A Baleia / The Whale (2022). Direção: Darren Aronofsky. Roteiro: Samuel D. Hunter. Com Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Sink, Ty Simpkins.
Ouvi dizer que este drama ganhou alguns prêmios, sendo aplaudido por 10 minutos no Festival de Veneza. Não vou falar do merecidíssimo Oscar de melhor ator ao lindíssimo Brendan Fraser: ele prova que é – sempre foi – muito mais que um rostinho bonito. Vou falar da excelente escolha de Darren para cada papel – não consigo imaginar pessoas mais perfeitas para cada personagem!
Ainda que Brendan tenha passado por 6 horas de maquiagem cada vez que fosse encarnar Charlie, são seus olhos profundamente meigos, inocentes, intensos que mais caracterizam o professor universitário de curso on-line de Literatura e Redação Criativa. Porém, ao exercer sua profissão, mantém a câmera desligada, em uma estratégia para calar o julgamento alheio acerca de sua aparência e valorizar o que tem a ensinar. Depois de perder “alguém muito próximo”, ativa a compulsão alimentar e se torna vítima de obesidade mórbida. Já sabemos assim, no início do filme, que Charlie não ficará muito tempo neste mundo.
Antes disso, ele terá duas missões: expiar sua culpa por ter abandonado a filha, Ellie, quando ela tinha 8 anos e deixar uma última lição a seus alunos (ou a nós?), a mais importante de suas vidas.
Poderia ser uma história grotesca, que nos faz sentir repulsa por determinados comportamentos, como a compulsão alimentar, a cegueira religiosa ou, especialmente, a crueldade de Ellie. Poderia ser somente isso, e a história terminar com um enterro em uma tarde chuvosa. Mas não é essa a mensagem desse roteiro brilhante. Todos os personagens têm algo importante a dizer, muitas vezes sem palavras. Todos nos tocam, a todos entendemos: podemos nos ver em cada um.
Nossa simpatia por Charlie vai muito além da empatia ou comiseração. Charlie nos ensina a redigir nossa vida – os erros nessas linhas são perdoáveis; o que não é perdoável é não ser verdadeiro. Ele nos ensina que, por trás de toda pessoa cruel, há ódio; por trás desse ódio, uma dor, e por trás de toda dor, um amor embotado.
Os olhos gentis de Brendan, sob camadas da maquiagem, iluminam o rosto de Charlie e transmutam a dor de cada um que o visita. Olhos que assumem suas dores físicas, seus erros, suas culpas, seu mais mundano e avassalador amor – que foi entregue àquela “pessoa próxima” – e seu mais sincero e puro amor – que deixa como legado a Ellie. Charlie, com seus quase 300 kg, poderia ser uma aberração, mas nos faz flutuar.
É um filme difícil, é um filme doloroso. Quando termina, você sente vontade de aplaudir, não sei por quantos minutos, enquanto, com choro engasgado, permite um breve sorriso: muito bem, Charlie, muito bem! Sem dúvida, um dos melhores filmes que já vi nos últimos tempos.
Merece mais que prêmios, merece ser assistido, e “sentido”.