O cinema experimental de Walt Disney

 

O CINEMA EXPERIMENTAL DE WALT DISNEY

Miguel Carqueija

 

Resenha de “Fantasia” (Fantasy), animação de longa-metragem. Walt Disney Productions, Estados Unidos, 1940. Produção: Walt Disney. Apresentação: Deems Taylor. Participação da Orquestra Filarmonica de Filadelfia regida por Leopold Stokowski. Diretores das sequências: Wilfred Jackson, James Algar, David Hand, Hamilton Luske, Ben Sharpsteen, Norman Ferguson e Samuel Armstrong.

 

O que terá levado Walt Disney, após o sucesso monumental de “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), a se arriscar numa aventura que seria no mínimo dificilmente compreendida pelo público e pela crítica? Creio que por ser ele um gênio, estar à frente de sua época, dispor de temperamento audacioso e amar a música dos mestres.

“Fantasia” é um filme de experimentações que mistura cenas ao vivo com animações. A idéia básica é interpretar com imagens o que a melodia sugere e para tal oito peças clássicas foram selecionadas.

“Tocata e fuga em ré menor”, de Bach, é um ensaio de cinema puro, onde as imagens são aleatórias e apenas acompanham a música com seus movimentos. É interessante mas o filme inteiro não poderia ser assim.

“Suíte Quebra-Nozes” é o conhecido balé de Tchaikovski. Em vez da lenda do Rei Rato, porém, o que se vê é uma encantadora vinheta com elementais e habitantes marinhos, com impressionantes detalhes da animação mais delicada e estética, “o máximo em desenho”, como disse uma vez meu pai.

“O aprendiz de feiticeiro”, de Dukas, traz o Camundongo Mickey na sua estréia em longa-metragem. É a conhecida (e mostrada de forma engraçadíssima) história do personagem que libera forças que depois não sabe controlar. Não falta uma sátira à megalomania, com Mickey sonhando que controla as forças do universo.

“Sagração da Primavera”, de Stravinsky, pode até ter inspirado Spielberg. É a história da Terra até a época dos dinossauros. O ponto alto é a terrível luta entre o tiranossauro e o estegossauro.

“Sinfonia pastoral”, de Beethoven, serve de base a uma vinheta mitológica que me parece o arco mais fraco de “Fantasia”, assim mesmo com sequências interessantes.

Já a “Dança das horas” de Ponchielli apresenta aspectos hilariantes ao colocar como dançarinos avestruzes, hipopótamos, elefantes e jacarés.

“A noite no Monte Calvo”, de Mussorgsky, é uma peça terrificante sobre a noite de Walpurgis, ou sabá demoníaco — uma sequência de puro terror.

O mal, porém, é quebrado pela sublime “Ave Maria” de Schubert. Uma procissão segue em meio à maravilhosa melodia em honra à Mãe de Jesus Cristo.

Com esta demonstração de fé cristã Walt Disney encerra esta obra-prima inesquecível.

 

Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2018.