Zelensky, um herói improvável
Olá, leitor.
O que está achando do drama real que se desenrola diuturnamente no leste europeu? Nele, dois protagonistas se destacam.
Um, um autocrata mentiroso, dissimulado, assassino que mata opositores, ex-espíão da KGB (que se considera um James Bond russo, mas que está mais para "o satânico Dr. No"), talvez um perigoso megalomaníaco (à la Hitler), sentado sobre o maior arsenal nuclear do mundo, capaz de pulverizar o planeta, o presidente russo chamado Vladimir Putin (idolatrado pelo Bolsonaro, que, oferecendo solidariedade ao vilão da hora, pisou mais uma vez numa casca de banana).
O outro, um herói improvável: um ex-ator comediante, participante da versão ucraniana do "Dança dos Famosos", dublador num filme do ursinho Paddington, o presidente ucraniano chamado Volodymyr Zelensky. Incrivelmente, contra todas as expectativas e o bom senso, no seu confronto com a enorme força bélica do seu oponente, está resistindo bravamente, com seu exército bem inferior, em homens e armas, recusando-se a abandonar seu povo. Incentivou este a defender-se com o que pudessem, como com coquetéis Molotov. Uma frase sua já se tornou histórica. Oferecendo-se para buscá-lo para fugir de Putin e refugiar-se no país, os EUA receberam a resposta que ficará para a História: "Preciso de munição antitanque, não de carona". Parece ser um herói de ficção, mas é de verdade. Ontem, 01/03/2022, depois de manifestar-se, por vídeo chamada, numa reunião do Parlamento Europeu, foi aplaudido de pé pelos parlamentares da União Européia.
Por mais que os analistas políticos façam previsões pessimistas sobre o fim dessa guerra (muitos deles quebraram a cara prognosticando a queda da Ucrânia em poucos dias, dada a enorme discrepância de forças), ainda não sabemos como vai terminar. Mas, mesmo que Zelensky venha a ser preso ou morto por Putin, ele ficará na História da Ucrânia como um de seus heróis ou mártires, e também assim será considerado pelo mundo inteiro. Quem diria, um comediante que muitos menosprezaram (incluindo Putin, Bolsonaro e muitos analistas políticos) surpreende o mundo.
Quando, recentemente, há algumas semanas, assisti ao filme japonês "The Floating Castle" (O Castelo Flutuante, 2012), no Festival de Cinema Japonês 2022 (disponibilizado on-line gratuitamente em fevereiro deste ano)*, a guerra ainda não tinha começado. Mas quando esta começou e toda essa dinâmica passou a ocorrer com esses dois protagonistas, nessa guerra Ucrânia versus Rússia (um verdadeiro Davi contra Golias), não pude deixar de perceber, surpreso, uma semelhança notável entre o filme e esse drama real que se desenrola no leste europeu. O protagonista do filme, Nagachika Narita, é um jovem bem-humorado, que, por circunstâncias do destino alheias à sua vontade, é obrigado a assumir o comando de seu castelo, bem no momento tenso em que este está ameaçado de ser atacado pelo exército de 20000 soldados do todo-poderoso "daimyo" (espécie de grande proprietário de terras) Hideyoshi Toyotomi, que deseja unificar o Japão. Nagachika só tem 500 soldados a seu dispor. Ele, como Zelensky, na coincidência mais impressionante da comparação, é também um ator comediante, adorado pelos camponeses pobres que vivem no entorno do castelo. Contra todos os prognósticos, ele decide enfrentar o poderoso exército, e, para isso, além do pequeno mas aguerrido grupo de 500 soldados, vai contar com a ajuda dos camponeses, que vão auxiliar na defesa do castelo com as armas que têm à mão.
Por ter assistido ao filme tão recentemente e mantê-lo ainda fresco na memória, pude fazer esse paralelo incrível da história (que é baseada em fatos históricos reais do Japão antigo) com essa guerra que se desenrola na Ucrânia.
Penso naquela conhecida frase: "A arte imita a vida". Mas aqui ela se inverte para: "A vida imita a arte".
* Filme "The Floating Castle" (O Castelo Flutuante)
Japão, 2012
Direção: Isshin Inudo e Shinji Higuchi
Elenco: Mansai Nomura, Nana Eikura, Koichi Sato