"UM DIA PERFEITO" - FILME NETFLIX
O pacato cidadão que lê este texto, por certo, em algum momento, já se perguntou “como será a vida das pessoas que se dedicam a amenizar o sofrimento de outros em catástrofes e conflitos, como por exemplo, os médicos sem fronteira”.
Uma resposta é que com o tempo se acostumam ao sofrimento, a ponto de extrair do cotidiano poesia e humor.
É o que se deduz ao assistir ao filme “Um dia perfeito”, cujo roteiro é baseado no livro “Dejarse llover” (“Deixa chover”) de Paula Farias, escritora espanhola, médica, membro dos “Médicos sem fronteiras” e de outras ações humanitárias, ativista do “Greenpace”, coordenadora de operações de resgate da ONU, entre outras muitas experiências.
A história se desenrola no tempo de um dia.
E passa-se na Bósnia, durante a guerra dos Balcãs (1991 / 1995), conflito bélico quase esquecido e pouco divulgado ocorrido há pouco tempo, em recanto da civilizada Europa, e que reviveu os horrores do nazismo, recriando campos de concentração, refugiados, perseguição, genocídio e extermínio de minoria étnica, entre outras coisas horríveis e estúpidas.
Entretanto, a guerra é apenas pano de fundo, não é visto na tela, é sugerido pelo ambiente, pela destruição de coisas e pessoas. O que se vê é o que se desenrola ao redor dos personagens, membros de ações humanitárias que não podem se envolver no conflito e devem seguir com rigor as regras, os tratados, acordos, conchavos, expedidos pelas autoridades da ONU, dos grupos e países envolvidos, para dar aparência "civilizada" à morte.
A narrativa têm contornos de humor negro.
Alguém joga um cadáver de uma pessoa gorda, num poço para contaminar a água e prejudicar a população (e a piada que se extrai é “como esse sujeito se manteve tão gordo num momento em que falta comida?”).
Para retirar o corpo do poço o grupo precisa de uma corda e a busca por ela será o mote do filme.
Ora é uma loja que têm cordas e não as vende, ora pessoas que as negam ceder porque a corda será melhor utilizada para amarrar cachorros, realizar enforcamentos, ou para hastear bandeiras e aprendemos que bandeiras são coisas importantes num conflito armado onde até os vizinhos podem ser seus inimigos mortais.
O horror está sempre ao redor, mas nunca no centro da cena.
Como por exemplo no momento em que o grupo é parado na estrada por uma patrulha militar. Enquanto os soldados e os voluntários fazem piadas entre si, ao fundo vê-se um grupo de prisioneiros que é retirado de um ônibus e todos sentem (espectador e os atores) que a ação para aqueles coitados terminará muito mal.
O filme tem poucos personagens, o que o torna fácil de acompanhar.
Apenas um voluntário experiente e cínico (Tim Robbins), uma novata ingênua (Mélanie Thierry), um agente de segurança experiente e amargo (Benicio Del Toro), uma burocrata da ONU (Olga Kurylenko), um cidadão local que funciona como interprete e uma criança que busca por uma bola de futebol e pela sua família.
Enfim, um filme importante para se ver; menos para aqueles que já se cansaram das tristezas e infelicidades causadas pelo ser humano.
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Um Dia Perfeito (A Perfect Day), Reino Unido – 2015
Direção: Fernando León de Aranoa
Roteiro: Fernando León de Aranoa, Diego Farias (baseado em obra de Paula Farias)
Elenco: Benicio Del Toro, Tim Robbins, Olga Kurylenko, Mélanie Thierry, Fedja Stukan, Eldar Residovic, Sergi López, Nenad Vukelic, Morten Suurballe, Ben Temple
Duração: 106 min.
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