"Worth"
"Worth”
“Worth” é sobre cuidado, leia-se atenção, responsabilidade, ponderação, intenção.
Sara Colangelo dirige, segundo filme dela. O primeiro, “Little Accidents”, 2014.
Creio que desde a infâmia de 9/11, não houve realmente um filme sobre o tema em seu amplo espectro. Em 2006 Oliver Stone “World Trade Center”, com Nicolas Cage. Houveram tentativas, fragmentos, documentários, mas…
“Worth” trata de indenização e trafega em dois eixos puros - Kenneth Feinberg e a emoção dos querelantes. Não se trata de filme de tribunais ou o famigerado disaster movie. Trata-se da praticidade desse advogado, hoje com 75 anos, na época famoso por sua eficiência em realizar acordos impensáveis entre tubarões e sardinhas.
Tão logo ocorrem os ataques em Manhattan a administração Bush solicita-o, ele mergulha numa toada Pro bono, é criado o September 11th Victim Compensation Fund e a emergencia subsequente é chegar num número (número = US Dólar) para os familiares das milhares de vítimas do atentado. Mesmo quem não é do ramo sabe que uma ação dessas pode levar mais de uma década.
Michael Keaton interpreta com finesse o focado Feinberg.
O roteiro de Max Borenstein, baseado no livro do próprio Kenneth, “What Is Life Worth?”, consegue desenhar o espírito pragmático que vê adiante da dor da perda o paliativo em moeda corrente que coloque comida na mesa e um teto sobre a cabeça porque, querendo ou não, mais de um aspecto da vida prescinde de tais itens. Parte considerável dos por assim dizer “sacrificados” eram provedores.
Na primeira reunião do September 11th V. C. F., o advogado especialista em Resolução Alternativa de Disputa, (leia-se ADR - alternative dispute resolution), encontra uma platéia com os nervos à flor da pele e imbuídos do conceito de que vidas não tem preço.
Bidu.
Feinberg contemporiza. Ele tenta explicar que ou o acordo é selado num prazo Xis ou todo mundo sai de mãos abanando.
Steven Zaillian, em 1998, abriu o filme por ele dirigido, “A Civil Action”, com o seguinte texto:
“Um requerente morto raramente vale tanto como um requerente vivo e seriamente mutilado. No entanto, se tiver morrido após prolongada agonia, e não por afogamento rápido ou num carro destroçado, o valor pode subir consideravelmente. Um adulto na casa dos 20 vale menos do que um de meia idade, uma mulher morta menos do que um homem, adultos solteiros menos do que casados, negros menos que brancos e pobres menos que ricos. A vítima perfeita é um homem branco, profissional de carreira, 40 anos de idade, a auferir o máximo de rendimentos, colhido na flor da idade. E a mais imperfeita? Na matemática do Direito de Responsabilidade Civil uma criança morta rende o mínimo”.
Esse infeliz e não menos aparente cinismo fez parte, talvez ainda faça, da cultura jurídica dos EUA.
O ator Stanley Tucci encarna Charles Wolf, que está entre os presentes, de cabeça fria, sofreu severa baixa na tragédia e se tornou um gentil opositor, através de uma página na web, aos parâmetros do Fundo de Compensação. Ele será um dos que irão entrar, gota a gota, no Radar do pragmático Feinberg - então outorgado como Mestre Especial, com a carga da dor da perda.
Isso é transmissível ao espectador.
Aí reside o amplo espectro de “Worth”. Sem enfatizar sangue e explosões, ora através dos depoimentos dos querelantes, vide a viúva do bombeiro, ora por meio da sanha incansável do Mestre Especial (aquele que se certifica que as ordens judiciais são realmente seguidas), em organizar o litígio e fazer alguma justiça antes que seja tarde, o filme exibe um painel inequívoco sobre as consequências da loucura que assombra a humanidade, traço devastador e ainda presente.
Em dado instante ele fala para os seus associados: nós não somos terapeutas.
“Worth” , enquanto proposta cinematográfica, é mais ou menos como um brinco em orelha de porco.
Mas não se engane, trata-se de trabalho realizado com esmero e altamente instrutivo.
(Imagem: Michael Keaton e Stanley Tucci)
(http://www.bernardgontier.com)