O coelho sem eira nem beira

O COELHO SEM EIRA NEM BEIRA

Miguel Carqueija

 

Pernalonga ainda não existia quando o Coelho Osvaldo (Oswald the lucky rabbit, ou Osvaldo o coelho sortudo) foi criado por Walt Disney e Ub Iwerks em 1927. Era distribuído por Margaret J. Winkler, tida como a primeira mulher produtora cinematográfica e distribuidora de desenhos animados.

É relativamente conhecida a história de que Walt Disney, que dirigia os desenhos de Oswald, ao tentar algumas mudanças no personagem acabou descobrindo que não possuía os direitos legais, e o coelho foi simplesmente surrupiado por Charles Mintz, esposo de Margaret e que, ao que consta, realmente controlava a Winkler Pictures. Essa usurpação deu-se em 1928, o que levou Walt a criar sua maior vitória, o Camundongo Mickey, que não era muito diferente visualmente do coelho.

Charles e seu irmão George passaram a produzir as animações de Oswald, mesmo não sendo creditados, e “Weary Willies”, de 1929, deve ter sido dirigido por Isadore Freleng, que mais tarde assinaria I. Freleng. É o que se deduz de seu nome na tosca ficha técnica desde desenho ainda primitivo e mudo, quando já em 1928 Disney produzia o Mickey com som.

“Weary Willies” segundo o dicionário de inglês seria “arrepios cansados” ou talvez “cansados e arrepiados”. Desenho curto, mostra Oswald como um coelho voluntarioso, que gosta de bater boca, mas que não tem eira nem beira, viaja de carona clandestina no trem, é perseguido pelo guarda bizarro, que se esconde dentro da própria calça, e se junta com um vagabundo de estrada que, usando perna de pau, parece o mesmo Pete que já aparecia em animações de Disney desde o tempo de Alice, e que vem a ser o conhecido João Bafodeonça, inimigo do Mickey. Como o personagem aparece sem nome no desenho referido, é de crer que o estúdio de Winkler aproveitou a figura, que porém continuou a ser utilizada pelo Walt. Afinal eram personagens pouco delineados, mais tarde é que o Pete ficou inconfundível.

O fato é que Oswald e seu amigo ficam um bom tempo buscando roubar um frango assado deixado esfriando numa janela. Já vi isso várias vezes em quadrinhos e desenhos, e até no Chaves, mas na vida real nunca soube que alguém deixasse frangos assados, bolos e tortas esfriando na janela, pedindo para serem roubados.

O desenho é tosco, certamente, e a história insignificante, mais para divertir, embora tais animações primitivas em preto-e-branco e mudas sejam hoje vistas como bem primárias. Apesar de certas criatividades surreais, como o coelho ser mordido e praticamente esfolado vivo (nada chocante) pelo cachorro e, vendo-se todo branco e sem a pele negra, resolve tudo vestindo a própria sombra (sic).

Posteriormente Oswaldo acabou ficando com Walter Lantz, o criador do Pica-pau, chegou nos quadrinhos e adquiriu melhor aparência de coelho, mas há muito andava esquecido. No atual milênio, porém, a Disney recuperou os direitos do personagem. Mas do jeito que a Disney está não sei se vai valer a pena.

 

Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2022.