A transformação: Usagi Tsukino e Chibiusa transformam-se nas guerreiras místicas Sailor Moon e Sailor Chibi Moon
Resenha da Parte 1 de "Sailor Moon Eternal"
RESENHA DA PARTE 1 DE SAILOR MOON ETERNAL
Miguel Carqueija
Em exibição no canal Netflix com áudio original legendado ou dublagem em português.
“Sailor Moon Eternal, the movie, Parte 1: Uma nova batalha começa. Toei Animation e Studio Deen, Japão, 2020. Criação e supervisão de Naoko Takeushi. Direção: Chiaki Kon. Roteiro: Kazuyki Fudeyasu. Produção: Ruka Tanaka e Hideharu Gomi. Música: Yasuharu Takanashi. Título original japonês: "Gekijoban bishojo senshi Sera Mun Etanaru".
Elenco de dublagem:
Kotono Mitsuishi............Sailor Moon
Kenji Nojima.................Mamoru Chiba
Misato Fukuen...............Chibiusa
Hisako Kanemoto...........Sailor Mercúrio
Rina Sato......................Sailor Marte
Ami Koshimizu...............Sailor Júpiter
Shizuka Ito....................Sailor Vênus
Yoshitsugu Matsuoka.......Hélios
Naomi Watanabe............Zirconia
Nanao...........................Neherenia
O anjo guardião de Sailor Mercúrio (Ami Mizuno) vem ajudá-la a escapar da tentação induzida pelo inimigo.
O lançamento deste épico duplo — até onde eu sei, algo inédito em matéria de desenho animado — representa uma revolução na sétima arte. E a alta qualidade artística, estética e ética desta obra merece a atenção geral.
Algo que me chama a atenção é a INTEGRIDADE MORAL dos personagens do bem que povoam o universo de “Sailor Moon Eternal” (literalmente “A Eterna Navegante da Lua”). Basicamente temos Usagi Tsukino (Sailor Moon), Ami Mizuno (Sailor Mercúrio), Hino Rei (Sailor Marte), Makoto Kino (Sailor Júpiter), Minako Aino (Sailor Vênus), Chibiusa (Sailor Chibi Moon), Mamoru Chiba (Tuxedo Mask) e os gatos lunares Luna, Artêmis e Diana, e neste episódio também o Pégasus ou Hélios, guardião do reino subterrâneo de Elysium. O modo de agir deles é límpido, transmitindo amor, amizade, compaixão, lealdade, senso extremo de dever, coragem, desprendimento da própria vida, espírito de sacrifício, e até a inocência que tanto falta no mundo real. Sobretudo Sailor Moon, a Princesa da Lua Branca, passa uma imagem de bondade extrema, e repleta de bons sentimentos.
Chibiusa, a Pequena Dama, e Sailor Moon: relação de ternura e confiança entre a filha e a mãe.
O épico, adapta a quarta fase do mangá original de Naoko Takeushi, publicado na década de 90 e muito tempo depois editado no Brasil. É a fase “Sonhos”. Fala nos sonhos de cada um de nós, os sonhos acalentados. E os sonhos ilusórios e até os pesadelos. Pois um grande pesadelo desceu à Terra, aproveitando a sombra de um eclipse solar. A Lua Nova cobre o Sol e, aproveitando-se disso, o Circo da Morte desce à Terra e, fingindo ser um circo normal, instala-se em Juuban, o bairro de Tóquio onde mora Usagi Tsukino (lembrando que na América ela é conhecida como Serena).
Logo coisas estranhas começam a acontecer. Rei, que é aprendiz de sacerdotisa no Templo Hikawa, auxiliando seu avô, percebe com seus sentidos especiais quando existe alguma coisa maligna por perto. Ami, con seu computador especial, identifica uma espécie de barreira no bairro. Elas todas vão no circo, e lá constatam coisas muito estranhas. Aliás as quatro garotas do Quarteto Amazon, que se apresentam como trapezistas/equilibristas, e que na verdade servem à Rainha Neherenia e sua principal auxiliar Zirconia, tentam seguidamente cooptar as “sailors” auxiliares de Sailor Moon, com tentações aliciantes, e elas precisarão recorrer à própria integridade para resistir a tais tentações e ilusões induzidas. Quanto a Minako Aino, que não estava conseguindo se transformar na Sailor Vênus, sua própria tentação é deixada mais para o final.
