“Contato” – um retrato da civilização atual

O filme "Contato" (EUA, 1997, direção de Robert Zemeckis, com Jodie Foster e Matthew McConaughey nos papeis principais) é uma daquelas ficções científicas que têm o dom de fazer, através do ainda não sucedido, o real parecer mais evidente. É um prodigioso retrato da sociedade atual. O filme baseia-se no livro homônimo (1985) do célebre astrônomo e escritor Carl Sagan, que foi extremamente sagaz em perceber e descrever com maestria as reações da humanidade frente a acontecimento inusitado: o contato com inteligência extraterrestre.

Ellie (Eleanor), a protagonista principal, é uma jovem, talentosa e, sobretudo, perseverante e aguerrida astrônoma, que desde a infância torna-se obstinada em procurar contactar interlocutores distantes. No início dialoga com radioamadores, como uma angustiada tentativa de conectar com a mãe que ela não conhecera, morta durante o parto. Depois, notável astrônoma, Ellie renuncia a atraentes convites acadêmicos para dedicar-se incansavelmente à sua paixão, renegada pelo meio científico. Traços marcantes de sua forte personalidade: brilho, rigor científico e ceticismo religioso.

A compreensão que Carl Sagan demonstra da natureza humana aparece no caráter dos personagens principais e nos eventos que se sucedem após o que pode ser um contato. Cientistas e políticos roubam o mérito das descobertas, e mesmo encobrem-nas, para promoção de suas próprias carreiras, relegando Ellie a um papel secundário na aventura da humanidade que se segue. Para desqualificá-la, não poupam apelar para o fato dela se declarar adepta da ciência, e não da fé religiosa. O livro e o filme têm preciosos debates entre Ellie e o teólogo Palmer Joss, com o qual ela chegou a ter um efêmero envolvimento. Não sem algumas discretas pitadas de questões de opção de gênero. Os dois questionam-se sobre acreditar ou não naquilo de que não se tem evidência, seja na ciência, seja na fé religiosa.

As reações coletivas às descobertas de Ellie também parecem ser uma reveladora visão do comportamento social: imensas romarias de fanáticos, programas televisivos contraditórios sobre a natureza e a credibilidade das revelações, criação de novas crenças religiosas, oportunismos e mercantilismos de toda espécie, radicalismos terroristas. E, principalmente, o negacionismo, o repúdio extremado à ciência que afronta o senso comum e tudo o que já se conhece, ou que se julga conhecer.

Há várias preciosidades ao longo do filme. Uma delas é a resposta de Ellie à questão do que ela perguntaria a um extraterrestre supostamente muito mais evoluído que nós: ─ “Perguntaria como foi que sobreviveram à adolescência de sua civilização”. ─ Uma referência ao desvario da adolescência de nossa própria civilização, e dos temores de que não sobrevivamos a ela. Outra é a afirmação de que a humanidade é uma espécie interessante: “capaz de sonhos tão maravilhosos, e de pesadelos tão pavorosos”.

A trama tem ainda o grande mérito de um clímax que não abandona os seus principais temas: o contato, a ciência, a tecnologia versus fé; a apropriação que é feita pelos detentores do poder de tudo aquilo que subverte o conhecimento e o consenso.

Contato é uma história imperdível. Atualíssima, apesar de estar completando seu jubileu de prata no cinema. Convincente transposição para a tela do ótimo livro de Carl Sagan.