Resenha do filme - Abril Despedaçado
A história de duas famílias. Uma camisa no vento. Um tom amarelecido de olhos gastos como a aridez da terra. Um sol posto num céu escuro. As vozes que ecoavam no riacho das almas, no meio do nada, emudeciam aos poucos como a profundidade da noite.
_ “O sangue amarelou” disse o pai “Tonho... tu conhece a tua obrigação”
Com essas palavras Tonho se preparou para vingar o assassínio de mais um Breves morto, seu irmão Inácio, pelas mãos de um Ferreira (família rival). Tudo ainda estava baço quando se preparou para a vingança ouvindo o suspiro trêmulo do menino (seu irmão mais novo) que dormia ao seu lado. A paços largos avançou na direção do inimigo.
Sua respiração ofegava. Seu corpo tremia. O medo gritava aos seus ouvidos. Mas, Tonho se preparou resoluto. Quando pegou a arma com força não atinou em perseguir o inimigo no meio da caatinga fechada.
Então preparou a mira certeira e de súbito um tiro ecoou no sertão. Estava lá mais um corpo estendido. Tonho assinou a sua sentença de morte.
Este é, indubitavelmente, o ponto central do filme. Foi apartir desse ponto que o filho do meio da família Breves – tão bem representado por Rodrigo Santoro – começa a questionar a sua existência e os valores impostos pela tradição. Eis então o conflito entre o individuo e a sociedade. Tonho ficou dividido entre a tradição e a vontade de ser livre. Entre aquilo que era determinado e o desejo de escrever a sua própria história.
Tudo isso se tornou mais evidente quando o seu irmão mais novo, o Menino, que mais adiante iria se chamar Pacu ganhou um livro da artista circense Clara.
Pacu embora analfabeto criava estórias, divagava nas entrelinhas do livro, lia as imagens, pensava no próprio destino e incitava Tonho a fugir para não ter que pagar com a vida a dívida que a tradição lhe impusera.
Tudo se passou como uma espécie de circulo representando, numa simbologia caótica, a condição inegável do sertanejo que ora vive na realidade da vida que é dura e triste, ora na fantasia dos sonhos, elemento primordial do jovem Pacu na história. O girar dos bois, a descoberta do sentimento amoroso, a fuga e o retorno de Tonho à casa paterna podem ser tidos como uma crônica do conflito universal que é estabelecida entre o indivíduo e o coletivo.
Perseguido por um membro da família rival, tonho toma consciência da brevidade da vida. De um lado os seus 20 anos. Do outro, o pouco tempo que lhe restará para viver.
Em certos momentos temos a impressão de que Tonho vive as fantasias sonhadas por Pacu. Este sonha a sereia, o mar, o ameno sopro do vento, enfim, a liberdade.
Mas numa noite escura onde a chuva parecia levar a sequidão da vida preparando o mundo para um novo amanhã, Pacu confundido com o irmão leva um tiro e morre. Isso faz com que Tonho trilhe um novo caminho onde pelo meio da terra deserta parte em direção ao mar.
Para quem assiste ao filme Abril Despedaçado, desbrava um mundo não tão distante onde a dedicação ao cultivo da honra e da terra mostra-se por traz das dores e dos sonhos que permeiam a existência. Lutar pela sobrevivência não era o objetivo primordial das famílias rivais. A honra e a terra eram, portanto, as prioridades em detrimento da vida.