Kotono Mitsuishi, a linda dubladora que faz a voz de Usagi Tsukino, a Sailor Moon.
Sailor Moon e Mamoru Chiba terão também o seu quinhão, pois o ataque místico e maligno à Terra atinge a saúde de Mamoru, que como o Príncipe Endymion do passado, possui uma ligação íntima com o planeta (ele seria Sailor Terra, que por exceção é um homem).
O fato é que os bons, defensores da Terra e da Humanidade, terão muito a sofrer.
O aparecimento insólito do cavalo alado branco — Pégasus ou Hélios, como ele se apresenta, e que tem também a sua forma humana — avisa sobre a ameaça que chegou. Pégasus entrega a Chibiusa um sino para que ela o chame quando tiver necessidade. Mas o seu corpo está preso no Circo da Morte; é o seu espírito que aparece. E ele é quem explica a situação que está ocorrendo, e a Terra está sob grande perigo.
“É tudo obra de Neherenia, a Rainha da Lua da Morte, um reino trancafiado nas profundezas da escuridão da Lua Negra.”
“Com a queda do Reino da Lua Branca e o Milênio de Prata, o poder que trancafiava Neherenia ficou mais fraco.”
Neherenia, com seu espelho maligno, só aparece de relance neste primeiro filme. Por enquanto quem está agindo são os seus capangas, enquanto aguardam que sua rainha desperte totalmente. São principalmente a sinistra Zirconia e as garotas do quarteto, Ves-Ves, Jun-Jun, Ceres-Ceres e Pala-Pala, nomes duplicados de asteroides, e que pretendem ser descendentes das amazonas (icamiabas), além de capangas menores que são eliminados no confronto com as sailors. Isso além dos “lêmures”, diabretes com a forma de bolas espinhentas com olhos, que voam e atacam e espalham pesadelos para dominar os humanos. Logo as coisas parecem estar mudando na sociedade e até na atmosfera.
“Por que está tudo escuro?”, indaga Chibiusa. Mas Hélios garante à menina que ela possui uma sublime missão:
“Você é aquela que possui um lindo sonho, protegido pela luz da Lua.”
Um épico combate entre o Bem e o Mal desenha-se em Tóquio. Um duelo entre conceitos incompatíveis e inconciliáveis. A própria vilã Neherenia reconhece isso:
“O povo do Reino da Lua Branca é nosso maior inimigo.”
Da esquerda para a direita: Rei Hino (Sailor Marte), Mamoru Shiba (Tuxedo Kamen), Usagi Tsukino (Sailor Moon), Ami Mizuno (Sailor Mercúrio), Chibiusa (Sailor Chibi Moon), Makoto Kino (Sailor Júpiter) e Minako Aino (Sailor Vênus).
É claro que a principal adversária da pérfida Rainha da Lua Negra será a sublime Princesa da Lua Branca, Sailor Moon, a Guerreira do Amor e da Justiça. Aqui entra a questão dos sonhos bons ou ruins. Não só os sonhos oníricos mas os ideais. Não é por mero acaso que os lêmures a serviço da Rainha da Lua das Trevas espalham pesadelos. As sailors percebem que as pessoas estão ficando mais agressivas, brigando nas ruas, há uma influência maligna em ação. O bem e o mal são coisas interiores, espirituais.
Reparem que não há comparação possível entre Sailor Moon e os super-heróis norte-americanos da DC e da Marvel. Em “Sailor Moon Eternal” não se vê violência na acepção da palavra. Na heroína principal, Sailor Moon, o que se vê é uma exaltação da bondade e da dedicação aos entes queridos, além de um senso de dever que vai até ao heroísmo, um heroísmo verdadeiro, sem presunção. Sailor Moon é espiritualizada, assim como suas companheiras. Sailor Marte pensa em se tornar uma suma-sacerdotisa xintoísta que sucederá um dia ao seu avô. Ela tem um drama pessoal, pois seu pai a largou no templo aos cuidados do avô, para se livrar dela. Sailor Mercúrio, a estrategista do grupo, é filha de uma médica separada do marido. Este, embora tenha se afastado, ainda ama a filha. E Ami tem amor por ambos. A mãe de Mercúrio raramente aparece, pois é muito ocupada. Quanto a Júpiter, Makoto Kino, pensa em se dedicar à culinária ou à floricultura, é órfã e apesar da pouca idade, mora sozinha. Quanto à Vênus, é a precursora, cheia de sonhos de ser uma artista. Porém apesar das personalidades diferentes, estão sempre juntas e unidas quando se trata de defender as causas justas. Ninguém as manda agir, elas sabem que é seu dever e não duvidam do que devem fazer. E se surge algum problema entre elas, é logo resolvido. A lealdade mútua resolve tudo. Elas lutam pelo Amor e pela Justiça, tudo o mais é secundário. E não temem a morte, pois apesar de seus poderes elas são mortais.
