Resenha crítica do filme “Como estrelas na terra, toda criança é especial”
Freire, Jeswesley Mendes.
O filme “Como estrelas na terra: toda criança é especial” retrata a história de um menino de 9 (nove) anos de idade, Ishaan Awathi, filho problemático de uma família constituída de um pai conservador, uma mãe superprotetora e um irmão com postura exemplar. O pai de Ishaan é um homem “dos negócios”, calculista e que tem pouco para a família. A mãe é o alicerce da casa, ela tenta a todo custo fazer com que as coisas andem bem no seio familiar para que não haja interferência direta do pai, por receio às suas atitudes extremadas. O irmão, Yohaan, é um filho e aluno exemplar, era perfeito em tudo que fazia, o primeiro da turma na maioria das disciplinas, um esportista perfeito, enfim um filho “ideal”.
A família retratada tinha tudo para ser perfeita segundo os padrões indianos, mas Ishaan, personagem principal da trama, não se encaixava nos modelos de filho, aluno ou quaisquer arquétipos definidos como o ideal. Ishaan não conseguia se sair bem em nada que se disponibilizava a fazer nem nas tarefas de casa, da escola e ou até mesmo nas brincadeiras com os vizinhos na rua. Ele sempre se metia em encrencas, por isso vive sempre isolado, onde cria um mundo com realidade paralela e dá asas a sua fabulosa imaginação. Ishaan não consegue verbalizar adequadamente seus sentimentos e dúvidas diante da vida, mas expressa-se perfeitamente através do desenho e da pintura, percebendo com a sua sensibilidade questões do mundo real que as pessoas “normais” não conseguem.
Ishaan já foi reprovado no 3º ano uma vez corre o risco de ser reprovado novamente. É marcante um trecho do filme no qual Ishaan relata que não consegue fazer a leitura de um trecho porque “As letras estão dançando” e todos riem dele. Os pais não entendem as razões dos problemas que o filho apresenta, supostamente, pois Ishaan tem tudo que uma criança da sua idade precisa para se desenvolver plenamente na escola e na vida. As cobranças do pai são severas, a mãe e o irmão tentam ajudá-lo, mas não conseguem.
Devidos aos inúmeros e recorrentes problemas na aprendizagem, os pais de Ishaan são chamados na escola do filho e são informados de sua incapacidade para os estudos naquele educandário. O pai, após ameaças feitas no início do filme, decide matriculá-lo em um colégio interno como forma de punição e Ishaan sofre absurdamente com a sua separação da família.
Na nova instituição escolar, Ishaan se depara com uma nova realidade, o lema é “Disciplinar cavalos selvagens”, pois naquela escola os professores repelem quaisquer chances de as crianças se comportarem crianças, lá os alunos são preparados para o mercado de trabalho, característica com a qual o pai se identifica e agrada do colégio. Seu sofrimento é tão grande que Ishaan perde o interesse por tudo, inclusive pelo desenho. Seu desempenho na escola continua ruim e ele não consegue aprender a ler e a escrever com as atitudes autoritárias e opressoras do professor.
Em um certo dia, o professor opressor de Ishaan precisa ser substituído e dá lugar a um novo docente na escola. Este trabalha em dois turnos, desenvolvendo o seu fazer docente enquanto educador em uma escola para alunos especiais. A partir das novas metodologias empregadas pelo professor substituto, Ishaan vê seu mundo tomar novas formas.
O novo professor o vê como um aluno especial e procura de todas as maneiras possíveis entender Ishaan, chegando a visitar seus pais. Durante a visita seu feeling de educador compreende as dificuldades pelas quais o menino passa e expõe aos pais, Ishaan sofre de dislexia , mesmo diante dos fatos não conseguem entender e ou saber como lidar com aquelas informações.
O professor informa o diretor da escola sobre o quadro de dislexia de Ishaan e se compromete a dar aulas particulares a ele fora do expediente de trabalho e pede que o menino seja avaliado através de outros métodos pelos demais professores. A sensibilidade aguçada do professor é tão envolvente que Ishaan o deixa entrar em seu mundo. Ishaan começa a ver a leitura e a escrita de um outro patamar, agora mais claro e compreensível e consegue, finalmente, aprender a ler e a escrever. Seu sucesso é notório e todos ficam admirados com os resultados na aprendizagem daquele aluno que todos julgavam ser incapaz de aprender.
O filme é extremamente detalhista, incapacitando-nos de relatarmos tantas preciosidades a serem absorvidas por nós professores, desde as músicas que enredam a história, os desenhos que Ishaan faz no decorrer do filme até as descrições e comportamentos dos personagens do filme, cada um tem o seu papel fundamental na trama. Essa obra-prima cinematográfica, longe das cenas rodadas e dos altos custos de Hollywood, faz-nos refletir sobre o nosso verdadeiro papel enquanto educadores. Vivenciamos realidades diversas em nosso fazer docente e estas requerem cada vez mais de nós, atitudes maiores que de professores preocupados com o preparo para o mercado de trabalho, devemos adotar posturas que façam de nossos alunos seres humanos letrados e preparados para a vida em sociedade.
