A bela adormecida

A BELA ADORMECIDA (Sleeping beauty)
Miguel Carqueija

Estamos diante de um exemplar do que podemos chamar de filme perfeito. Há em “Sleeping beauty” uma tal profusão de poesia, drama, comicidade, plasticidade, minúcia de detalhes, e um tal encadeamento de enredo, que certamente colocam este trabalho como uma das obras-primas do cinema mundial de todos os tempos. “A bela adormecida” é o desenho animado levado ao máximo do esplendor, tanto na perfeição gráfica como na beleza do tema e, só por si, prova a genialidade de Walt Disney (1901-1966), provavelmente o maior de todos os cineastas.
A fita reconta Perrault (que por sua vez, como os Irmãos Grimm, se baseia em histórias de tradição oral, o folclore europeu) emprestando mais charme aos personagens de contos de fadas. Num perdido reino dos velhos tempos (tempos em que a magia seria coisa comum) pesa, sobre a Princesa Aurora, a ameaça de um terrível destino: a maldição da roca de fiar, proferida pela bruxa Malévola — uma criatura de tenebrosos poderes e cercada de seres demoníacos em seu sinistro castelo. Durante dezesseis anos a princesa viveu oculta na floresta, protegida pelas fadas Flora, Fauna e Primavera, que se fazem passar por suas tias. Agora, porém, aproxima-se o tempo em que a maldição se cumprirá ou não: Malévola profetizou que Aurora espetará o dedo na agulha de uma roca, e morrerá. Uma das fadas, porém, não podendo anular de todo a maldição, suavizou a morte para um sono do qual a princesa só poderá ser despertada por um beijo de amor. Um desfecho que a bruxa tentará impedir a todo custo.
Muitas cenas de “Sleeping beauty” podem ser classificadas como antológicas. O duelo entre o Príncipe Felipe e o dragão, por exemplo, possui características majestosas; a cena da cruz (espada) fincada sobre o dragão (simbolizando o triunfo do Bem sobre o Mal); a confraternização de Aurora com os animais da floresta (a exemplo de Branca de Neve) e o dueto com o príncipe; as desastradas tentativas das fadas de produzirem um vestido de festa e um bolo de aniversário, sem o auxílio das varinhas de condão; a intervenção rancorosa da bruxa na festa de apresentação da princesa; a explosão de raiva da Malévola diante da estupidez de seus monstrinhos.
O próprio Disney, em reunião com seus auxiliares, fez uma encenação — ele que também tinha dotes de ator — de como concebia a cena, tão marcante como algumas de “Cinderela” e “Branca de Neve e os sete anões”, outras obras-primas do “mago da tela”. No cinema dito fantástico Disney atingiu um patamar de perfeccionista, mesmo. Sabia passar do puro terror ao lirismo e à comédia, sem deixar de mostrar, quando se fazia oportunidade, a luta cósmica entre o Bem e o Mal. Dessa forma há um pouco de tudo em “Sleeping beauty”, mas de forma harmoniosa. A Malévola é um “tour-de-force” como personagem maligna, e o seu terror funciona mesmo.
E aqui se pode questionar: há terror no cinema-família de Walt Disney? Sim, há. Pois a verdade é que criança adora terror (naturalmente, dosado).

Rio de Janeiro, 30 de março de 1995 com acréscimos feitos em 1º de maio de 1995, 5 de abril de 1998 e 22 de julho de 2000.





SLEEPING BEAUTY (A bela adormecida) — Walt Disney Productions, EUA, 1958. Produção: Walt Disney. Direção geral: Clyde Geronimi. Diretores de sequências: Eric Larson, Wolfgang Reitherman e Les Clark. Vozes: Mary Costa, Bill Shirney, Eleanor Audrey, Verna Felton, Barbara Luddy, Barbara Jo Allen, Taylor Holmes, Bill Thompson. Supervisor de produção: Ken Petterson. Efeitos especiais: Ub Iwerks e Eustace Lycett. Música: George Bruns, adaptando o “ballet” da Bela Adormecida, de Tchaikovsky. Direção de animação: Milt Kahl, Frank Thomas, Marc Davis, Ollie Johnston, John Lounsbery. Desenho em Technicolor e Technirama baseado no conto de fadas “A bela adormecida”, versão de Charles Perrault. Duração aproximada: 75 minutos.