Os 50 anos de "Aristogatas"

OS 50 ANOS DE “ARISTOGATAS”
Miguel Carqueija

Resenha do desenho de longa-metragem “Aristogatas” (The aristocats). Walt Disney Prouctions, Estados Unidos, 1970. Produção: Walt Disney, Wolfgang Reitherman e Wiston Hibler. Direção: Wolfgang Reitherman. Roteiro: Larry Clemmons, Vance Gerry, Ken Anderson, Frank Thomas, Eric Cleworth, Julius Svendsen, Ralph Wright. História original de Tom Mc Gowan e Tom Rowe. Direção de animação: Milt Kahl, Ollie Johnston, Frank Thomas, John Lounsbery. Música: George Bruns. Orquestração: Walter Sheets. Canções de Richard M. E Robert B. Sherman, Phil Harris, Tenry Gilkyson, Floyd Huddleston e Al Rinker. Canção-tema “Aristocats” da abertura, interpretada por Maurice Chevalier (na dublagem brasileira, “Aristogatas” com Ivon Cúri).
Elenco de dublagem original:
Eva Gabor................................Duquesa
Phil Harris................................Thomas O”Malley
Sterling Holloway....................Roquefort
Dean Clark...............................Berlioz
Liz English................................Marie
Gary Dubin..............................Toulouse
Nancy Kulp..............................Frou Frou
Pat Buttram.............................Napoleon
George Lindsey....................... Lafayette
Monica Evans...........................Abigail
Carole Shelley..........................Amelia
Charles Lane............................ Georges Hautecort
Hermione baddeley.................Madame Adelaide Bonfamille
Roddy Maude-Roxby................. Edgar
Bill Thompson............................Uncle Waldo
Scatman Crothers...................... Gato Pilantra (ou Gatuno Jazz)

Em 1970, lendo a saudosa coluna cinematográfica “Hollywood, ontem e hoje), de Gilberto Souto, no jornal “O Globo” (naquele tempo “O Globo” era lível), fiquei espantado ao saber do lançamento de um desenho animado de longa-metragem que seria o último de Walt Disney: “The Aristocats”. Disney faleceu em 15/12/1966. Até então pensava-se que seu último desenho longo iniciado fôra “The jungle book” (conhecido no Brasil como “Mowgli, o menino-lobo”), finalizado e lançado em 1967. Mas na verdade, desenhos artesanais e minuciosos como os dos Estúdios Disney costumavam mesmo demandar quatro anos de trabalho ou mais do que isso. Na verdade Gilberto Souto, que em certa época trabalhara com Disney e mantinha contato com sua empresa, adiantou que haveria mais um, “Robin Hood”, que Walt chegara a aprovar pouco antes de falecer. Este ficou pronto somente em 1973.
Parece que a equipe do estúdio (e dela faziam parte animadores veteranos como Milt Kahl, que acompanharam Walt Disney por décadas) ficou meio em estado de coma por muito tempo após a morte do gênio. Isto se traduz numa espécie de involução gráfica dos desenhos. Em perfeição, “Aristogatas” não se compara com “A bela adormecida”, de 1958. Apesar de bem detalhado nas paisagens e cenários, “Aristogatas” é algo tosco no sumarismo das linhas de desenho dos personagens, que também estão longe de atingir a expressividade que hoje se vê por exemplo em tantas animações japonesas.
Também parece evidente que houve uma certa intenção de mostrar com gatos um enredo que faz muito lembrar os clássicos “A dama e o vagabundo” de 1955 e “Os cento e um dálmatas” de 1960. Em vez da cadelinha Lady temos a gata branca Duquesa. Esta vive com seus três filhotes, Marie, Berlioz e Toulouse, numa rica mansão da Paris de 1910. A aristocrata senhora conhecida por Madame Adelaide Bonfamille, ex-cantora de ópera, não tem mais família e mora só com seus gatos e o mordomo Edgar. Ela chama seu decrépito advogado Hautecort para fazer o testamento. Escutando sem ser percebido, o mordomo descobre que a madame o deixou por último: a herança vai toda para Duquesa e seus filhotes; só depois de morrerem todos o mordomo herdaria.
Este é o pivô da trama policial, com Edgar resolvido a fazer sumirem os gatos para ficar como herdeiro da milionária. Assim ele seda os quatro bichanos e os abandona no campo. Desacostumados da vida ao relento, Duquesa e seus três filhotes passarão por uma odisséia para retornarem ao lar onde ainda será preciso confrontar o mordomo.
Há, claro, pontos fracos na trama, isso não inclui o fato de que os gatos e demais bichos da história falam perfeitamente entre si. Esse detalhe é comum nas histórias infantis. Mas o que não se explica é quem vem a ser o pais dos três gatinhos. Ninguém fala nesse personagem, mas é óbvio que a Duquesa está perfeitamente livre para namorar com Thomas O’Malley, o gato de rua que ajuda o quarteto. Também não se sabe o que ele fazia no campo se afinal era um gato parisiense, o que se torna claro quando o grupo chega numa velha casa de um bairro pobre, e onde ensaiava uma banda felina dos amigos de O’Malley, o Gatuno Jazz e sua turma. Mas quando se é criança não se questionam esses detalhes. Pensando bem, nem os adultos costumam questionar.
Mas o que realmente funciona em “Aristogatas” é o humor. Com o fraco argumento, e um vilão medíocre, o filme se sustenta com as “gags” e piadas como quando O”Malley diz: “Sabem? Gostei do tio Waldo”. Ele tivera péssima experiência com as gansas Abigail e Amélia, na hora em que o gato tentava sair de um rio e se agarrara numa planta. Elas pensam que ele estava querendo aprender a nadar e tentando ajudá-lo, quase provocam seu afogamento. Cansado de ser “ajudado” pelas gansas enxeridas, O”Malley acaba simpatizando com o pinguço do tio delas.
As gansas são de fato engraçadas e várias outras “gags” ficam por conta de diversos personagens como o advogado macróbio e o rato amigo de Duquesa e seus filhotes. Até o mordomo vilão é engraçado com seu andar desengonçado e sua incipiente vilania.
“Aristogatas” ainda tem, embora diluído, um molho do talento e do gênio de Walt Disney. E mesmo sem o detalhismo habitual das imagens ainda tem a suavidade visual das animações disneyanas, diferente da feia crueza dos desenhos mais modernos e realistas feitos na base da computação gráfica. A decadência dos Estúdios Disney é palpável nas últimas décadas; foi preciso aparecer o John Lasseter com sua série da Tinkerbell para retomar o antigo perfeccionismo.
Para as crianças, “Aristogatas” é diversão garantida e saudável, com seu recado de que os animais devem ser amados e protegidos.

Rio de Janeiro, 5 e 6 de setembro de 2020.