Imperdoável (The Unforgivable, EUA, 2021)
O filme é novo, mas não vou dar spoiler, pois isso é impossível: o filme é altamente previsível. Exceto pelo desejo de encontrar nele uma mensagem. E também por um presente extremamente pessoal que recebi ao assisti-lo.
Ruth – Bullock, com sua beleza distorcida – matou um policial e ficou presa por 20 anos. Liberta, além tentar sobreviver na sociedade norte-americana por esse erro, ela quer encontrar a irmã que, quando foi presa, tinha apenas 5 anos. Quais serão os problemas que ela enfrentará? Isso podemos imaginar, mas mesmo quando a película acaba, fico me perguntando: De quem é esse perdão que ela não pode receber?
Vários personagens têm a mesma reação ao entrar em contato com Ruth: uma aversão abominável por ter matado, especificamente, um policial. Isso me causa certo estranhamento e desconforto: o imperdoável é ela ter matado um policial, e não uma pessoa. Será que matar uma pessoa com qualquer outra função social é perdoável? Pelo teor do filme, é bem claro que sim.
Por isso, o mais difícil no filme é nos identificarmos com os personagens: não nos identificamos com Ruth nem com aqueles que lhes têm aversão ou lhes viram as costas. Talvez nos identifiquemos um pouquinho com a personagem de Viola Davis, quando ela menciona: “Se um de meus filhos negros tivesse cometido o mesmo erro que você, ele não estaria livre, provavelmente, nem estaria vivo”. Essa é uma infeliz realidade em muitos locais.
Ruth cometeu um equívoco muito grande em sua vida, e não foi o fato de ter matado alguém, mas por ter acreditado em crenças, em ter se incorporado em um sistema que não permite acreditar na verdade e que a justiça existe, seja ela humana ou divina.
A mensagem que encontro no filme vem só quase no finalzinho, quando a história nos mostra que a violência, a vingança, em geral, é produto de outras situações conflituosas que estamos vivendo – não tem relação direta com a vítima. Uma pessoa do bem pode, por ser traída, se deixar levar a lapsos de violência, causando danos a outros e a si mesma...
Mas há uma história paralela, que deveria ser o mote do filme: o amor entre duas irmãs, que, mesmo apagado por um erro irreparável, lateja no coração de ambas. Por isso, creio que o maior equívoco do filme foi o título: em vez de Imperdoável, deveria se chamar Inesquecível. Mas talvez isso sim fosse um claro spoiler.
PS: Ah, é! Preciso falar do presente pessoal que esse filme me trouxe! Em uma das cenas dramáticas, um ator me chama atenção. Eu não sou boa fisionomista e o personagem é discretíssimo. Mas em um take frontal nos deparamos frente a frente e choro de emoção, não pela cena, mas de saudade, e digo: John Boy!
Quem não se lembra provavelmente não tem idade suficiente, mas em tempos idos, quando só tínhamos acesso a séries pela tevê aberta, tínhamos momentos marcados para vê-las. E um desses momentos era o sábado à tarde, quando a Globo apresentava uma série norte-americana que não tinha absolutamente nada a ver conosco, mas nos encantou: Os Waltons. Não lembro de quase nada das histórias, só que a família era grande, passava por dificuldades financeiras e sempre dava um jeitinho norte-americano de tudo se acertar. Na minha mente infantil, o que mais se impregnou foi o olhar e a personalidade do filho mais velho, que desejava ser escritor – ele era dedicado, sensível, inteligente, honrado, alegre... E todas essas qualidades eu via não no personagem, mas no ator, que, de alguma forma, expressava não só realmente ter essas qualidades mas uma aura de felicidade.
Então, o grande presente que Imperdoável me trouxe foi esse reencontro com Richard Thomas, com a mesma aura de felicidade! Foi como reencontrar um grande amigo! Mais um motivo para eu chamar, pessoalmente, o filme de Inesquecível.