômico e religioso e que passaram por uma seleção para se tornarem sagrados (os textos do AT só são fechados e/ou selecionados no século III da era comum!
Feitas essas considerações, eu diria que “Êxodo” não é um filme confessional, mas um épico que tem como personagem central Moisés, que se torna no olhar de Ridley Scott mais um de seus heróis que é forte, corajoso, justo e com princípios morais que busca salvar uma população em perigo; assim como foi “Gladiador” (2000) e “Cruzada” (2005). O Moisés de Ridley Scott pouco tem, ou nada tem, do Moisés que está no livro de “Êxodo”.
A meu ver, Moisés de Ridley Scott, é mais um personagem dentro da história de produções do diretor e, dialogando com a lógica do mundo ocidental, entende a salvação dos oprimidos como algo a ser feita por intermédio de um indivíduo com determinados tributos para ser categorizado como o escolhido. E por isso mesmo, Moisés é um comandante valente e justo, respeitado por todos. É aquele reconhecido em presságios e profecias como um grande homem destinado a uma grande missão.
O diferencial desta obra talvez seja o fato de haver uma tensão estabelecida entre o divino e o homem honrado. O que choca a nós cristãos, e judeus, acredito, é a tensão que se dá, por vermos um Moisés descrente da religião e que entende os discursos religiosos como algo a abrir margem para o fanatismo e o fundamentalismo. Sendo assim, um Moisés que está longe do mundo antigo, este é um Moisés do século XXI. E que mesmo após o seu encontro com Deus, continua racionalizando a sua fé. Fazendo críticas a um Deus que por vezes se apresenta como cruel e capaz de qualquer coisa para obter seus desejos. O segundo momento da tensão, é quando Deus percebe que Moisés não era um comandante tão bom assim, resolvendo ele mesmo agir em prol do seu objetivo.
Finalizando o que podemos ver no filme é uma percepção do mundo contemporâneo ocidental, em que por vezes grupos religiosos ao assumirem o poder acabam por tentarem impor suas visões de mundo como as verdadeiras, ignorando a diversidade religiosa, étnica, cultural e sexual. “Êxodo: Deuses e Reis” é a leitura de um diretor brilhante, capaz de executar cenas belíssimas e muito bem trabalhadas em riquezas de efeitos e detalhes, sobre um conto mítico que vem sendo visto e relido ao longo da história. A produção de Ridley Scott é um magnífico exemplo de como usamos e abusamos do passado (ainda que seja um passado inventado) para tratamos de nossas impressões sobre o tempo presente. O Filme é bom, vale a pena assistir.