Cidades de papel, surreal e insólito

CIDADES DE PAPEL, SURREAL E INSÓLITO
Miguel Carqueija

Resenha do filme “Cidades de papel” (Paper towns). Temple Hill, 20th Century Fox, EUA, 2015. Produção executiva: John Green, Isaac Klausner, Nan Morales, Scott Neustadter, Michael H. Weber. Produção: Wyck Godfrey. Com base no romance de John Green. Roteiro: Scott Neustadter e Michael H. Weber. Direção: Jake Schreier. Música: Ryan Lott. Fotografia: David Lanzenberg. Com Nat Wolff, Cara Delevingne, Halston Sage, Austin Abrams, Justice Smith.

Já pelo título é um filme insólito. Ele foi produzido pelo próprio autor do livro, que também aparece no bônus do DVD, pesando mais, portanto, que o diretor Jack Schreier. John Green já tivera outro romance filmado, “A culpa é das estrelas”.
“Paper towns” refere-se a um curioso artifício utilizado nos Estados Unidos por editoras de mapas rodoviários. Para preservarem os direitos autorais elas inserem nos mapas cidades imaginárias. Assim, se houver plágio, elas podem questionar na Justiça que o mapa foi copiado sem licença.
Embora seja interessante sob muitos pontos de vista — o fascínio e a lealdade do garoto Quentin, de 18 anos, conhecido como “Q”, pela sua colega Margo, poucos meses mais nova, são comoventes — a película ressente-se a meu ver da licença que envolve o cinema (notadamente o norte-americano) há décadas. Não direi que o filme é pornográfico ou indecente, mas é licencioso embora quase (sic) não derive para a grosseria. A anedota de Ben morrendo de vontade de urinar no veículo, durante a jornada em busca de Margo, sem que sequer houvesse tempo de pararem, já que tinham hora para voltar e participarem do baile de formatura, e acabam arranjando umas latas de cerveja ou refrigerante para ele se virar — bem, isso era perfeitamente dispensável.
Também dispensável, embora abordada de forma discreta e rápida, a cena de sexo entre Radar e Angela.
Entretanto é muito original o entrecho que gira em torno da misteriosa e fascinante Margo. “Q” gostava dela desde criança. Eram amigos, colegas, porém Margo tinha um gosto para investigar e se meter em aventuras. “Q” não quis acompanhá-la e foram se afastando. Até o dia em que, já no fim do segundo grau, ela invade à noite o quarto do rapaz, seu vizinho, e o convoca para uma incrível aventura noturna, uma excursão de vingança que a garota executa contra um namorado infiel e seus cúmplices.
Eu gostei muito das interpretações de Nat Wolff como “Q” e de Cara Delevingne como Margo. Formam um casal perfeito, ela com sua beleza simples e ele com sua ingenuidade expressa no modo de sorrir. Percebe-se que “Q” não tem vocação para aventuras arriscadas e só acompanha Margo por amá-la.
Quando depois ela desaparece e Quentin inicia sua longa busca para reencontrá-la, configura-se a história de jornada, de estrada, de “quest” como chamam em língua inglesa. Acompanham-no seus dois leais amigos, Ben e Radar, com suas namoradas. Aliás é bonito o trio de amizade Quentin-Radar-Ben; são muito diferentes entre si e é por isso, lembra Radar, que eles são “melhores amigos”.
A busca pela “cidade de papel” onde estaria Margo refugiada é acompanhada por desenhos da estrada através dos Estados Unidos e do desenho do furgão utilizado por “Q”.
O desfecho porém decepciona e deixa em aberto o destino misterioso de Margo e também como ela estava se sustentando, vivendo de que.
Em suma, apesar dos defeitos, é uma fita que dificilmente poderá ser esquecida.

Rio de Janeiro, 7 de abril de 2020.