Durante todo o filme, somos obrigados a refletir sobre o nosso fazer pedagógico, quantas vezes nos deparamos com educandas(os) como o Ishaan e negamo-nos a compreendê-los. Como dito pelo professor substituto “somos todos especiais” e cada um, sejam professoras(es), alunas(os), pais ao assistir a essa obra de arte passa a ver o âmbito educacional e ou familiar de outros patamares e com perspectivas inovadoras em nossas próprias atitudes, caso não o façamos, estamos sim, prontos a sucumbir diante das mazelas sociais que nos cercam e que a cada dia nos apresentam realidades mais desumanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desse filme, algumas reflexões são possíveis:
1. A arte e a educação são importantes ferramentas de estímulo ao desenvolvimento de qualquer pessoa;
2. Ser pai é mais que fazer um filho e ser educador é mais que ser professor;
3. Todos os alunos são especiais e devem ser compreendidos antes de qualquer fazer pedagógico, pois ser diferente é normal;
4. Inovações pedagógicas são necessárias durante toda a nossa vida enquanto professores;
5. O impossível está na cabeça daquele que não faz tentativas;
6. As inteligências múltiplas devem ser exploradas e valorizadas;
Poderia eu citar diversos outros ensinamentos que o filme transmite, contudo me prenderei às modificações das minhas teorias e práticas pedagógicas, pois ao vivenciar essa experiência e após as aulas da disciplina de Aspectos Sociocognitivos e Metacognitivos da Leitura e da Escrita, encontro-me, sensivelmente, motivado a estabelecer mudanças significativas em minha prática docente como professor de língua portuguesa.
Reconheço que os obstáculos são muitos, porém, sei que, hoje, sou capaz de promover a minha transformação no que diz respeito aos diversos tipos de letramento em âmbito escolar. Em meus estudos aprendi com Cagliari (1997, p. 172) nos ensina que
Alguns tipos de leitura, como instruções e problemas de matemática, exigem que o leitor primeiro tome conhecimento do texto inteiro, depois releia-o por partes e em seguida encadeie essas partes segundo resultados ou cálculos anteriores, até chegar ao fim. Uma leitura de textos desse tipo só se completa quando se conclui o que eles pedem que se faça ou calcule. Antes disso, a compreensão do texto é parcial ou, se quiserem, apenas “linguístico-literal”, o que não faz muito sentido como o procedimento matemático mecânico.
Partindo dessas assertivas, destaco o fato da leitura e da escrita serem processos concomitantes, sendo inviável qualquer tentativa de distanciá-las na ampliação do letramento formal. Enquanto falantes é natural o domínio da linguagem oral, mas a propriedade da escrita dar-se-á a partir do contato direto com textos verbais e a escola é o ambiente propício para que isso aconteça. Conforme avalia Bortoni-Ricardo (2013)
[...] considerar uma transgressão à ortografia como erro também não significa considerá-la uma deficiência do aluno, que dê ensejo a críticas ou a um tratamento que o humilhe. O domínio da ortografia é lento e requer muito contato com a modalidade escrita da língua. Dominar bem as regras de ortografia é um trabalho para toda a trajetória escolar, e quem sabe, para toda a vida do indivíduo (BORTONI-RICARDO, 2013, p. 55).
Em consonância com Bortoni-Ricardo, Cagliari (2015) afirma ainda que
O aluno que não aprende é, muitas vezes, um caso perdido. Para resolver essa resolver, essa questão, é preciso que o professor seja um pesquisador com informações científicas adequadas para avaliar o fracasso em função de dos fatos que revelam essa situação, buscando, em seguida, as causas e as alternativas de ensino e de aprendizagem (CAGLIARI, 2015, p. 28-29).
Sendo assim, constitui suma importância a desmistificação por parte de nós, professores de língua materna, no que diz respeito à irreversibilidade das possíveis dificuldades na aprendizagem dos nossos alunos, apontando conhecimentos que suscitem o nosso senso investigativo em prol do entendimento e da minimização das dificuldades de nossos alunos. Apenas a título de exemplo até esta etapa no curso de mestrado, esses dois autores, assim como o filme “Como estrelas na terra, toda criança é especial”, fizeram-me perceber o quanto procedi o meu fazer docente de forma equivocada por falta dos conhecimentos necessários, mas hoje, enquanto “professor pesquisador”, não posso mais me apoiar em “muletas” educacionais ultrapassadas do não posso, não consigo, não farei, devo sim, assumir uma postura de construtor de pontes entre os meus alunos e o saber.
REFERÊNCIAS
BORTONI-RICARDO, Stella Maris; OLIVEIRA, Tatiana de. Corrigir ou não variantes não padrão na fala do aluno? In: RICARDO, Stella Maris Bortoni-Ricardo, MACHADO, Veruska Ribeiro (org). Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013.
CAGLIARI, Luiz Carlos; GIOVANI, Fabiana. Letras e textos. In.: Reflexões sobre o fracasso escolar na alfabetização. São Paulo, 2015, 186p. (pág. 13-33).
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 1995.
Site Léxico: dicionário de português on-line. Disponível em: http://www.lexico.pt/dislexia/. Acesso em 14 de out. de 2016.
YouTube. Filme disponível em: http://zip.net/bhtvlc. Acesso em: 1º de out. 2021.