Casablanca
Tive contato com esta preciosidade do cinema há pouco tempo, coisa de dois anos mais ou menos. Apesar de tardiamente, o impacto talvez tenha sido tão vigoroso quanto o sentido por aqueles que presenciaram seu lançamento no longínquo ano de 1942. O contexto histórico em que atualmente estamos inseridos talvez tenha contribuído para isso. Esse é um dos pontos que me fez escolher a obra: a surpresa. Não tenho dúvida de que um dos efeitos da arte deve ser o espanto, a surpresa, o susto. Ferreira Gullar já dizia que o poeta nada mais é do que o cara que traduz o espanto. Sem mais digressões supérfluas, vamos ao longa.
O filme retrata o reencontro de um casal, anos depois de viver intenso romance, durante a II GM, em Casablanca, onde Rick Blaine (Humphrey Bogart) comanda o cassino mais badalado da região. O roteiro seria demasiado simplório se não fosse, a nosso sentir, por um detalhe: os diálogos rápidos e contundentes. Nenhuma palavra do roteiro é em vão. Até um monossílabo tem força expressiva. Rick talvez seja o personagem mais interessante, enigmático, inteligente e insondável que já tenha visto no cinema. Toda áurea cínica e inquebrantável cede espaço, porém, quando reencontra seu antigo affair, Ilsa (Ingrid Bergman). É que perto da mulher amada ele é só um garoto, diria Leoni. Um outro Rick se descortina. Vulnerável, de brio ferido, moído pela paixão lancinante que o retorno súbito da Ilsa restabelecera. Rick agora se divide entre o austero, inflexível e apolítico administrador do cassino Rick´s e o despedaçado, passional e melancólico sujeito que vê sua antiga amada nos braços de outro (ela ressurge, para sua surpresa, casada com Victor Laszlo, importante membro da resistência ao Nazismo).
A partir daí ocorre uma série de desdobramentos que fazem desse longa uma obra-prima. Intriga, suspense, humor, romance, diálogos inteligentes são alguns ingredientes que farão qualquer um se amarrar no filme. O início e o final, de certa forma, se mostram entrelaçados. Rick, em sua primeira aparição, surge jogando xadrez o que indica uma espécie de previsão para o desfecho xeque-mate. Destaque para a música "As Time Goes By", imortalizada na voz Dooley Wilson e para a interpretação do asqueroso, venal e mordaz Chefe de Polícia, Louis Renault (Claude Rains).
Abaixo, alguns diálogos que reputo célebres:
- Vou te ver hoje à noite?
- Nunca planejo com tanta antecedência.
- O que, em nome de Deus, o trouxe à Casablanca?
- Minha saúde. Vim pra cá por causa das fontes.
- Quais fontes? Estamos no deserto!
- Fui mal informado
- Vendem-se muitos vistos nesse bar, mas sabemos que você nunca vendeu nenhum. Esta é a razão pela qual permitimos que você permaneça aberto.
- Achei que era porque eu deixava que ganhasse na roleta.
-Em Casablanca eu sou o senhor do meu destino.
(entra um funcionário do Cassino para anunciar a chegada de um alto oficial alemão)
-Major Strasser está aqui, senhor.
-Você dizia o quê? -Pergunta Rick.
Após sentar à mesa junto com o Major e o Capitão corrupto, o oficial alemão indaga:
- Incomoda-se de responder algumas perguntas? Extraoficialmente, claro.
- Pode ser oficialmente, se quiser.
- Qual a sua nacionalidade?
- Sou um bêbado.
- Isso faz de Rick um cidadão do mundo, atalhou o capitão.
-Soube que veio de Paris para cá depois da ocupação.
- Não creio que isso seja segredo.
- É uma dessas pessoas que não pode imaginar alemães em sua amada Paris?
- Não é particularmente minha amada Paris.
-Pode nos imaginar em Londres?
- Quando chegarem lá, me perguntem.