“O distrito comercial de Juuban está cercado por uma aura escura.”
(Ami Mizuno, a Sailor Mercúrio)
“O meu pai também diria que eu sou responsável demais e não pareço uma adolescente.”
Ami Mizuno, sempre a primeira da escola e apaixonada pelo estudo, é uma personagem exemplar e a grande incentivadora das amigas para que estudem e passem de ano. Inclusive a Usagi Tsukino, Sailor Moon, habitualmente fraca nos estudos, mas que consegue passar de ano, pois Ami reúne as cinco para estudarem juntas.
Aliás cada uma delas é exemplar a seu modo e as cinco se completam.
O caso da Sailor Marte, por exemplo. Hino Rei, talvez mais que as outras, entende bem o legado espiritual que elas carregam. Quando a tentação dos agentes da Lua Morta a atinge, na sala dos espelhos do Circo da Morte (Dead Circus), e tentam influenciá-la para que abandone o sonho de ser sacerdotisa e se preocupe em arranjar um homem, em namorar, ela resiste à tentação:
“Eu sou aquela que jurou pureza à Princesa da Lua!”
Num mundo dominado pela contra-cultura é surpreendente que numa produção atual, deste ano, uma personagem defenda o celibato. Mas isso está no mangá de Naoko Takeushi que inspirou esta grandiosa película: “Não há lugar para homens em nossas vidas”, diz ali a Sailor Marte. E embora às vezes falem em namoro, todas elas se comprometeram a cuidar da Princesa da Lua, ou seja, Sailor Moon, o que equivale a um voto de castidade.
E ao serem atacadas pelas tentações, elas são ajudadas pelos seus anjos da guarda, que surgem como suas miniaturas.
Símbolo do amor, Sailor Moon ostenta um coraçãozinho no pescoço e seu penteado com a tiara formam um coração na testa. No peito o broche com o Sagrado Cristal de Prata que catalisa o seu poder.
“Quanto mais você hesita, mais eles entram em seu coração. São inimigos desprezíveis.” — diz a Sailor Marte. Isso lembra a recomendação de São Paulo (Efésios 6,12): “Resisti ao diabo e ele fugirá de ti”.
Mas, todo o grupo gira em torno da ingênua e sentimental Usagi Tsukino. A doce menina Chibiusa, a Pequena Dama, que veio do futuro, para onde deverá retornar, não consegue pensar completamente em Usagi e Mamoru como seus pais, pois a mãe e o pai que ela conhece estão no futuro. Mas ela sabe que são as mesmas pessoas.
“Todos contam com ela, a bela e forte Usagi.” E Chibiusa sonha com o dia em que será uma sailor crescida e poderosa como a sua mãe.
Há também a sutil cena da cama. Usagi Tsukino tem mãe, pai e irmão caçula, e numa das cenas desta Parte 1 telefona para casa, diz que está estudando com Mamoru e passará a noite em seu apartamento. Ela está com Chibiusa. Os três dormem na mesma cama, Chibiusa no meio, no maior respeito. E, vestidos com seus pijamas. Mamoru teme que os pais de Usagi percam a confiança nele. Para Usagi, dormir com o homem que ela ama é maravilhoso. Mas, nada de sexo. Ainda não casaram, Usagi é menor de idade. Chibiusa só será gerada num futuro que o casalzinho ainda não conhece.
Em que filme moderno se vê essa inocência?
A sexualidade das personagens existe, mas numa roupagem ingênua. A própria Chibiusa tem uma paixonite infantil por Mamoru e até sente ciúmes da Usagi — mas lembra que afinal são seu pai e sua mãe, ainda que isto só se concretize no futuro, pois ela ainda nem nasceu.
