O passado (El Passado – 2007 – Hector Babenco)
Rimini, um tradutor, e Sofia formam o casal perfeito, e começamos o filme vendo uma celebração do aniversário de sua união, com os melhores momentos em vídeo que a família prepara e demais ritos festivos. Mas ao longo da cena inicial já vemos que pelo semblante de Rimini, a coisa não vai tão bem assim. E é com o desfecho desse “epílogo” que após 12 anos juntos o casal se separa.
O filme do brasileiro Hector Babenco é seco, seus cortes bruscos são praticamente uma marca registrada e assim acompanhamos Rimini desde seu término até o desfecho do longa, em que em um movimento circular nos prende com a intensidade das atuações, a sinceridade dos diálogos e a historia que vai se enrolando na psique do tradutor. Devendo-se ressaltar que para o espectador que vai desavisado para o cinema, o filme pode parecer meio estranho, pela passagem de tempo sem referências.
O filme vai se concentrar basicamente no sexo. Rimini se separa de Sofia e no processo de sua separação vemos que os dois não deixam de sentir afeto ou simpatia pelo outro, mas deixa perceber que o impulso sexual entre o casal terminou e com isso toda a vontade de viverem juntos. O que parecia no começo uma separação de comum acordo, sensata e normal, vai se tornando doentia com o passar do tempo.
Sofia não consegue se livrar do passado e introduz toda sua frustração nas fotos do casal, que em 12 anos acumularam-se e contam a história, o pedaço da vida dos dois em que essa relação durou, e ela faz questão, que Rimini a ajude a separá-las, que tem toda a conotação de superá-las também. E ao longo da vida dele, ela faz aparições constantes. Mesmo que ele não esteja mais envolvido com ela.
Ainda sim temos a sucessão, logo após do término, de casos em que Rimini vai se envolvendo e pela edição do filme vemos como o sexo é importante nessa redescoberta de sua vida, como se estivesse morto por dentro, ou sedento, e com isso fosse se remodelando para uma vida nova e viva, estimulante. O que pelo próprio ritmo empregado pelo diretor, nos diz que também não é pleno de sentido. E ao guardar a única foto que leva de Sofia ao se separar percebemos que ainda ficou uma forte marca do passado em sua vida.
O contraponto da sua condição é perfeitamente visto com a sua profissão. Como tradutor ele conhece bem os dois lados e interpreta e traduz os filmes e textos e com isso vemos que mesmo nessa transição de sentidos, ele não consegue estabelecer a tradução de seu sentimento para o passado e do passado para ele atualmente, coisa que fica ainda mais notória quando, em relação a algum problema, ele vai perdendo a memória, mas somente a memória referente ao seu conhecimento das línguas, como se fosse perdendo o contato com o mundo e não conseguisse fazer essa transição do mundo para si, e definhando aos poucos chega em um momento de total depressão em que nada mais tem sentido, pois sem memória estamos confinados a uma eterna sobrevivência sem rumo e sem vida.
A medida que vai perdendo o contato com o mundo, se enclausurando em seu apartamento e se tornando um selvagem, sua vida vai desmoronando e o ápice é quando é resgatado, como se o filme dissesse claramente que sozinho ele nunca iria conseguir sair daquela condição. Então, salvo de sua morte mental, ele arruma outro emprego, que não necessite muito de sua memória parca das traduções, e como personal trainer reestrutura sua vida. Até que conhece uma mulher na academia em que trabalha.
Ao longo de toda a trama vemos Sofia em um processo de degeneração de igual ponta, sua obsessão com Rimini a vai deteriorando até o ponto em que em uma atitude desesperada pede algo que é tão surreal e fora dos limites, que Rimini não pode aceitar, e culmina a atitude que vai levá-lo ao estado de depressão. Essas aparições de Sofia servem para sempre lembrar, pontualmente que o passado está lá, presente, e não adianta tentar fugir, ele vai acabar te reencontrando. Como se a memória fosse por si só um ente que decide apesar de nossas vontades.
Sem entrar muito em detalhes que comprometeriam a boa fruição do filme, o terço final é tocante. Se vemos uma Sofia mais confiante e praticamente curada, já que se organiza com outras pessoas que sofrem do mesmo mal para se motivarem e tratarem-se, ela consegue o seu intuito, e seu pedido é realizado por Rimini, que vai a sua casa para lidar com as fotos, como se aquele reencontro com o passado fosse o salto definitivo para superá-lo. E vemos como que em sua fraqueza nem nesse momento ele é capaz de sobressair, pois em uma atitude paradoxal, ele esconde fotos que relembrariam seu passado, assim como saiu somente com uma foto de casa quando rompeu com Sofie, assim também ele vai sair novamente, como se o passado não o tivesse feito abrir os olhos para esse perigo, e se isso não fosse bastante, ainda tem um encontro mórbido com suas lembranças, que o faz no fim, ceder a Sofia e conceder ainda seu ultimo desejo. Antes de sair de casa, pela porta da frente, agora com outra foto, com outro peso do passado, com se o ciclo fosse se repetir eternamente. Deixando claro, com essa conclusão, que o filme além de um estudo de personagens magnífico é ainda um sinal de como nossas memórias podem tomar nossas vidas e fazer de nós meros reativos delas, meros zumbis que sofrem hoje pelo que lembramos simplesmente.