Boas comédias indianas na Netflix sobre religiões e costumes
A Índia, país com mais de um bilhão e meio de habitantes, tem a sua própria Hollywood, lá chamada de Bollywood, a maior indústria cinematográfica do país, que movimenta trilhões de dólares, pois os indianos gostam muito de cinema. Com sua imensa diversidade religiosa e cultural, vem rendendo ótimos filmes, de vários estilos, e muitos deles estão na Netflix. Escolhi quatro comédias que abordam essa questão de religiões e costumes:
PK - de 2014 - com Aamir Khan e Anushka Sharma
Direção de Rajkumar Hirani
Este filme, embora tenha gerado muitas críticas e protestos de grupos religiosos indianos, é o recordista de bilheteria em Bollywood. É daquele tipo de comédia quase pastelão, opção que deve ter sido tomada pelo diretor para tratar de tema tão espinhoso como é o das religiões.
PK em hindi me pareceu ser equivalente ao nosso "Tonto", pois este é o nome do personagem principal nas legendas. PK é um alienígena que vem para a Terra coletar informações para o seu planeta. No seu primeiro contato com um terráqueo, este já lhe rouba seu colar comunicador, a única ferramenta que lhe permitiria voltar para casa. Assim começa a busca desesperada pelo ladrão, enquanto tenta aprender como sobreviver, sem entender absolutamente nada dos costumes humanos. Ele, apesar de muito inteligente, é de uma ingenuidade tão grande, que não tem como a gente não rir e não se identificar com suas perguntas e observações infantilizadas diante das esquisitices humanas. É por essa ingenuidade que ele leva ao pé da letra quando lhe dizem que, em uma cidade tão populosa como Deli, "somente os deuses poderão lhe dizer onde está o ladrão". Ele vai, de templo em templo, procurando qual dos deuses pode lhe ajudar a recuperar o colar. E faz a maior confusão com os trajes, cultuações e proibições de cada religião, pois, na mesma cidade convivem os deuses do hinduísmo, cristianismo, islamismo e tantos outros que nem sabíamos existir por lá. Até que ele descobre que o seu colar está com um sacerdote hindu charlatão, que afirma ter comunicação direta com seu Deus, através dele. Por sorte, uma repórter disposta a lhe ouvir o auxilia e, através dela, ele também aprende algumas qualidades dos terráqueos. Este filme foi feito para o público indiano, pela sua grande diversidade de crenças e costumes, mas os questionamentos, acredito, se aplicam a todos nós.
OH MY GOD- de 2012 - com Paresh Rawal (Kanji Bhai) e Akshay Kumar (Krishna) direção de Umesh Shukla
Kanji Bhai, um ateu convicto, comerciante, dono de uma loja de objetos sagrados (todos falsificados) tem a sua loja totalmente destruída por um terremoto. Quando vai à seguradora reclamar o ressarcimento pelo prejuízo, o agente lhe diz que a sua apólice não cobre catástrofes naturais, que vá reclamar com Deus. E ele vai. Mesmo sem advogado, entra com um processo contra a Seguradora e também contra Deus (Bhagwan, em hindi), pois, segundo ele, não é nada pessoal contra Bhagwan, são só negócios. O primeiro problema surge no momento de entregar a intimação para Bhagwan, já que ninguém sabe dizer onde Ele reside e nem qual é o Seu nome verdadeiro, pois Ele se apresenta com muitos nomes: krishna, Ram, Brahma, Vishnu, Mahesh, Ganesha... Então, Kanji Bhai resolve entregar uma intimação no endereço de cada templo, lugares onde, supostamente, todos também procuram por seus deuses. Assim, instaura-se um inusitado e engraçado julgamento.
A certa altura (lá pela metade do filme), quando a multidão enfurecida começa a perseguí-lo, um homem misterioso lhe oferece ajuda e muitos ensinamentos.
As falas de acusação e defesa, durante o julgamento, e os diálogos entre Kanji Bhai e o homem misterioso são muito inteligentes. Diz o ditado que as maiores verdades são ditas em tom de brincadeira e é bem isso que acontece neste filme. É pra rir e pensar.
- Pad Man ( Homem Absorvente) inspirado na história real de um empreendedor indiano, que chegou a ser homenageado na ONU, por ter criado e fabricado um absorvente feminino de baixo custo, para as mulheres de sua vila, já que os únicos absorventes à venda são importados e caros. Todas as mulheres que ele conhece sequer usam absorventes, o que, na sua ótica, é degradante, anti higiênico e prejudicial à saúde. Então, ele começa, todo desajeitado, a fabricar os seus absorventes. Há muitas cenas divertidas durante este processo, como quando ele testa o seu protótipo em si mesmo ou quando ele começa a vendê-lo. O filme retrata a pobreza financeira mas, sobretudo, o grande tabu imposto pelas tradições, corroborado inclusive pelas próprias mulheres.
- Toilet: Ek Prem Katha - A trama central é o conflito de um marido, que ama a esposa, mas não tem a coragem de confrontar o pai, com suas tradições, quando ela pede o divórcio por causa dele. O motivo alegado pela esposa é que o sogro não permite que haja um banheiro dentro de casa (assim como todos os vizinhos) por ser incompatível com as orações feitas em seu interior. A esposa veio de uma família bem mais liberal e não se conforma com a condição humilhante a que as mulheres daquele clã são submetidas, levantando-se de madrugada para irem ao mato fazer suas necessidades e ainda cuidando para não serem espionadas. Esta situação, inimaginável para a nossa cultura nos dias atuais, é somente um dos aspectos curiosos do filme que, apesar de se apresentar como comédia, não deixa de ser uma denúncia dos diversos tipos de constrangimento que muitas mulheres ainda passam pelo interior do país.