O Quarto do Filho
O cineasta Nanni Moretti traz às telas o retrato de uma família bem estruturada e feliz, residente na pequena Ancona, Itália. O pai Giovanni, um psicanalista – interpretado pelo próprio Moretti, a mãe Paola (Laura Morante), e os filhos adolescentes Irene (Jasmine Trinca) e Andrea (Giuseppe Sanfelice) retratam momentos em família onde o telespectador assiste ao retrato do que seria o ápice da harmonia familiar.
Em uma manhã de domingo Giovanni convence o filho a não sair com os amigos para participar com ele de uma corrida pela cidade, numa tentativa de reaproximação com Andrea depois do episódio ocorrido na escola onde Andrea fora acusado do roubo de um fóssil – o que de fato acontecera, segundo a confissão do garoto para com a mãe. Interessante como o filho confessa apenas à sua mãe o que acontecera.
Bem nesse momento o telefone toca e Giovanni percebe ser um de seus pacientes a pedir ajuda. Ele tenta remarcar para o dia seguinte, mas o paciente insiste numa consulta naquele mesmo dia. Giovanni vai ao encontro do paciente e deixa para depois a corrida com Andrea.
Cada membro da família segue seu rumo, mas um deles não retorna. Ao chegar em casa, Giovanni se depara com a notícia de que todos tentam escapar: a morte. Seu filho Andrea havia morrido num acidente quando praticava mergulho com alguns amigos.
Daí por diante o que se vê é a fragilidade do psíquico humano, a fragilidade da vida, a fragilidade das relações. A família se afasta, se desmorona, cada um trancado na sua dor. Giovanni não se conforma com a frase dita pelo padre na missa do filho: “Se o dono soubesse quando a sua casa seria roubada, tomaria conta dela.”
Se Giovanni soubesse o que aconteceria com Andrea jamais teria ido ao encontro do paciente. Mas “Você não é responsável por tudo o que acontece” disse o próprio Giovanni a um outro paciente no início do filme. Se para o paciente serviu essa frase, para Giovanni ela não teve efeito nenhum. Desde a morte de seu filho ele não mais conseguia atender bem aos pacientes e transferiu a sua dor de tal forma ao paciente que o chamou naquela manhã de domingo que chegou a ser grosso com o mesmo. Foi então que Giovanni decidiu afastar-se do consultório.
A mãe, Paola recebera uma carta de uma namoradinha de seu filho, Arianna (Sofia Vigliar) que não sabia do acontecido. Lutou até que conseguiu conhecer a moça, como se isso, de certa forma, trouxesse Andrea de volta. Algumas fotos de Andrea em seu quarto, no Quarto do Filho, foram mostradas pela moça, num ângulo diferente para Giovanni.
A dor da perda de uma pessoa querida, de um filho. O antagonismo que há nessa situação: “pais que vêem o filho morrer” é explicitado de tal forma no filme que o telespectador sente-se também angustiado. O lidar com a dor, com a culpa, com a perda, a fragilidade humana, o “faça o que digo e não faça o que faço” são temas abordados nessa obra de Moretti.
Um outro fato relevante na trama é a sensação de impotência que o pai deixa transparecer em não poder incutir nos filho os seus conceitos e suas idéias quando diz que o Andrea, ao perder uma partida de tênis, perdeu porque quis perder, enquanto o garoto diz que perdeu porque não estava num bom dia, não jogou bem. O pai não se conforma que um jovem não tenha sede de vencer. Mas Andrea não pensa dessa forma. Giovanni sente-se, de certa forma, frustrado por correr o risco de não ter dado a educação correta aos filhos. Em uma outra cena, vê-se Irene, a filha de Giovanni em situação que deixa transparecer um comportamento ou uma tendência a comportamento homossexual, mas isso não é explorado no filme, senão de uma forma sutil.
Após a morte de Andrea os pais passam o tempo todo em busca de coisas que tragam a lembrança de Andrea, tentam reviver as situações, (re)ouvir as músicas como se isso pudesse de alguma forma aliviar a dor e o buraco causados em suas vidas.
É a presença de Arianna, com um suposto namorado que traz à família de Andrea um sentido, uma esperança, um aviso de que a vida, mesmo diante das perdas, continua. A estrada não cessa e é preciso aprender a lidar com as dores. A presença de Arianna, passageira, seguindo em frente, faz com que a família se reencontre na estrada, unindo as dores e juntos aprendendo a lidar com ela (a perda).
“Você não é responsável por tudo o que acontece”.