Sailor Marte investiga o Circo da Morte.
Note-se ainda a dramaticidade que mostra como “Sailor Moon Eternal” transcende o filme infantil e se dirige a todas as idades. A doença que atinge Mamoru, provocada pela influência maligna espalhada pelo Circo da Morte, é pulmonar, provocando até hemoptise (escarro de sangue). Mamoru pede a Usagi que evite ficar perto dele, mas esta o abraça e promete proteger a todos, a Mamoru também. É uma cena de grande impacto emocional.
No gancho da segunda parte, curiosas frases:
“É claro que uma revelação está por vir.”
“É claro que um Segundo Advento está por vir.”
Na linguagem metafórica da saga de Sailor Moon, é claro que não é a Segunda Vinda de Cristo, mas uma referência velada a ela. Pois Sailor Moon é, ela própria, uma personagem messiânica. E como Neherenia simboliza Lilith (o demônio lunar pela lenda judaica), Sailor Moon é metáfora de Jesus Cristo, o que acontece com diversos personagens da literatura e outras mídias. Exemplos, Galdalf de “O Senhor dos Anéis” e o leão Aslan de “As Crônicas de Nárnia” e ainda o Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupèry. A metáfora não está nos enredos em si mas nas referências que deles sobressaem.
Há que ressaltar, ainda, a maravilhosa estética desta animação exemplar, que pode ser considerada o filme do século. Naoko Takeushi está por trás da produção e poucos filmes na história do cinema foram tão caprichados.
Como eu disse, Neherenia, a grande vilã, praticamente não aparece na Parte 1. Esta termina em grande suspense, com o inimigo em vantagem apesar das perdas que sofreu, mas com as heroínas em xeque. No filme seguinte, porém, a Princesa da Lua Branca terá de confrontar o poder total do inimigo, ou seja, confrontar a própria Neherenia (Anticristo). Ou seja, a heroína crística contra a vilã anticrística.
A batalha decisiva entre a Luz e as Trevas (Apocalipse).
Rio de Janeiro, 16 e 17 de agosto de 2021.
Uma das vilãs de Neherenia atiça os lêmures num ataque maciço.
Chibiusa cavalgando o Pégasus (Hélios) num sonho.
Resenha da Parte 1 de "Sailor Moon Eternal"
RESENHA DA PARTE 1 DE SAILOR MOON ETERNAL
Miguel Carqueija
Em exibição no canal Netflix com áudio original legendado ou dublagem em português.
“Sailor Moon Eternal, the movie, Parte 1: Uma nova batalha começa. Toei Animation e Studio Deen, Japão, 2020. Criação e supervisão de Naoko Takeushi. Direção: Chiaki Kon. Roteiro: Kazuyki Fudeyasu. Produção: Ruka Tanaka e Hideharu Gomi. Música: Yasuharu Takanashi. Título original japonês: "Gekijoban bishojo senshi Sera Mun Etanaru".
Elenco de dublagem:
Kotono Mitsuishi............Sailor Moon
Kenji Nojima.................Mamoru Chiba
Misato Fukuen...............Chibiusa
Hisako Kanemoto...........Sailor Mercúrio
Rina Sato......................Sailor Marte
Ami Koshimizu...............Sailor Júpiter
Shizuka Ito....................Sailor Vênus
Yoshitsugu Matsuoka.......Hélios
Naomi Watanabe............Zirconia
Nanao...........................Neherenia
O anjo guardião de Sailor Mercúrio (Ami Mizuno) vem ajudá-la a escapar da tentação induzida pelo inimigo.
O lançamento deste épico duplo — até onde eu sei, algo inédito em matéria de desenho animado — representa uma revolução na sétima arte. E a alta qualidade artística, estética e ética desta obra merece a atenção geral.
Algo que me chama a atenção é a INTEGRIDADE MORAL dos personagens do bem que povoam o universo de “Sailor Moon Eternal” (literalmente “A Eterna Navegante da Lua”). Basicamente temos Usagi Tsukino (Sailor Moon), Ami Mizuno (Sailor Mercúrio), Hino Rei (Sailor Marte), Makoto Kino (Sailor Júpiter), Minako Aino (Sailor Vênus), Chibiusa (Sailor Chibi Moon), Mamoru Chiba (Tuxedo Mask) e os gatos lunares Luna, Artêmis e Diana, e neste episódio também o Pégasus ou Hélios, guardião do reino subterrâneo de Elysium. O modo de agir deles é límpido, transmitindo amor, amizade, compaixão, lealdade, senso extremo de dever, coragem, desprendimento da própria vida, espírito de sacrifício, e até a inocência que tanto falta no mundo real. Sobretudo Sailor Moon, a Princesa da Lua Branca, passa uma imagem de bondade extrema, e repleta de bons sentimentos.
