Bará do Mercado

UAU! Fiquei encantada com o documentário sobre o Bará de Porto Alegre - "A Tradição do Bará do Mercado Público" (https://www.youtube.com/watch?v=kbDrJ16A2Iw)! Conheço pouquíssimo sobre as religiões de matriz africana, aprendi muitas coisas novas com este video, e fiquei ainda mais curiosa ao compreender um tantinho mais sobre os rituais e a sua (digamos assim) lógica de funcionamento.

Entendi que o Bará do Mercado Público guarda uma importante memória do sagrado para a identidade religiosa afro-brasileira, pois o lugar onde foi assentado (o próprio Mercado Público) representa a fartura e os caminhos, no caso, a sobrevivência física e a liberdade de ir e vir. Isso foi muito importante para a população de origem africana moradora de Porto Alegre, desde os tempos da escravidão, pois a sobrevivência e a liberdade sempre foram ideais a alcançar, e no caso, a serem protegidos pelos orixás. Os religiosos entrevistados relataram vivenciar um experiência religiosa, espiritual, mística naquele local, atribuída a esse ancestral ritual de assentamento da divindade, o orixá, naquele o lugar. Eu trabalho no Centro, perto do Mercado Público, e passo ali frequentemente. Já vi pessoas fazerem reverência ao bará quando passam por ele, parar para uma oração, fazer o sinal-da-cruz (!?), desviar do mosaico (em sinal de respeito, ou medo talvez), em um reconhecimento do sagrado. Tive a oportunidade de assisti por uns minutinhos uma celebração semelhante à que aparece no video (não sei dizer se foi esta mesma), e achei muito rica e emocional, com as danças, vestimentas, cores, tecidos, colares, pés descalços (para conexão com a natureza), oferendas de comidas (conforme a preferência de cada divindade), e os cânticos (que aprendi hoje serem feitos em diferentes dialetos, como iorubá e jeje-fon). Também vi, em outra ocasião, pessoas passando por ali sem manifestar conhecimento do sagrado, tratando o local como profano, no sentido em que estudamos com Mircea Eliade, ou seja, corriqueiro, comum, não-sagrado.

Entendi que o Bará do Mercado Público tem grande importância para a cultura de Porto Alegre, pois é um ponto de convergência das diferentes religiões de matriz africana daqui, por ser o orixá inicial, que protege (e "abre") os caminhos e, portanto, a liberdade e o desenvolvimento. Também é, por isso, um símbolo que congrega a luta dos representantes pelo reconhecimento e respeito às religiões de matriz africana, que tem tido alguns sucessos, mas precisa prosseguir, pois tem muito a conquistar. Chamou a atenção o relato dos religiosos mais idosos (especialmente do senhor que escreveu o livro) sobre o tratamento dado às religiões no passado, que indica que a proibição de realização da celebração resultava em realizá-la somente à noite, o que foi criando um misunderstanding mal-entendido de que, segundo religião, "deveria" ser feita somente à noite, mas na verdade os tambores enviam sua mensagem e chamam a divindade e ela responde "a qualquer hora". Também destaco o relato da diferença de tratamento, pelo Poder Público, até hoje em dia, dos terreiros em relação a igrejas no caso de, por exemplo, a abertura de uma avenida. O resgate de memória feito pela religiosa que relatou que a existência de terreiros, no passado, era tratada como "caso de polícia" da Delegacia de Costumes, com tentativas de fechamento, invasões pela Polícia, me impressionou muito, assim como a questão da especulação imobiliária, que acabou migrando os terreiros para locais mais afastados do Centro, distantes dos assentamentos originais, iniciados pelo bará do Mercado. Por tudo isso, creio que o Bará do Mercado Público tem importância grande cultural para Porto Alegre.