A queda da Bastilha segundo David O. Selznick

A QUEDA DA BASTILHA SEGUNDO DAVID O. SELZNICK
Miguel Carqueija

Eu tive ocasião de ler o romance de Charles Dickens, o “Conto das duas cidades” (Londres e Paris), que originou este épico de David O. Selznick, nome lendário do cinema, que quatro anos depois lançaria o filme que por muitos anos foi campeão mundial de bilheteria, “... E o vento levou”.
“A queda da Bastilha” é uma história de amor, sofrimento, dedicação e sacrifício, até da própria vida, nos tempos terríveis da Revolução Francesa, quando em nome da igualdade, liberdade e fraternidade praticavam-se os mais horrendos crimes pela sede de vingança, não poupando inocentes e crianças. Com certeza a película não poupa a aristocracia cínica e pernóstica que desprezava o povo, a quem atropelava com cavalos e carruagens pelas ruas de Paris, mas mostra também o fanatismo brutal de revolucionários que queriam se saciar em sangue.
Enquanto a crise vai cozinhando na França o aristocrata Charles Darnay, revoltado com a insensibilidade do seu tio, vai morar na Inglaterra e se casa com Lucie Manette, com quem terá uma filha. Lucie conseguira reencontrar o pai, prisioneiro por 18 anos da Bastilha e que ficara, afinal, com a mente débil.
Porém os inimigos de Darnay arranjaram uma intriga contra ele, que é levado a julgamento mas defendido de forma brilhante por Sidney Carton (Ronald Colman, em notável atuação). Eles se tornam muito amigos embora amem a mesma mulher, mas Lucie casar-se-á com Darney.
Carton, beberrão e com baixa auto-estima, aceita a situação e vai levando a sua vida, gostando mais de beber que comer. Mas uma armadilha levará Darnay de volta à França, onde os fanáticos, contando com a multidão enfurecida, já dominam a situação, o Terror se instalou e a guilhotina funciona continuamente. Entre o povo, a costureira Thérèse Defarge destaca-se como verdadeira fera, uma precursora das “passionárias” que viriam no século 20. Os nobres franceses, levados para a guilhotina, pagam caro o seu desprezo para com o povo. Geraram um monstro que se tornou pior do que eles.
A atuação de Colman é especialmente admirável mostrando o advogado carton em impecável máscara de fleuma um tanto cínica, de desprezo para com a sua própria pessoa e inclinação ao sacrifício para ajudar os amigos.
Entretanto a cena a meu ver mais marcante de todas, inesperada e espetacular, é a luta corporal entre a governanta inglesa Pross, que trabalha para Lucie Manette, e a megera Thérèse, que planeja levar Lucie e sua menina para a morte por serem esposa e filha de um aristocrata, que por sinal não maltratava o povo. A luta é violenta e não é só uma briga entre duas mulheres; é um combate entre o Bem e o Mal, num cenário onde só o mal parecia prevalecer. Fica claro que a luta é de vida ou morte, que uma das duas terá de vencer.
Vale a pena assistir esse filme de época, uma época de um mundo virado pelo avesso, uma revolução que devorou a si mesma.

Classic Line, Selznick Productions, EUA, 1935, preto-e-branco, 128 minutos. Direção: Jack Conway. Segunda unidade: Val Lewton e Jacques Tourneur. Roteiro: W.P; Lipscomb e S.N. Behrman. iMúsica: Herbert Stothart. Fotografia: Oliver T. Marsh. Adaptação do romance "A tale of two cities" (Um conto de duas cidades), de Charles Dickens.
Elenco:
Ronald Colman..................Sidney Carton
Elizabeth Allan...................Lucie Manett
Edna May Oliver................Miss Pross
Basil Rathbone..................Marquês de St. Evremonde
Reginald Owen..................Stryver
Donald Woods...................Charles Darnay
Blanche Yurka...................Madame Thérèse Defarge
Henrt B. Walthall...............Alexandre Manette
H.B. Warner......................Gabelle
Claude Gillingwater............Jarvis Lorry
Fritz Leiber........................Gaspard



Rio de Janeiro, 13 de março de 2021.