Chibiusa, a Pequena Dama, e Sailor Moon: relação de ternura e confiança entre a filha e a mãe.
O épico, adapta a quarta fase do mangá original de Naoko Takeushi, publicado na década de 90 e muito tempo depois editado no Brasil. É a fase “Sonhos”. Fala nos sonhos de cada um de nós, os sonhos acalentados. E os sonhos ilusórios e até os pesadelos. Pois um grande pesadelo desceu à Terra, aproveitando a sombra de um eclipse solar. A Lua Nova cobre o Sol e, aproveitando-se disso, o Circo da Morte desce à Terra e, fingindo ser um circo normal, instala-se em Juuban, o bairro de Tóquio onde mora Usagi Tsukino (lembrando que na América ela é conhecida como Serena).
Logo coisas estranhas começam a acontecer. Rei, que é aprendiz de sacerdotisa no Templo Hikawa, auxiliando seu avô, percebe com seus sentidos especiais quando existe alguma coisa maligna por perto. Ami, con seu computador especial, identifica uma espécie de barreira no bairro. Elas todas vão no circo, e lá constatam coisas muito estranhas. Aliás as quatro garotas do Quarteto Amazon, que se apresentam como trapezistas/equilibristas, e que na verdade servem à Rainha Neherenia e sua principal auxiliar Zirconia, tentam seguidamente cooptar as “sailors” auxiliares de Sailor Moon, com tentações aliciantes, e elas precisarão recorrer à própria integridade para resistir a tais tentações e ilusões induzidas. Quanto a Minako Aino, que não estava conseguindo se transformar na Sailor Vênus, sua própria tentação é deixada mais para o final.
Kotono Mitsuishi, a linda dubladora que faz a voz de Usagi Tsukino, a Sailor Moon.
Sailor Moon e Mamoru Chiba terão também o seu quinhão, pois o ataque místico e maligno à Terra atinge a saúde de Mamoru, que como o Príncipe Endymion do passado, possui uma ligação íntima com o planeta (ele seria Sailor Terra, que por exceção é um homem).
O fato é que os bons, defensores da Terra e da Humanidade, terão muito a sofrer.
O aparecimento insólito do cavalo alado branco — Pégasus ou Hélios, como ele se apresenta, e que tem também a sua forma humana — avisa sobre a ameaça que chegou. Pégasus entrega a Chibiusa um sino para que ela o chame quando tiver necessidade. Mas o seu corpo está preso no Circo da Morte; é o seu espírito que aparece. E ele é quem explica a situação que está ocorrendo, e a Terra está sob grande perigo.
“É tudo obra de Neherenia, a Rainha da Lua da Morte, um reino trancafiado nas profundezas da escuridão da Lua Negra.”
“Com a queda do Reino da Lua Branca e o Milênio de Prata, o poder que trancafiava Neherenia ficou mais fraco.”
Neherenia, com seu espelho maligno, só aparece de relance neste primeiro filme. Por enquanto quem está agindo são os seus capangas, enquanto aguardam que sua rainha desperte totalmente. São principalmente a sinistra Zirconia e as garotas do quarteto, Ves-Ves, Jun-Jun, Ceres-Ceres e Pala-Pala, nomes duplicados de asteroides, e que pretendem ser descendentes das amazonas (icamiabas), além de capangas menores que são eliminados no confronto com as sailors. Isso além dos “lêmures”, diabretes com a forma de bolas espinhentas com olhos, que voam e atacam e espalham pesadelos para dominar os humanos. Logo as coisas parecem estar mudando na sociedade e até na atmosfera.
“Por que está tudo escuro?”, indaga Chibiusa. Mas Hélios garante à menina que ela possui uma sublime missão:
“Você é aquela que possui um lindo sonho, protegido pela luz da Lua.”
Um épico combate entre o Bem e o Mal desenha-se em Tóquio. Um duelo entre conceitos incompatíveis e inconciliáveis. A própria vilã Neherenia reconhece isso:
“O povo do Reino da Lua Branca é nosso maior inimigo.”
Da esquerda para a direita: Rei Hino (Sailor Marte), Mamoru Shiba (Tuxedo Kamen), Usagi Tsukino (Sailor Moon), Ami Mizuno (Sailor Mercúrio), Chibiusa (Sailor Chibi Moon), Makoto Kino (Sailor Júpiter) e Minako Aino (Sailor Vênus).
É claro que a principal adversária da pérfida Rainha da Lua Negra será a sublime Princesa da Lua Branca, Sailor Moon, a Guerreira do Amor e da Justiça. Aqui entra a questão dos sonhos bons ou ruins. Não só os sonhos oníricos mas os ideais. Não é por mero acaso que os lêmures a serviço da Rainha da Lua das Trevas espalham pesadelos. As sailors percebem que as pessoas estão ficando mais agressivas, brigando nas ruas, há uma influência maligna em ação. O bem e o mal são coisas interiores, espirituais.
Reparem que não há comparação possível entre Sailor Moon e os super-heróis norte-americanos da DC e da Marvel. Em “Sailor Moon Eternal” não se vê violência na acepção da palavra. Na heroína principal, Sailor Moon, o que se vê é uma exaltação da bondade e da dedicação aos entes queridos, além de um senso de dever que vai até ao heroísmo, um heroísmo verdadeiro, sem presunção. Sailor Moon é espiritualizada, assim como suas companheiras. Sailor Marte pensa em se tornar uma suma-sacerdotisa xintoísta que sucederá um dia ao seu avô. Ela tem um drama pessoal, pois seu pai a largou no templo aos cuidados do avô, para se livrar dela. Sailor Mercúrio, a estrategista do grupo, é filha de uma médica separada do marido. Este, embora tenha se afastado, ainda ama a filha. E Ami tem amor por ambos. A mãe de Mercúrio raramente aparece, pois é muito ocupada. Quanto a Júpiter, Makoto Kino, pensa em se dedicar à culinária ou à floricultura, é órfã e apesar da pouca idade, mora sozinha. Quanto à Vênus, é a precursora, cheia de sonhos de ser uma artista. Porém apesar das personalidades diferentes, estão sempre juntas e unidas quando se trata de defender as causas justas. Ninguém as manda agir, elas sabem que é seu dever e não duvidam do que devem fazer. E se surge algum problema entre elas, é logo resolvido. A lealdade mútua resolve tudo. Elas lutam pelo Amor e pela Justiça, tudo o mais é secundário. E não temem a morte, pois apesar de seus poderes elas são mortais.
“O distrito comercial de Juuban está cercado por uma aura escura.”
(Ami Mizuno, a Sailor Mercúrio)
“O meu pai também diria que eu sou responsável demais e não pareço uma adolescente.”
Ami Mizuno, sempre a primeira da escola e apaixonada pelo estudo, é uma personagem exemplar e a grande incentivadora das amigas para que estudem e passem de ano. Inclusive a Usagi Tsukino, Sailor Moon, habitualmente fraca nos estudos, mas que consegue passar de ano, pois Ami reúne as cinco para estudarem juntas.
Aliás cada uma delas é exemplar a seu modo e as cinco se completam.
O caso da Sailor Marte, por exemplo. Hino Rei, talvez mais que as outras, entende bem o legado espiritual que elas carregam. Quando a tentação dos agentes da Lua Morta a atinge, na sala dos espelhos do Circo da Morte (Dead Circus), e tentam influenciá-la para que abandone o sonho de ser sacerdotisa e se preocupe em arranjar um homem, em namorar, ela resiste à tentação:
“Eu sou aquela que jurou pureza à Princesa da Lua!”
Num mundo dominado pela contra-cultura é surpreendente que numa produção atual, deste ano, uma personagem defenda o celibato. Mas isso está no mangá de Naoko Takeushi que inspirou esta grandiosa película: “Não há lugar para homens em nossas vidas”, diz ali a Sailor Marte. E embora às vezes falem em namoro, todas elas se comprometeram a cuidar da Princesa da Lua, ou seja, Sailor Moon, o que equivale a um voto de castidade.
E ao serem atacadas pelas tentações, elas são ajudadas pelos seus anjos da guarda, que surgem como suas miniaturas.
Símbolo do amor, Sailor Moon ostenta um coraçãozinho no pescoço e seu penteado com a tiara formam um coração na testa. No peito o broche com o Sagrado Cristal de Prata que catalisa o seu poder.
“Quanto mais você hesita, mais eles entram em seu coração. São inimigos desprezíveis.” — diz a Sailor Marte. Isso lembra a recomendação de São Paulo (Efésios 6,12): “Resisti ao diabo e ele fugirá de ti”.
Mas, todo o grupo gira em torno da ingênua e sentimental Usagi Tsukino. A doce menina Chibiusa, a Pequena Dama, que veio do futuro, para onde deverá retornar, não consegue pensar completamente em Usagi e Mamoru como seus pais, pois a mãe e o pai que ela conhece estão no futuro. Mas ela sabe que são as mesmas pessoas.
“Todos contam com ela, a bela e forte Usagi.” E Chibiusa sonha com o dia em que será uma sailor crescida e poderosa como a sua mãe.
Há também a sutil cena da cama. Usagi Tsukino tem mãe, pai e irmão caçula, e numa das cenas desta Parte 1 telefona para casa, diz que está estudando com Mamoru e passará a noite em seu apartamento. Ela está com Chibiusa. Os três dormem na mesma cama, Chibiusa no meio, no maior respeito. E, vestidos com seus pijamas. Mamoru teme que os pais de Usagi percam a confiança nele. Para Usagi, dormir com o homem que ela ama é maravilhoso. Mas, nada de sexo. Ainda não casaram, Usagi é menor de idade. Chibiusa só será gerada num futuro que o casalzinho ainda não conhece.
Em que filme moderno se vê essa inocência?
A sexualidade das personagens existe, mas numa roupagem ingênua. A própria Chibiusa tem uma paixonite infantil por Mamoru e até sente ciúmes da Usagi — mas lembra que afinal são seu pai e sua mãe, ainda que isto só se concretize no futuro, pois ela ainda nem nasceu.
Sailor Marte investiga o Circo da Morte.
Note-se ainda a dramaticidade que mostra como “Sailor Moon Eternal” transcende o filme infantil e se dirige a todas as idades. A doença que atinge Mamoru, provocada pela influência maligna espalhada pelo Circo da Morte, é pulmonar, provocando até hemoptise (escarro de sangue). Mamoru pede a Usagi que evite ficar perto dele, mas esta o abraça e promete proteger a todos, a Mamoru também. É uma cena de grande impacto emocional.
No gancho da segunda parte, curiosas frases:
“É claro que uma revelação está por vir.”
“É claro que um Segundo Advento está por vir.”
Na linguagem metafórica da saga de Sailor Moon, é claro que não é a Segunda Vinda de Cristo, mas uma referência velada a ela. Pois Sailor Moon é, ela própria, uma personagem messiânica. E como Neherenia simboliza Lilith (o demônio lunar pela lenda judaica), Sailor Moon é metáfora de Jesus Cristo, o que acontece com diversos personagens da literatura e outras mídias. Exemplos, Galdalf de “O Senhor dos Anéis” e o leão Aslan de “As Crônicas de Nárnia” e ainda o Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupèry. A metáfora não está nos enredos em si mas nas referências que deles sobressaem.
Há que ressaltar, ainda, a maravilhosa estética desta animação exemplar, que pode ser considerada o filme do século. Naoko Takeushi está por trás da produção e poucos filmes na história do cinema foram tão caprichados.
Como eu disse, Neherenia, a grande vilã, praticamente não aparece na Parte 1. Esta termina em grande suspense, com o inimigo em vantagem apesar das perdas que sofreu, mas com as heroínas em xeque. No filme seguinte, porém, a Princesa da Lua Branca terá de confrontar o poder total do inimigo, ou seja, confrontar a própria Neherenia (Anticristo). Ou seja, a heroína crística contra a vilã anticrística.
A batalha decisiva entre a Luz e as Trevas (Apocalipse).
Rio de Janeiro, 16 e 17 de agosto de 2021.
Uma das vilãs de Neherenia atiça os lêmures num ataque maciço.
Chibiusa cavalgando o Pégasus (Hélios) num sonho.